sábado, 5 de dezembro de 2009

"E A VERSÃO ACREANA, QUANDO SAI?"

As amarguras do jornalista de talento reduzido à condição de escriba são peculiares à imprensa da fase industrial, nada têm de espantoso e não podem ser lançadas, individualmente, às vítimas, mas ao regime que gerava e mantinha esse gênero de corrupção. Vê-lo nos casos pessoais e isolados é deformação ligada ainda ao moralismo inconseqüente e escamoteador da verdade profunda dos fenômenos e processos.

O esforço das campanhas pela "liberdade de imprensa" que, periodicamente, surgem, e não apenas nos jornais e revistas - uma curiosidade: aparecem sempre numerosas organizações e forças estranhas à imprensa nessas campanhas - visa sempre, e tão-somente, a exclusão do poder governamental, a interferência do poder público. O obstáculo à liberdade de imprensa é, nessas campanhas, o Estado, particularmente através da censura. Trata-se, evidentemente, de concepção liberal, peculiar à fase ascensional da burguesia. Em tal fase, as limitações à imprensa só podiam partir dos detentores do poder; o capitalismo de concorrência estava interessado em que a imprensa fosse livre, não se visse limitada pela violência ou pela censura da autoridade pública, mas nisto esgotava o seu conceito de liberdade de imprensa. Tudo mudou, entretanto, com o capitalismo monopolista, com o imperialismo: a luta contra a censura e todas as formas de cerceamento impostas pela autoridade passou a ser aspecto parcial da luta pela liberdade d eimprensa e, algumas vezes, aspecto menor. A transformação da imprensa em negócio de grandes proporções, em empresa, e, paralelamente, o desenvolvimento, complexidade e encarecimento de suas técnicas, demandando grandes investimentos e acompanhando o desenvolvimento qualitativo e quantitativo do público, mostra como a proteção contra a censura perdeu o interesse antigo, embora não tenha este desaparecido; as grandes empresas jornalísticas, no essencial, se autocensuram. Isso conduz à transformação dialética, finalmente: de instrumento de esclarecimento, a imprensa capitalista se transformou em instrumento de alienação, fugindo inteiramente aos seus fins originários.

A liberdade de imprensa, na sociedade capitalista, é condicionada pelo capital, depende do vulto dos recursos de que a empresa dispõe, do grau de sua dependência em relação às agências de publicidade. Isso se tornou claro, no Brasil, desde a segunda metade do século XX. De tal sorte que os assuntos de interesse nacional só encontraram possibilidade de estudo em revistas especializadas, e as correntes de opinião divergentes das forças dominantes tiveram a capacidade reduzida apenas à possibilidade de manter semanários, - o jornal diário já colocado fora de seu alcance.

Os processos pelos quais as grandes empresas jornalísticas conseguiram o patrimônio que ostentam daria uma enciclopédia; o problema começou a tornar-se público com a ofensiva contra Última Hora. Em fevereiro de 1961, o senador Jefferson de Aguiar cometeu a ousadia de requerer informações sobre os devedores do Banco do Brasil de importâncias superiores a 100 milhões de cruzeiros. O Globo combateu violentamente esse sacrilégio: "Não vemos porque a situação econômica e financeira de firmas respeitabilíssimas deva ser levada ao conhecimento público sem a aquiescência dessas firmas". A curiosidade do senador, aduzia, "nada tem de vantajosa para o Banco do Brasil". E rematava: "O Banco é uma sociedade anônima cujo principal acionista é a União, mas esta particularidade não pode levá-lo a práticas contrárias às normas bancárias e comerciais aplicáveis a todos os órgãos creditícios". Em fins de 1961, a revista PN, do Rio, começou a longa campanha a respeito do controle exercido sobre a imprensa pelas agências estrangeiras de publicidade: rasgavam-se as fantasias. O problema específico da imprensa iniciava o seu enquadramento no largo e tenebroso painel da corrupção exercida pelo imperialismo em nosso país. Nas eleições parlamentares, essa corrupção atingira dimensões inauditas.

Os acontecimentos de 1963, com as duas CPIs, a do IBAD e a da imprensa estrangeira, a vigorosa campanha radiofônica do deputado Leonel Brizola a respeito dos empréstimos privilegiados de instituições oficiais de crédito a jornais, particularmente aos Diários Associados e suas emissoras, e a O Globo, o avanço democrático que o país assistia, então, com a parcial derrota na tentativa de empolgar o Congresso, eliminando dele, pela corrupção eleitoral, os representantes nacionalistas, a vitória de muitos candidatos populares, inclusive com a conquista de executivos estaduais, exigiria do imperialismo uma decisão drástica: liquidar o regime brasileiro por um golpe militar, estabelecendo o único regime em que desaparecem as resistências legais aos seus interesses e em que se torna extremamente difícil esclarecer e mobilizar o povo: a ditadura.


Trechos de História da Imprensa no Brasil, de Nelson Werneck Sodré. MAUAD, 1999. Clique aqui para ler mais trechos on-line.

domingo, 22 de novembro de 2009

ESPERTALHÕES DO CLIMA SÃO DESMORALIZADOS

Demorou, mas aconteceu.

A farsa do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, em tradução livre), que fazendo-se passar por "instituição científica" defende a qualquer custo a tese de um aquecimento global por causas humanas, acaba de ser desmascarada.

Os autores da façanha são nada mais, nada menos, que hackers (piratas de computador, isto é, gente muito boa em informática).

Os penetras invadiram os computadores da Hadley Climate Research Unit (uma das principais instituições apoiadoras do IPCC na Grã-Bretanha) e disponibilizaram milhares de documentos dessa instituição na rede mundial de computadores.

A papelada revelou milhares de e-mails trocados ao longo de mais de uma década, incluindo um conluio entre vários "cientistas" para esconder a verdadeira situação do clima do planeta - um fenômeno de declínio da temperatura, ao invés de aquecimento - e trocas de idéias quanto a diferentes formas de dividir e embaralhar os dados relacionados ao clima mundial.

É um tremendo golpe na fraude do "aquecimento global" que deverá ter efeitos sobre a próxima reunião do IPCC em Copenhague - e aqui no Acre ajuda a evidenciar, mais uma vez, a papagaiada pseudo-sustentável criada para vender madeira barata para o exterior...

As notícias relacionadas estão no The Wall Street Journal, Examiner e The Air Vent.



Fonte: Resistir.info

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

A PROPRIEDADE INVENTADA

O debate acerca da reforma agrária no Brasil vem contribuindo para colocar em evidência uma antiga problemática: a da propriedade da terra. Considerada por uns um direito inviolável do ser humano e, por outros, um patrimônio que deve ser utilizado produtivamente pelas diversas gerações, a idéia da propriedade privada da terra segue sendo interpretada como conquista adquirida, seja ela política ou econômica.

De acordo com a legislação brasileira que versa sobre o tema (a Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Terra de 1964 e a Lei n.º 8.629/93), o direito de propriedade da terra é garantido, desde que atenda a sua função social, ou seja, se a sua utilização for condicionada ao bem-estar coletivo. Em caso de descumprimento, cabe ao Estado, baseado no interesse social, a tarefa de desapropriar as formas de ocupação e de exploração da terra que não estejam sendo utilizadas de forma produtiva, valendo-se dos instrumentos de “prévia e justa indenização” do proprietário.

A pergunta fundamental, no entanto, deixa de ser colocada: como é possível que a terra se converta em propriedade privada?


Se, na Idade Média, a legitimação da propriedade da terra por parte dos senhores feudais era buscada na dádiva divina, com o liberalismo a propriedade se converteu em direito humano, uma premissa que passa a ser legitimada racionalmente pela nova classe dominante: a burguesia. Após apropriada, a terra pode ser vendida, comprada e arrendada, assim como qualquer outra mercadoria. Ao ser colocada no mercado, o valor da terra passa a ser determinado pela sua capacidade de gerar renda, ou seja, pela sua utilização como meio de produção que tem dono (uma renda absoluta, portanto) e pelo seu potencial produtivo, sua fertilidade e sua localização (uma renda diferencial).

