domingo, 22 de fevereiro de 2009

INJEÇÕES BILIONÁRIAS VÃO PIORAR A CRISE

O texto a seguir é um boletim do Laboratoire Européen d'Anticipation Politique (LEAP/E2020), uma organização multilateral com sede em Paris e que agrega economistas, escritores, cientistas sociais e artistas de várias partes do mundo. A leitura é importante, uma vez que trata-se dessa crise que vai atingir a todos, em todos os países, queiram ou não os neodesenvolvimentistas do PT. O texto confirma a gravidade que eu já havia anunciado aqui mesmo no blog e novamente contradiz o discurso de que "o pior já passou", adotado por alguns irresponsáveis desde o começo...




Início da Fase 5 da crise sistêmica mundial: o deslocamento geopolítico global

por GEAB [*]

Desde fevereiro de 2006 o Laboratório Europeu de Antecipação Política (LEAP/E2020) vem estimando que a crise sistêmica global se desencadearia dentro de quatro grandes fases estruturantes: desencadeamento, aceleração, impacto e decantação. Esse processo descreveu bem os acontecimentos até hoje, mas a partir de agora a nossa equipe considera que a incapacidade dos dirigentes mundiais em captar o alcance da crise, o que se manifesta pela sua obstinação, há mais de um ano, de remediar as suas consequências ao invés de atacar radicalmente as causas, fará com que a crise sistêmica mundial entre em uma quinta fase a partir do quarto trimestre de 2009: a fase do deslocamento geopolítico global.

De acordo com o LEAP/E2020 esta nova fase da crise será caracterizada por dois importantes fenômenos que, por sua vez, assentarão os acontecimentos em duas sequências básicas e paralelas:

A. Os 2 importantes fenómenos:

1. O desaparecimento do lastro financeiro (dólares + dívidas) do conjunto do planeta

2. A fragmentação acelerada dos interesses dos principais atores do sistema global e dos grandes sistemas mundiais

B. As 2 sequências paralelas:

1. A decomposição rápida do conjunto do sistema internacional atual.

2. O deslocamento estratégico dos grandes atores globais.

Nós esperávamos que a fase de decantação permitiria aos dirigentes do mundo inteiro compreender as consequências do naufrágio do sistema que organiza o planeta desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Infelizmente, nesta etapa já não podemos ser otimistas quanto a isso [1] . Tanto nos Estados Unidos como na Europa, na China ou no Japão, os dirigentes persistem em atuar como se o sistema global vigente fosse vítima apenas de uma avaria passageira, à qual bastaria acrescentar uma certa quantidade de “injeções” (liquidez) e outros ingredientes (redução de taxas, compras de ativos tóxicos, planos de relançamento das indústrias em quase falência...) para fazer com que a máquina andasse outra vez. Ora - e este é exatamente o sentido da expressão “crise sistémica global” criada pelo LEAP/E2020 em fevereiro de 2006 - o sistema global vigente está inutilizado. É preciso reconstruir um sistema novo ao invés de se teimar em salvar o que já não pode mais ser salvo.

Como a História não é particularmente paciente, essa quinta fase da crise irá portanto iniciar esse processo de reconstrução, mas de forma brutal, começando pelo deslocamento completo do sistema atual. E as duas consequências paralelas, descritas neste GEAB Nº 32, que vão organizar os acontecimentos, prometem ser particularmente trágicas para vários grandes atores mundiais.

Segundo o LEAP/E2020 não resta senão uma pequena fresta para tentar evitar o pior, a saber, os próximos quatro meses, daqui até o verão de 2009. Mais concretamente, a Cúpula do G-20 em abril de 2009 é a última oportunidade para reorientar de forma construtiva as forças em ação, quer dizer, antes que se inicie a sequência de paralisação dos pagamentos do Reino Unido, depois dos Estados Unidos [2]. Se não o fizerem será pior, pois eles perderão todo o controle sobre os acontecimentos [3] e inclusive para numerosos deles nos seus próprios países, enquanto o planeta inteiro entrará na fase de deslocamento geopolítico como se fosse um “barco à deriva”. No final dessa fase de deslocamento o mundo poderá ser parecido mais com a Europa de 1913 do que com o planeta de 2007.

Isso se debe ao fato de que, no desespero para tentar arcar sobre as suas costas o peso cada vez maior da crise em curso, a maior parte dos Estados afetados, especialmente os mais poderosos, não se deram conta de que estavam organizando o seu próprio esmagamento sob o peso da História, esquecendo que não eram senão construções humanas, que não sobreviviam senão porque o interesse da maioria assim o permitia. Neste número 32 do GEAB, o LEAP/E2020 optou, portanto, por antecipar as consequências desta fase de deslocamento geopolítico sobre os Estados Unidos e a UE.

Este é o momento, tanto para as pessoas quanto para os atores socioeconômicos, de se prepararem para enfrentar um período muito difícil que afetará vastos setores das nossas sociedades, tais como são conhecidos hoje [4], até ao ponto de alguns simplesmente desaparecerem por algum tempo ou - em certos casos - definitivamente. Assim, a ruptura do sistema monetário mundial no decorrer do verão de 2009 vai não só implicar em um afundamento do dólar dos EUA (e do valor de todos os ativos denominados em USD), como vai também induzir por contágio psicológico uma perda de confiança generalizada nas moedas fiduciárias. É a tudo isto que se referem as recomendações deste