De acordo com David Ricardo, em seu famoso livro Princípios de economia política, editado em 1848, a renda, que parte da idéia de aluguel da propriedade, entretanto, não constitui um componente do preço dos produtos agrícolas. O que ocorre, segundo ele, é o contrário: a renda é resultante do preço dos produtos agrícolas. Quando cresce a população consumidora, é necessário utilizar também as terras menos férteis, que produzem menos. Neste caso, o preço de um produto agrícola é nivelado pelo custo mais alto para produzi-lo, o que cria uma renda diferencial para os produtores com custo mais baixo: é da menor produtividade da terra e da maior soma de capitais investidos que surge a renda. A idéia de comprar a terra decorre precisamente da possibilidade de deixar de pagar a renda em forma de arrendamento, “alugando-a” em definitivo, ao adquiri-la (o valor pago na venda da terra leva em consideração sua possibilidade de gerar renda).


É claro que depois de comprada, a terra poderá ser novamente vendida ou, então, ser herdada: quem pagou para adquiri-la entende que é, de fato, seu proprietário, e passa a encará-la como capital, o que, no caso de uma desapropriação, origina a necessidade de indenização aos proprietários. E essa é a questão chave para entender a contradição: a terra constitui capital?


O filósofo Rousseau, um dos precursores da Revolução Francesa, foi, certamente, quem mais cedo denunciou as conseqüências da apropriação privada da terra. Ele considera a instituição da propriedade privada da terra como a origem da desigualdade entre os homens, o momento inicial em que as classes dominantes transformaram em lei aquilo que já possuíam na forma de força.


A propriedade privada, portanto, não se origina da natureza, mas se funda em convenções, as quais resultam da ordem social predominante. As circunstâncias que conduziram ao aperfeiçoamento da razão e à ruína da humanidade são, segundo Rousseau, o estabelecimento da propriedade (devido à existência de ricos e pobres), a instituição da magistratura (por haver poderosos e fracos) e a manutenção do poder legítimo em poder arbitrário (que determinaria o último grau de desigualdade, entre patrões e escravos).


Nas palavras de Rousseau, em seu famoso Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens: “o verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer ‘isto é meu’ e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditá-lo. Quantos crimes, quantas guerras, assassínios, misérias e horrores não pouparia ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou enchendo o fosso, tivesse gritado a seus semelhantes: ‘defendei-vos de ouvir esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos e que a terra não pertence a ninguém!” E, com base nesta constatação, Rousseau fundamenta sua crítica à instituição da sociedade civil e das leis: “Tal foi ou deveu ser a origem da sociedade e das leis, que deram novos entraves ao fraco e novas forças ao rico, destruíram irremediavelmente a liberdade natural, fixaram para sempre a lei da propriedade e da desigualdade, fizeram de uma usurpação sagaz um direito irrevogável e, para lucro de alguns ambiciosos, daí por diante sujeitaram todo o gênero humano ao trabalho, à servidão e à miséria”.


De fato, se refletimos radicalmente sobre a legitimidade da apropriação privada da terra, verificamos que houve um primeiro ocupante de um território ainda não ocupado por alguém, o qual reivindica para si o direito de usufruir este recurso natural. Como este direito não é reconhecido como legítimo por outros, acontecem as disputas por territórios, uma das razões para as muitas guerras que conhecemos ao longo da história. Além da reivindicação de primeiro ocupante, estaria imbricada nesse argumento a ocupação da terra somente numa porção limitada à necessidade de subsistência dos ocupantes. O terceiro argumento que Rousseau apresenta neste debate é o de que a posse não se dê por legitimação de uma cerimônia, mas pelo trabalho e pela cultura, os quais, segundo ele, são os “únicos sinais de propriedade que devem ser respeitados pelos outros, na ausência de títulos jurídicos”. Possivelmente é nisso que se fundamenta a noção vigente de que terra produtiva não possa ser desapropriada ou que a terra deve ser daquele que nela trabalha.


O dilema dessa argumentação é a convicção de que a propriedade da terra seria resultante do trabalho, assim como se daria a propriedade do capital. O capital é resultado do trabalho humano acumulado (trabalho morto), onde até poderíamos identificar uma relação causal que levaria à legitimidade ou deslegitimidade de sua posse. O problema, no caso da terra, é que se trata de um recurso natural não passível de reprodução, ou seja, ninguém com o seu trabalho é capaz de produzir um hectare de terra. Como a terra em si não é resultante do trabalho humano, ela não se constitui capital na origem e continua sendo um recurso natural disponível de forma limitada, sobre o qual a propriedade não possui legitimidade.


Com a superação do modo de produção feudal, a propriedade da terra representa um empecilho ao desenvolvimento da produção capitalista, uma vez que conserva uma estrutura de remuneração da posse, originando uma reserva de valor gerado socialmente, que aparece convertida na renda paga ao proprietário. Como afirmava Ricardo, “o fenômeno da renda é uma vantagem resultante de uma desigualdade, da desigualdade que decorre do momento em que a propriedade é a causa da renda, porque ela é a consagração jurídica de uma desigualdade econômica”.


Para Lênin, a propriedade privada da terra é um entrave ao progresso da agricultura, e não seria necessária do ponto de vista da acumulação capitalista. A razão de sua manutenção estaria no temor dos capitalistas de que a deslegitimação da propriedade da terra venha a ser estendida a todas as formas de propriedade privada. Além disso, é notável que após o estágio inicial do capitalismo, a própria burguesia se tornou a classe proprietária da terra, um instrumento de poder político importante ao lado da apropriação do capital industrial, comercial e financeiro, o que contribui para o fortalecimento de sua hegemonia.


No caso brasileiro, o atual conflito em torno das ocupações de terra no Brasil, onde os latifundiários passam a organizar milícias armadas em defesa do seu “sagrado” direito de propriedade da terra, já que não confiam no atual governo e no “Estado de direito” instituído para defender seu “direito adquirido”, a deslegitimidade dos proprietários de terra começa a ficar evidente. Diante da determinação do atual governo em cumprir sua tarefa de desapropriar áreas improdutivas, com base no interesse social previsto constitucionalmente, os latifundiários procuram amparo no Poder Judiciário, onde a maioria dos magistrados vêm, historicamente, se posicionando a favor da propriedade da terra, até porque muitos juízes, promotores, desembargadores e advogados, assim como parlamentares, são, eles mesmos, grandes proprietários de terras.


A função da ideologia (neste aspecto compreendida como visão ilusória da realidade, que serve de instrumento de dominação de classe) como se sabe, não serve somente no embate com a classe em oposição, mas também para justificar a própria ação como classe, para si mesmo. Em função de interesses particulares, os magistrados procuram interferir em processos de desapropriação de áreas comprovadamente improdutivas, criando empecilhos legais dos mais diversos, como ficou público no caso de São Gabriel, no Rio Grande do Sul, em que inclusive laços de parentesco envolvendo uma magistrada com o latifundiário, levaram à suspensão da ação legal conduzida por parte do governo federal.


Quando não recebem um aval positivo do Poder Judiciário, tentam influenciar a opinião pública através dos seus porta-vozes nos grandes meios de comunicação social, que seguem na tentativa de justificar um direito que, na realidade, carece de legitimidade desde o seu princípio. E, ao organizarem milícias armadas como o PRC – Primeiro Comando Ruralista –, os proprietários de terra admitem a deslegitimação de sua causa, retrocedendo ao uso da força para proteger um direito quando este não pode ser assegurado por lei.


segunda-feira, 2 de novembro de 2009

EVANGÉLICOS OU HOMOSSEXUAIS

Há dois grandes equívocos no debate recente sobre o projeto de lei federal que pretende criminalizar a homofobia e a sua recepção entre os cristãos, especialmente pastores evangélicos. Equívocos que foram mantidos no debate estadual, mais recente, proporcionado pelo projeto de lei do deputado Moisés Diniz (PCdoB).

O primeiro equívoco está na posição adotada pelos homossexuais ao restringir, para o âmbito da psicopatia, e portanto para o campo da individualidade, uma tradição social contrária à homossexualidade. É um erro crasso, mas perfeitamente compatível com o galopante processo de individualização da vida política em curso nas sociedades capitalistas.


O preconceito anti-homossexual, se tem origem social, não pode ser combatido no âmbito da psicopatia. Aliás, esta foi a grande descoberta dos movimentos de luta sociais ao longo do século XX.

Cito como exemplos duas lutas que tiveram grandes êxitos, embora ainda estejam em curso: a luta pela emancipação da mulher e a luta pelos direitos raciais, principalmente entre os negros norte-americanos.


Ambos os movimentos tiveram forte rejeição no meio religioso: a luta feminista, por clara incompatibilidade com a origem patriarcal do cristianismo, e a luta dos negros devido à concepção de que a cor da pele derivava-se (alguém ainda lembra disso?) do sinal de Caim.


Depois descobriu-se que as mulheres poderiam dar líderes religiosos tão bons e até melhores que os homens. Descobriu-se também que a cor negra, além de ser majoritária em todas as épocas da Humanidade - hoje também -, deve-se a uma maior quantidade de pigmentos para proteger a pele em determinados climas tropicais.


Debate vai, debate vem, não é que a sociedade resolveu ser menos intolerante?


Nos dois casos o segredo do sucesso foi o mesmo: a correta compreensão de que o preconceito tem origem social e não individual. Que é um fenômeno de macropolítica, e não da idiossincrática preferência individual. Que é algo para ser discutido no campo da processualidade histórica, não do desvio psicossomático.


Ao estabelecer como portador de homofobia, uma doença psíquica, o indivíduo que por uma razão religiosa acredita que homossexuais não vão para o céu, o movimento homossexual fecha as portas do contra-argumento, rotula o indivíduo, superficializa o debate e inicia, no processo, exatamente aquilo que denuncia: a discriminação.


Mas há um segundo equívoco no debate. Este diz respeito aos evangélicos, cuja origem e tradição patriarcal da sua religião exclui totalmente a possibilidade de existir, como fiel, um homossexual. Aliás, é preciso que isso fique claro: a organização sociopolítica do povo judeu, com família nuclear e forte herança patriarcal, impede - e aliás, condena literalmente - a homossexualidade.


Até aí a questão é compreensível, desde que tomada antropologicamente. O problema é quando esta autodefinição identitária, específica do povo judeu e assimilada, por tabela, pelas religiões cristãs, é estendida ao amplo campo da vida política.


Como a política é, por definição, o exercício da vida social em que os cidadãos decidem normas e valores para a convivência comum, o pressuposto básico é que nenhuma noção particular, seja crença ou valor pessoal, pode ter valor ou poder de coerção sobre os demais cidadãos. Esta forma de fazer política já era a regra na Grécia antiga, apesar do absurdo da escravidão (os escravos não eram considerados cidadãos).


Hoje o problema é que, ao estabelecer como "pecado" um determinado comportamento sexual, o cristão não restringe o erro à circunscrição da sua religião, apenas. O pecado, para o cristão, existe mesmo se cometido por pessoas que não compartilham daquele princípio religioso, o que claramente afronta o princípio básico de qualquer democracia: a liberdade.


Ocorre que faz parte da própria arquitetura do cristianismo aquela noção segundo a qual o seu sistema de crenças tem aplicabilidade universal e não apenas religiosa ou litúrgica. Esta foi, não por acaso, a maior fonte de polêmica e de embates históricos do cristianismo com a democracia: a concepção de que uma forma religiosa tem preferência ou maior valor que as demais formas religiosas, não-religiosas ou mesmo irreligiosas, é fundamentalmente antidemocrática e pior que isso: possui um profundo e incontestável potencial ditatorial.


É ditadura aquela concepção política que se estabelece como válida para todas as demais, pelo seu simples mérito ou auto-contemplação.


Se os evangélicos, ou os pastores evangélicos, querem mesmo levar esta discussão a cabo, devem antes submeter a sua concepção religiosa à vida política: homossexualidade pode ser considerada pecado, sim, desde que no âmbito da doutrina cristã e por parte de cristãos. Uma doutrina não pode, exatamente pelos princípios da liberdade e da tolerância que os próprios pastores esgrimam, estabelecer-se como um valor político a ser seguido por todos.


Portanto, assim como nenhum homossexual não pode estabelecer que todo evangélico contrário à causa homossexual é portador de homofobia, nenhum evangélico tem o direito de acusar homossexuais não-cristãos de cometerem crime contra a divindade.
Não numa democracia.


A foto é do
portal evangélico Padom. Segundo o expediente do referido sítio, a palavra significa "liberdade e redenção".

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

ECONOMIA POLÍTICA


É óbvio que ninguém pode negar a enorme contribuição do Partido dos Trabalhadores para a vida política acreana. Houve uma transformação radical da Realpolitik nesse Estado logo a partir do primeiro mandato de Jorge Viana e o resultado dessa transformação poder ser visto praticamente em cada esquina da cidade.

É igualmente óbvio, porém, que ao transformar a Realpolitik acreana o governo petista transformou-se com ela. De defensor da democracia social e econômica, o PT tornou-se um árduo e muitas vezes cruel protetor das suas próprias conquistas políticas. É claro que nenhum partido tem a intenção de cometer suicídio político, estabelecendo prazo de validade para as suas bandeiras e idéias: é característico de um partido político colocar-se como a melhor opção no jogo democrático.

O problema é o que se faz ao longo desse processo. Na imprensa acreana, são numerosas as acusações de silenciamento, ocultamento, manipulação e até negação descarada de notícias cujas evidências deixam a quisila no nível do ridículo. Membros do PT, políticos do primeiro escalão, ainda ligam para as redações e pedem "carinhosamente" para que determinada notícia seja publicada com ênfase ou omitida, dependendo dos interesses em jogo.

Essa prática mancha a imagem que o PT, e suspeito que a própria Frente Popular do Acre (FPA) vem se esforçando para construir em um Estado historicamente dominado por forças de direita. É uma prática nefasta que não pode ser tolerada sob quaisquer condições, mesmo que o interesse seja salvaguardar a imagem de um político ou partido qualquer.

Não se pode tolerar que em nome da transformação social cometam-se atentados à liberdade de expressão, até porque este bem ainda não foi alcançado na vida política do Acre. A população, a grande parte da população, os trabalhadores e marginalizados que lotam os matagais mal-iluminados que muitos chamam de "periferia" estão completamente ausentes dessa discussão: expressão pública é sempre expressão dos outros, não a expressão delas. São párias numa sociedade que se diz democrática.

Por esta e outras razões, uma revolução na comunicação social só pode vir quando esses dois pontos, gravíssimos, forem corretamente saneados. Nos dois casos o problema é um só: liberdade. Não há liberdade porque o poder é concentrado em um grupo político que estabelece a um só tempo os limites e os direitos do restante da sociedade.

Somente em uma sociedade democrática, onde o poder político e o poder de imprensa possa ser exercido por toda a sociedade, pode resolver adequadamente esse divórcio de interesses. Democratizado, o poder pertencerá a todos, e não mais somente a alguns. A expressão individual será o direito ao exercício do poder político livre, e o exercício do poder político livre só pode ser realmente livre quando dispuser do direito de livre expressão.


O quadro é de Eugène Delacroix. "A Liberdade guiando o povo", 1830.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

A NOVA IMPRENSA ACREANA

O presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado do Acre (Sinjac), Marcos Vicentti, anunciou hoje em entrevista ao programa Boa Tarde Rio Branco a realização de um evento público para discutir um "novo jornalismo"; algo capaz, segundo ele, de adequar-se "ao novo momento que o Acre vive atualmente".

Taí uma coisa que não pretendo perder (como diz a Beth Passos, "nem sob tortura!"). Entre outras questões, quero saber o que é esse "novo momento" e quais as suas implicações REAIS para a vida das pessoas: sem desconsiderar a beleza dos nossos novos, verdes e belos monumentos e praças, a miséria, o desemprego e a violência não só se mantém nos mesmos espaços da cidade como também dispararam em intensidade!

Que novo momento é esse que não tem implicações práticas na vida da maioria das pessoas?

Obviamente isso tem a ver com o tipo do jornalismo que se pratica hoje, não só no Acre como no resto do país: diferentemente da velha concepção positivista, a História não é escrita por "grandes homens" e suas "grandes realizações". A História é escrita por processos sociais, sendo tais processos ao mesmo tempo manifestos e ocultados ao longo da sua realização.

Não é por acaso, por exemplo, que o PROCESSO do desgaste da política tradicional acreana tenha produzido as novas lideranças políticas que governam no Acre atualmente, assim como não é coincidência que essas lideranças lutem para ocultar o seu próprio desgaste ao colocar-se, na própria imprensa, como a quintessência final, a realização da História da política acreana - e nesse processo costumam inclusive negar fatos históricos concretos, como rebeliões de presidiários, corrupção, violência urbana, negociatas com os barões da nossa mídia etc.

Curiosamente o mesmo processo é seguido por muitos críticos (ou supostos críticos) desta trajetória. Altino Machado e Toinho Alves, só para citar dois intelectuais orgânicos dessa nova fase histórica, fazem crítica ao poder no exato tom que os atuais donos desse poder usam para criticar os donos - antigos - do mesmo poder.

Altino e Toinho - e há outros - não se colocam como atores de um processo social, não reconhecem que a crise do jornalismo sintomatiza uma crise de um sistema inteiro.

A crise da nossa imprensa é mero sintoma da crise de comunicação social.

A crise não é de informação, de notícia. A crise é de expressão, da - falta de - debate, da percepção muito clara da população de que este tipo de jornalismo atual só transmite um único tipo de visão da sociedade: a visão dos proprietários, dos salvadores de coisa alguma, dos coronéis de barranco high-tech ávidos pelo tilintar do erário público em seus bolsos sem fundos...

A origem da crise é até meio óbvia: não pode haver comunicação social se os meios de produzi-la são restritos a meia dúzia de comerciantes da informação.

A solução para as crises, a da imprensa e a da comunicação, não é outra senão a democratização dos meios de comunicação. É o controle social das empresas que produzem a ação comunicacional, e com elas o próprio ato de comunicar.

Absurdo? Absurdo é alguém desconhecer hoje em dia a origem suja das pomposas empresas de comunicação que atuam no Acre hoje, todas erguidas sobre camadas de dinheiro público, e portanto social.

Portanto, a César o que é de César, a Deus o que é de Deus, e ao povo o que é do povo!


A foto, que mostra o meu irmão Marcos Vicentti, é do jornal Página 20.

sábado, 10 de outubro de 2009

A CORPORAÇÃO

Uma sociedade tragada pela violência, fragmentada, desconectada.

Uma sociedade em que não há escolhas individuais, exceto a escolha que terceiros escolheram antes do nosso nascimento.

Uma sociedade viciada em bullyng, que transforma seus meios de transporte em máquinas de assassinar em nome de uma pressa imbecil, que transtorna, fragmenta e violenta ainda mais o cotidiano de todos.

É, vivemos em tempos difíceis. Mas quem disse que não há como sair desse abismo que nós mesmos criamos?

Não vejo motivos para responder negativamente. Mas, que tal começar por uma reflexão?

Assistam, mas assistam com calma...


Parte 1 -


Parte 2 -

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

A ONDA E O FASCISMO NOSSO DE CADA DIA

Assisti este filme no fim de semana e quero compartilhar com vocês, meus milhões de leitores. Abaixo, vai uma resenha descadaradamente copidescada do blog Filosofia do Caos, dos meus colegas virtuais Felipe Camargo e Aline Deaba. Essencial nesse momento de "glória, glória, aleluia" reivindicado abertamente pelo governo do PT, o Grande Irmão dos Acreanos.



Há muito tempo que um filme não me impressionava tanto como o alemão “A onda” (Die Welle, 2008), baseado na história verdadeira de Ron Jones, um professor de história contemporânea de uma escola secundária da Califórnia (diferentemente do filme, que ocorre na Alemanha). Em uma aula de teoria política, a partir do desinteresse dos alunos, o mestre propôs uma aula embasada nos pressupostos dos regimes fascistas que culminou em uma reação impressionante dos alunos, que inicialmente eram trinta e em apenas quatro dias atingiram a impressionante quantidade de duzentos discentes. Não vou contar mais detalhes da história para não revelar o filme (que estará disponível para download). Mas o que me perturbou foi o aspecto psicológico das massas na construção fascismo. Adolescentes apáticos em relação à política, de repente tornam-se ativistas proliferando ódio e ideais e reafirmando a disciplina, o espírito de grupo e a supremacia de valores.


O psicanalista alemão Wilhelm Reich, em seu livro psicologia de massa do fascismo, prioriza a idéia de que o fascismo não foi algo ideológico imposto uma massa alienada, mas sim desejado pela mesma. Ao ler a magna biografia que Safranski faz de Heidegger, percebe-se o quão esperançoso foi o Nacional-socialismo e a figura de Adolf Hitler para o povo alemão, como diz o próprio Heidegger: No começo doa anos 30 às diferenças de classe em nosso povo tinham-se tornado intoleráveis para todos os alemães com senso de responsabilidade social, bem como o pesado ônus econômico da Alemanha devido ao Tratado de Versailles. No ano de 1932 havia 7 milhões de desempregados que, com suas famílias, só podiam esperar pobreza e necessidade. A perturbação devido a essas condições, que a atual geração nem consegue mais imaginar, também atingiu as universidade [...] Tais enganos já aconteceram com homens maiores do que eu: Hegel viu em Napoleão o espírito do mundo e Hölderlin o viu como o príncipe da festa a qual os deuses e Cristo foram convidados.


O mais impressionante é que o fascismo, como disse Foucault, não existe apenas no âmbito ditatorial e centralizado de Mussolini e Hitler, mas também em todos nós, que assombra nosso espírito e nossas condutas cotidianas, o fascismo que nos faz amar o poder, deseja esta coisa mesma que nos domina e nos explora (Uma Introdução à vida não-fascista). O fascismo não é algo externo que se restringe aos alemães, tanto que a experiência do professor Ron Jones, foi desenvolvida em uma escola dos EUA, onde o meio cultural divergia totalmente daquele encontrado na Alemanha cerca de 30 anos antes.


Deleuze e Guattari em seu rizomático livro Mil Platôs, salientam a idéia de Foucault: “Mas o fascismo é inseparável de focos moleculares, que pululam e saltam de um ponto a outro, em interação, antes de ressoarem todos juntos no Estado nacional-socialista. Fascismo rural e fascismo de cidade ou de bairro, fascismo jovem e fascismo ex-combatente, fascismo de esquerda e de direita, de casal, de família, de escola ou de repartição: cada fascismo se define por um microburaco negro, que vale por si mesmo e comunica com os outros, antes de ressoar num grande buraco negro central generalizado”.


O fascismo não é algo macro e sim molecular, não centralizado e sim disseminado, metástase cancerígena, não existem fascismos e sim disseminações fascistas em micro-escalas. O nazismo foi a exponenciação da subjetividade dos microfascimos, que não tem fronteira e ainda hoje ganham campo em cima do vazio existencial e da vida niilista da contemporaneidade. O vazio e a angústia do homem contemporâneo são campos abertos para a disseminação e busca de um padrão hegemônico, lacunas que foram aproveitadas pelos governos ditatoriais e culminaram nas grandes desgraças vistas no século passado.


O final do filme, a partir desse discurso torna-se previsível. No facismo impera a vontade de destruição: É curioso como, desde o início, os nazistas anunciavam para a Alemanha o que traziam: núpcias e morte ao mesmo tempo, inclusive a sua própria morte e a dos alemães. Eles pensavam que pereceriam, mas que seu empreendimento seria de toda maneira recomeçado: a Europa, o mundo, o sistema planetário. E as pessoas gritavam bravo, não porque não compreendiam, mas porque queriam esta morte que passava pela dos outros. É como uma vontade de arriscar tudo a cada vez, de apostar a morte dos outros contra a sua (Mil Platôs 3). A metáfora da metástase ganha mais força, e o regime suícida do fascismo anula-se : O telegrama 71 — Se a guerra está perdida, que pereça a nação — no qual Hitler decide somar seus esforços aos de seus inimigos para consumar a destruição de seu próprio povo, aniquilando os últimos recursos de seu habitat, reservas civis de toda natureza (água potável, carburantes, víveres, etc.) é o desfecho normal...(Idem).


Ficou interessado? Se quiser assitir ao filme, faça o download!




Para saber mais:


SAFRANSKI , R Heidegger: Um mestre na Alemanha entre o bem e o mal

DELEUZE E GUATTARI, O Anti-Édipo: Capitalismo e esquizofrênia

____________________ Mil Platôs

FOUCAULT, M. Introdução à uma vida não fascista

REICH, W. Psicologia de massa do Fascismo.


domingo, 20 de setembro de 2009

PSOL E MARINA: UMA ALIANÇA INSUSTENTÁVEL


As informações, veiculadas pela mídia, sobre um eventual apoio do PSOL à candidatura de Marina Silva em 2010 não foram, até o momento, objeto de qualquer declaração oficial do partido. Mas a possibilidade de ocorrer tal aliança já vem suscitando um debate entre os militantes. É provável que muitos militantes vejam com simpatia essa hipótese, até mesmo em função de declarações de Heloisa Helena que está cada vez mais propensa a disputar o senado por Alagoas, em vez da presidência da República.

Há, além disso, a força da imagem de Marina Silva e sua biografia política que a projetou nacional e internacionalmente como ícone da causa ambiental. Não é por acaso que sua candidatura tem causado forte impacto no cenário político nacional, atraindo apoios importantes de ambientalistas, intelectuais, além de petistas desconfortáveis com a candidatura Dilma. Alavancada pela mídia, ela tem aparecido como o fato ‘novo’ na política nacional.

Mas a biografia política da senadora e ex-Ministra do Meio Ambiente não são suficientes para que sua candidatura possa ser considerada uma alternativa política a ser apoiada pelo PSOL. Queremos apresentar a nossa visão de que uma eventual decisão de apoiá-la em 2010, poderá significar a descaracterização da nossa identidade política e ideológica. Basicamente são dois os argumentos que nos levam a essa conclusão. Primeiro, consideramos que a filiação da senadora ao PV é, por si só, um impedimento a uma aliança política. Segundo, a política da senadora é inconsistente, contraditória e limitada, não oferece uma resposta às demandas imediatas e tampouco proporciona uma alternativa estratégica global.

PV: a improvável “refundação”

“O PV hoje tem alianças que o levam a apoiar governos de tendências diversas e até conflitantes, além de abrigar parlamentares processados por grilagem de terras. Analistas consideram que, mais do que utopia, Marina vai encontrar no PV demasiado pragmatismo” (Valor Econômico, 18/8/2009).

A citação demonstra que mesmo os analistas burgueses são céticos quanto à “refundação” do partido, anunciada pela senadora e pela direção do PV. As mudanças supostamente abarcariam desde uma “revisão programática”, passando por mudanças na estrutura do partido, até uma “depuração” nos seus quadros partidários. Sem queremos ser céticos, não é possível acreditar que tais promessas possam ser cumpridas.

A principal característica do PV é o seu fisiologismo, profundamente arraigado na sua prática política e sua estrutura partidária. Desde seu surgimento, o partido fez alianças com praticamente todos os partidos existentes no país. Fez parte do governo FHC, ocupando a pasta do MMA. No governo Lula, ocupa desde o início o Ministério da Cultura. Chegou a apoiar Blairo Maggi, maior plantador de soja do país e inimigo mortal do meio ambiente. Ocupa hoje cargos nos governos de Gilberto Kassab (DEM-SP) e José Serra (PSDB-SP). Governa a prefeitura de Natal, conquistada em aliança com o DEM.

Mesmo na política ambiental encontramos no partido, ao lado dos ambientalistas chamados “históricos”, deputados que defendem a energia nuclear como Ciro Pedrosa e Fábio Ramalho (PV-MG), além do deputado Lindomar Garçon (PV-RO), que apoiou a construção do Complexo Hidrelétrico do Madeira. Exemplos não faltam.

Uma “refundação” exigiria que o PV rompesse suas alianças com a direita e abandonasse cargos ocupados em governos de direita, como os de Serra e Kassab. Mas não há qualquer sinal de que haja, de fato, uma mudança de rumo. Ao contrário, são fortes os sinais de que o partido continuará com a mesma linha, ainda que atenuada. Na mesma semana em que o PV anunciou a solenidade de filiação de Marina Silva, dirigentes do partido de Minas Gerais declaravam a intenção de apoiar Aécio Neves, enquanto em São Paulo o PV revelava ter feito convite ao ultra-conservador Gabriel Chalita para disputar uma vaga no senado pela sigla verde. Chalita, hoje vereador pelo PSDB, foi secretário do governo Alckmin.

Também é difícil dar crédito a discursos sobre “depuração” e “ética na política” vindos de alguém como Fernando Gabeira, candidato à prefeitura do Rio de Janeiro em 2008, com o apoio do PSDB, DEM e da Rede Globo.

A própria Marina Silva, na entrevista coletiva após a sua filiação, tratou de minimizar a heterogeneidade das alianças do partido, afirmando que “alianças heterogêneas existem em todos os partidos e isso não é privilégio do PV". José Luiz Penna, presidente do partido, foi mais claro ainda ao declarar que a aliança preferencial é com as "sociais democracias e o país tem uns cinco partidos assim". Certamente, entre esses cinco está o Partido da Social Democracia Brasileira...

Finalmente, qualquer “refundação” que signifique uma mudança radical nas propostas e na prática, exige o reconhecimento e a auto-crítica em relação aos erros cometidos no passado. Tampouco somos otimistas quanto a isso. Uma análise e uma projeção realista nos dirá que possivelmente haverá mudanças, mas provavelmente serão superficiais e, mesmo assim, mais formais do que reais. Não se muda em poucos meses um partido com uma cultura política fisiológica que se formou e se consolidou no decorrer de duas décadas.

Pode haver a tentação de subestimar ou minimizar os problemas do partido em função das características e virtudes da candidata Marina Silva. Mas a sua filiação ao PV se deu após um período de reflexões e discussões. Não dá para imaginar que para tomar a sua decisão não tenha levado em conta os prós e contras do PV. E se decidiu se filiar ao partido é porque chegou á conclusão de que as convergências políticas e outros aspectos positivos sobrepujam os aspectos negativos. Já não é possível dissociar Marina Silva do PV. Ela tornou-se a sua principal figura pública, e nessa condição também terá que arcar com o ônus dos erros e equívocos do partido.

Não imaginamos qualquer argumento que possa justificar uma aliança com o PV, ou possa sugerir um apoio à Marina Silva, desconsiderando o papel e as características do partido. A não ser que se pense em termos puramente eleitorais. Mas isso seria adotar a mesma lógica que tem caracterizado a prática fisiológica e oportunista do PV.

Limites do ‘desenvolvimento sustentável’

Ao se filiar ao PV, Marina Silva anunciou a sua intenção de apresentar em 2010 um projeto de “desenvolvimento sustentável” para o Brasil. A definição mais conhecida de “desenvolvimento sustentável” é a de um desenvolvimento capaz de prover “as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade de atender as necessidades das futuras gerações", segundo a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, criada pela ONU em 1983. Os pressupostos básicos dessa visão são o reconhecimento da finitude dos recursos naturais e a necessidade de harmonizar crescimento econômico e sustentabilidade ambiental.

Apesar de sua aparente coerência, essa definição é falha, vaga e abstrata. Não define o que se entende por “necessidades” e “desenvolvimento”. Constata o risco de esgotamento dos recursos naturais, mas sem detectar os processos e mecanismos que provocaram tal situação. E a idéia de harmonizar desenvolvimento e sustentabilidade é muito mais uma formulação (vaga) de uma meta necessária, mas sem apresentar qualquer proposta ou modelo que a viabilizem. Na melhor hipótese, leva a políticas de mitigação de impactos e de conservação/preservação da natureza.

Uma conseqüência imediata dessa perspectiva é entender a crise ambiental e as necessárias políticas para combatê-la, como algo que se situa acima das classes sociais e para além de divisões ideológicas. Um olhar minimamente atento constataria que a situação-limite a que o planeta chegou é o corolário de uma devastação brutal da natureza ocorrida nos últimos cinco séculos. Esse período corresponde, não por coincidência, à vigência do modo de produção capitalista, desde a sua gênese aos dias de hoje. A escala e a velocidade vertiginosa dessa apropriação predatória dos recursos naturais só se explicam pelas características específicas do capitalismo, cuja razão de ser é a expansão permanente de capital, a ampliação incessante de mercados, a produção contínua e crescente de mercadorias. Em outras palavras, um sistema que exerce uma pressão permanente e crescente sobre os bens naturais para viabilizar a produção de mercadorias.

A proposta do “desenvolvimento sustentável” mostra-se irrealizável e utópica, na medida em que supõe ser possível harmonizar ‘desenvolvimento’ e ‘sustentabilidade’ nos marcos do modo de produção capitalista. E por ignorar esse fator “capitalismo”, o conceito das “necessidades” a serem supridas agora e no futuro, bem como as críticas ao “modelo de consumo”, permanecem nos marcos das generalidades abstratas. Isso explica a tendência a uma sobrevalorização de “valores éticos”, mudanças de hábitos de consumo, a formação de uma “consciência ambiental”, etc. Não que não tenham importância, mas por si só são não poem garantir o objetivo de uma sociedade sustentável.

Mais do que nunca é preciso ir à raiz das questões, ser radical. Vivemos em um mundo onde, de um lado, bilhões não têm acesso ao mínimo necessário para sobreviver, enquanto de outro lado, temos o reino “maravilhoso” do consumo de mercadorias que costumam ser caracterizadas como “objetos de desejo”. A ampliação de mercados não se dá apenas pela expansão geográfica do comércio ou pela geração de novos bolsões de consumidores como a chamada “nova classe C”, mas também pela criação do que Marcuse chamou de “falsas necessidades” e por uma produção de mercadorias fadadas a se tornarem obsoletas em um curto prazo de tempo, a exemplo dos computadores e outros eletroeletrônicos, o que corresponde ao que Meszaros chamou de ‘taxa de utilização decrescente dos valores de uso’. E esse desperdício, característica intrínseca ao capitalismo, acentuou-se ainda mais desde a consolidação da hegemonia neoliberal nos anos 90. Nada indica que tais características desapareçam sob o capitalismo. Continuarão existindo, com “selo verde” e declarações de amor à natureza.

Podemos entender que a comissão da ONU não tivesse reconhecido explicitamente no capitalismo a causa da devastação ambiental planetária. Mas não hoje em dia, quando há uma abundante produção teórica e científica de cientistas, intelectuais e militantes ecossocialistas ou mesmo “socioambientalistas”, que apontam claramente esse fato. Não se trata, repetimos, de mera ideologia. As consequências dessa discussão são políticas e práticas concretas.

O “desenvolvimento sustentável” de Marina Silva

Em todos esses anos de governo Lula, Marina Silva mostrou os limites e as contradições da sua concepção de “desenvolvimento sustentável” que norteou suas posições e políticas adotadas durante a sua gestão no MMA.

Em algumas ocasiões, estivemos ao seu lado, como na luta contra a liberação dos transgênicos, na luta contra a importação de pneus e, mais recentemente, no combate à MP da grilagem. Além disso, seu papel na COP8 foi outro momento em que desempenhou um papel importante.

Mas em outros momentos, prevaleceu o conflito de posições. Enquanto nos solidarizávamos com D. Luiz Cappio, durante sua greve de fome contra as obras de transposição do rio S. Francisco, Marina Silva apoiou a transposição. E aos movimentos contrários à obra, afirmou que "nossa decisão não é a favor do governo ou dos movimentos. É uma decisão absolutamente técnica sobre um processo de licenciamento transcorrido com absoluta isenção e independência."

Quando eclodiu a greve contra a divisão do Ibama pelo MMA, nós estivemos do lado dos trabalhadores, enquanto a ministra Marina Silva mostrou-se irredutível, enfrentando mais de 6 mil trabalhadores e trabalhadoras de todo o país que denunciavam o desmonte do órgão pelo governo Lula e o MMA. João Paulo Ribeiro Capobianco, então secretário-executivo do Ministério afirmou: “É uma greve política: contra a decisão do presidente Lula e não tem base legal para ser mantida”.

No caso do Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira, inicialmente chegou a entrar em choque com um presidente Lula irritado pela morosidade no processo de licenciamento ambiental. Mas também acabou cedendo após algumas modificações no projeto:

“No início da discussão nós tínhamos um empreendimento que tinha a previsão de um lago oito vezes maior, três empreendimentos e feitura das eclusas para dar perenidade ao rio no processo de navegação", afirmou a então ministra do Meio Ambiente. É importante lembrar que até hoje os movimentos sociais lutam para impedir as obras.

Há uma idéia equivocada de que a concessão acelerada de licenças ambientais começou com o “carimbador maluco” Carlos Minc. O documento “Orientações estratégicas do MMA” para o Plano Plurianual 2008-2011, cuja versão final data de 17 de julho de 2007, quando Marina Silva ainda era Ministra, é bastante elucidativo. A quem puder baixar o documento disponível no site do MMA, sugerimos a leitura do objetivo setorial 2, que tem como nome “Aprimorar o licenciamento ambiental e desenvolver instrumentos de planejamento e gestão ambiental em apoio ao desenvolvimento sustentável”. Ali, podemos ler que “o Sistema de Licenciamento precisa atingir um novo patamar adequado para o atendimento às necessidades dos setores de infraestrutura da política de governo. Para tanto é necessário que se realizem aperfeiçoamentos para uma melhor sistematização de critérios e procedimentos operacionais e administrativos do licenciamento ambiental”. Engana-se quem pensar que o documento aponta para a necessidade de transparência, maior participação social ou critérios de avaliação mais adequados. Após vários parágrafos de considerações e de propostas, o documento apresenta os seguintes “Indicadores de Desempenho”:

“Tempo de análise para manifestação sobre os pedidos de licença ambiental:

٭ Tempo de análise para manifestação final sobre a viabilidade ambiental de empreendimentos/atividades menor ou igual a 1 ano, após a entrega do estudo ambiental pelo empreendedor;

٭ Tempo de análise para manifestação final, visando autorizar a implantação do empreendimento/atividade, menor ou igual a 6 meses, contado a partir da data do pedido da licença de instalação;

٭ Tempo de análise para manifestação final, visando o início da operação do empreendimento/atividade, menor ou igual a 4 meses, contado a partir da data do pedido de licença de operação.

- Implantação de 2 novos instrumentos de gestão ou de planejamento ambiental, de suporte ao licenciamento ambiental, em 4 anos.”

Como se vê, a preocupação real é a redução do tempo para a concessão de licenças ambientais. E não por acaso, as metas apontadas nos “Indicadores de desempenho” são semelhantes às sugeridas pelo Banco Mundial em seu relatório “Licenciamento de Usinas Hidroelétricas no Brasil”, encomendado à instituição pelo Ministério de Minas e Energia (disponível no site do Banco Mundial).

Há ainda casos paradigmáticos como a concessão de Licença Prévia (LP) à UHE de Tijuco Alto. Durante 20 anos os movimentos sociais do Vale do Ribeira conseguiram impedir a concessão da LP. Antonio Ermírio de Moraes obteve finalmente a LP, durante a gestão Marina Silva... Uma curiosidade: o presidente do Ibama era Basileu Margarido, que se filiou ao PV no mesmo dia que a senadora.

Como um último exemplo citaremos a Lei de Concessão de Florestas Públicas para exploração comercial sustentável. Um nome pomposo que poderia ser traduzido em aluguel de florestas públicas para a exploração insustentável com selo verde. O projeto original havia sido encaminhado ao Congresso Nacional no período final do governo FHC. Foi retirado de pauta logo após a eleição de Lula em 2002, não para ser engavetado definitivamente, mas para ser reciclado pela equipe do MMA sob o comando de Capobianco, tamebém filiado ao PV. A idéia de que a melhor forma de preservar as florestas é entregando-as para exploração comercial “sustentável” talvez seja a que melhor sintetiza a essência do “desenvolvimento sustentável”.

Aliás, uma das características já apontadas é a visão de que as questões ambientais se sobrepõem a interesses de classes. Isso se materializa na concepção de que os empresários são também “parceiros” na “gestão ambiental compartilhada”. A mesma lógica presente nas políticas do governo em outras áreas, foi aplicada e reproduzida por Marina Silva. Não por acaso no decorrer dos sete anos de governo Lula encontramos com freqüência logotipos de empresas como o Banco Mundial, BID, BNDES, Bradesco, Vale, Petrobras, Gerdau, Natura, entre tantas outras empresas, nos mais variados eventos, desde eventos oficiais, encontros e seminários da “sociedade civil” a eventos como o II Encontro dos Povos da Floresta.

Uma candidatura para enfrentar a “crise civilizatória” do capital

Se há um ponto importante de convergência com a senadora é a caracterização de que estamos diante de uma “crise civilizatória” que exige um novo “paradigma civilizatório”. Nada atesta com clareza esse fato do que a atual crise global que expõe, em seu caráter estrutural e multidimensional, as profundas contradições e disfunções sistêmicas do capitalismo. Este é o contexto em que ocorrerão as eleições de 2010. O debate sobre qualquer tema estará marcado por essa crise que, por suas características, obriga a todos apresentarem suas propostas de saída.

E aqui queremos ressaltar que o projeto de “desenvolvimento sustentável” é incapaz de apresentar uma proposta consistente, porque se situa nos marcos do capitalismo. Não rompe com o paradigma atual, mas busca apenas modificá-lo a partir da “transversalidade ambiental”. Essa concepção limitada também se revela na abordagem da crise. Segundo Marina Silva existem hoje duas crises, uma econômica e outra ambiental. Afirma que a solução para ambas é integrada, mas “a crise econômica não se resolverá sem que se solucione a crise ambiental”.

A crise atual não é uma simples crise de uma política econômica, que possa ser resolvida com uma gestão racional e sustentável da economia ou uma política econômica de inclusão social que leve em conta a “transversalidade” ambiental. Como afirmamos, esta crise do capital é estrutural, e a crise ambiental planetária é produto da lógica predatória e destrutiva desse mesmo sistema em crise. Nesse sentido, a senadora inverte as coisas. Na realidade, o correto é afirmar que não há solução da crise ambiental sem uma solução efetiva da crise capitalista. E esta solução só é possível com a substituição do capitalismo por uma sociedade de transição socialista na qual a dimensão ambiental não deverá ser uma simples “transversalidade”, mas ao lado da luta contra a exploração de classe e todas as formas de opressão, um dos valores e eixos políticos fundamentais que alicerçarão uma sociedade de justiça social e sustentabilidade ambiental

Não se trata de jogar a solução de todos os problemas para o futuro. Mas apontar e debater a nossa proposta de um novo paradigma civilizatório socialista, para que as lutas e propostas imediatas não se esgotem em si mesmas, mas sejam uma ponte para o futuro.

O PSOL tem um papel fundamental a cumprir em 2010, e este não poderá se limitar a apresentar propostas realizáveis nos marcos do capitalismo. Será um momento ímpar para que possa apresentar, ao lado de propostas imediatas voltadas para a classe trabalhadora e os pobres da cidade e do campo, a sua visão da crise e a necessidade de superação desta ordem, contrapondo-se às falsas soluções que apostam no fortalecimento do Estado para “defender” economias nacionais diante da crise.

Sabemos que existe uma forte pressão para evitar uma votação pífia que inviabilize a eleição de deputados do PSOL. É uma preocupação justa e um problema real a ser enfrentado. Mas só poderemos enfrentar esse desafio mantendo a nossa identidade socialista, evitando políticas de alianças que nos coloquem a reboque de propostas alheias aos interesses da classe trabalhadora. Que para isso sirvam as duras lições dos reveses sofridos nas eleições de 2008.

A nossa participação no processo eleitoral tem que se voltar para uma ampla disputa pela hegemonia, articulando propostas concretas voltadas para a classe trabalhadora e todos os setores explorados e oprimidos a um projeto estratégico anticapitalista, internacionalista e a partir de baixo.

O PSOL, Marina Silva e os movimentos socioambientais

Duas questões merecem ser respondidas ainda que brevemente. Primeiro, não haveriam convergências táticas que pudessem justificar uma aliança eleitoral com a candidatura Marina Silva? Segundo, uma aliança com Marina Silva não nos permitiria uma aproximação com militantes e ativistas de ONGs e movimentos que se caracterizam como ‘socioambientais’?

Sobre a primeira questão, é evidente que há convergências em torno de bandeiras e propostas. É possível e necessário construirmos a unidade de ação em torno delas. Como afirmamos antes, em muitas ocasiões a senadora assumiu posições que convergiram com as posições dos movimentos sociais e dos socialistas. Mas não estamos discutindo aqui ações imediatas e lutas cotidianas. Estamos falando de uma eleição presidencial, quando se coloca uma disputa de projetos políticos globais. Não se trata, repetimos, de adotar uma postura propagandística, e tampouco de negar questões imediatas e pontuais. Também concordamos que uma plataforma de governo não é e não pode ser a mesma coisa que o programa estratégico, devendo estar mediada pelas questões e tarefas imediatas. Entretanto, da mesma maneira não pode ser apenas um conjunto de medidas necessárias realizáveis. Deve expressar uma ponte entre as tarefas imediatas e mediatas, entre a tática e a estratégia, articulando a defesa de medidas imediatas e de cunho limitado com a defesa da ruptura com a ordem do capital como horizonte de superação radical dos problemas que atingem a classe trabalhadora, a população pobre e todos os setores explorados e oprimidos da sociedade.

A segunda questão é importante, pois Marina Silva já afirmou que pretende fazer alianças com movimentos sociais e ambientalistas. Certamente muitos ambientalistas e ativistas sociais serão atraídos para a sua campanha. Durante a campanha eleitoral a nossa relação com esses setores será, evidentemente, de disputa, mas ao mesmo tempo de debate franco e fraterno, o que significa adotar uma postura aberta e não sectária. Ademais, vale frisar que mesmo se uma aliança fosse feita, isso não garantiria nada. Ainda seria necessário estabelecer um debate em que nossos argumentos seriam expostos claramente e sem tergiversações.

O fundamental é que a campanha do PSOL deverá enfatizar os grandes desafios e problemas relacionados à sustentabilidade ambiental., apresentando um programa que contenha propostas concretas e, ao mesmo tempo aponte para o horizonte do ecossocialismo. É a construção desse programa que deve ser a prioridade neste momento, envolvendo o conjunto da militância.

Conclusão

Pensamos que qualquer discussão sobre uma eventual aliança com Marina Silva deve levar em conta todos esses aspectos. Mas não temos dúvida alguma de que a sua candidatura está distante da política do partido, das necessidades da população trabalhadora e da luta em defesa do meio ambiente. Apoiá-la não nos trará qualquer ganho. Pelo contrário, significará um retrocesso imenso com seqüelas que poderão colocar em risco o próprio projeto do PSOL.

Diante das tarefas que se colocam diante de nós, não temos dúvida de que a política correta é o resgate da proposta da “Frente de Esquerda” com o PSTU e o PCB. Lembremos que foi com essa frente que Heloisa Helena obteve quase 7% dos votos em 2006, quando as condições objetivas e subjetivas eram bem mais desfavoráveis.

Mas é fundamental garantir um debate sério para a elaboração de um programa radical e amplo ao mesmo tempo. A discussão em torno do nome deve ter como premissas a capacidade de representar esse projeto político e de dialogar com amplos setores da sociedade. No PSOL temos inúmeras pessoas representativas e aptas para realizá-la. Temos, por exemplo, um socialista e um lutador histórico como Plínio de Arruda Sampaio.


Fonte: Portal Revolutas.

sábado, 12 de setembro de 2009

QUEM PAGOU A CONTA?

Mal chegou às livrarias, o livro recém-lançado - Quem pagou a conta? A CIA na guerra fria da cultura - já se transformou na ‘gazua’ que os adversários dos tucanos e neoliberais de todos os matizes mais desejavam. Em mensagens distribuída, neste domingo, pela internet, já é possível perceber o ambiente de enfrentamento que precede as eleições do ano que vem.



A obra da pesquisadora inglesa Frances Stonor Saunders (editada no Brasil pela Record, tradução de Vera Ribeiro), ao mesmo tempo em que pergunta, responde: quem "pagava a conta" era a CIA, a mesma fonte que financiou os US$ 145 mil iniciais para a tentativa de dominação cultural e ideológica do Brasil, assim como os milhões de dólares que os procederam, todos entregues pela Fundação Ford a Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente do país no período de 1994 a 2002.


O comentário sobre o livro consta na coluna do jornalista Sebastião Nery, na edição deste sábado do diário carioca Tribuna da Imprensa. "Não dá para resumir em uma coluna de jornal um livro que é um terremoto. São 550 páginas documentadas, minuciosa e magistralmente escritas: "Consistente e fascinante" (The Washington Post). "Um livro que é uma martelada, e que estabelece em definitivo a verdade sobre as atividades da CIA" (Spectator). "Uma história crucial sobre as energias comprometedoras e sobre a manipulação de toda uma era muito recente" (The Times).


Dinheiro da CIA para FHC

"Numa noite de inverno do ano de 1969, nos escritórios da Fundação Ford, no Rio, Fernando Henrique teve uma conversa com Peter Bell, o representante da Fundação Ford no Brasil. Peter Bell se entusiasma e lhe oferece uma ajuda financeira de 145 mil dólares. Nasce o Cebrap". Esta história, assim aparentemente inocente, era a ponta de um iceberg. Está contada na página 154 do livro "Fernando Henrique Cardoso, o Brasil do possível", da jornalista francesa Brigitte Hersant Leoni (Editora Nova Fronteira, Rio, 1997, tradução de Dora Rocha). O "inverno do ano de 1969" era fevereiro de 69.


Fundação Ford

Há menos de 60 dias, em 13 de dezembro, a ditadura havia lançado o AI-5 e jogado o País no máximo do terror do golpe de 64, desde o início financiado, comandado e sustentado pelos Estados Unidos. Centenas de novas cassações e suspensões de direitos políticos estavam sendo assinadas. As prisões, lotadas. Até Juscelino e Lacerda tinham sido presos. E Fernando Henrique recebia da poderosa e notória Fundação Ford uma primeira parcela de 145 mil dólares para fundar o Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento). O total do financiamento nunca foi revelado. Na Universidade de São Paulo, sabia-se e se dizia que o compromisso final dos americanos era de 800 mil a um milhão de dólares.


Agente da CIA

Os americanos não estavam jogando dinheiro pela janela. Fernando Henrique já tinha serviços prestados. Eles sabiam em quem estavam aplicando sua grana. Com o economista chileno Faletto, Fernando Henrique havia acabado de lançar o livro "Dependência e desenvolvimento na América Latina", em que os dois defendiam a tese de que países em desenvolvimento ou mais atrasados poderiam desenvolver-se mantendo-se dependentes de outros países mais ricos. Como os Estados Unidos.


Montado na cobertura e no dinheiro dos gringos, Fernando Henrique logo se tornou uma "personalidade internacional" e passou a dar "aulas" e fazer "conferências" em universidades norte-americanas e européias. Era "um homem da Fundação Ford". E o que era a Fundação Ford? Uma agente da CIA, um dos braços da CIA, o serviço secreto dos EUA.


Milhões de dólares

1 - "A Fundação Farfield era uma fundação da CIA... As fundações autênticas, como a Ford, a Rockfeller, a Carnegie, eram consideradas o tipo melhor e mais plausível de disfarce para os financiamentos... permitiu que a CIA financiasse um leque aparentemente ilimitado de programas secretos de ação que afetavam grupos de jovens, sindicatos de trabalhadores, universidades, editoras e outras instituições privadas" (pág. 153).

2 - "O uso de fundações filantrópicas era a maneira mais conveniente de transferir grandes somas para projetos da CIA, sem alertar para sua origem. Em meados da década de 50, a intromissão no campo das fundações foi maciça..." (pág. 152). "A CIA e a Fundação Ford, entre outras agências, haviam montado e financiado um aparelho de intelectuais escolhidos por sua postura correta na guerra fria" (pág. 443).

3 - "A liberdade cultural não foi barata. A CIA bombeou dezenas de milhões de dólares... Ela funcionava, na verdade, como o ministério da Cultura dos Estados Unidos... com a organização sistemática de uma rede de grupos ou amigos, que trabalhavam de mãos dadas com a CIA, para proporcionar o financiamento de seus programas secretos" (pág. 147).


FHC facinho

4 - "Não conseguíamos gastar tudo. Lembro-me de ter encontrado o tesoureiro. Santo Deus, disse eu, como podemos gastar isso? Não havia limites, ninguém tinha que prestar contas. Era impressionante" (pág. 123).

5 - "Surgiu uma profusão de sucursais, não apenas na Europa (havia escritorios na Alemanha Ocidental, na Grã-Bretanha, na Suécia, na Dinamarca e na Islândia), mas também noutras regiões: no Japão, na Índia, na Argentina, no Chile, na Austrália, no Líbano, no México, no Peru, no Uruguai, na Colômbia, no Paquistão e no Brasil" (pág. 119).

6 - "A ajuda financeira teria de ser complementada por um programa concentrado de guerra cultural, numa das mais ambiciosas operações secretas da guerra fria: conquistar a intelectualidade ocidental para a proposta norte-americana" (pág. 45). Fernando Henrique foi facinho.


Fonte: Pravda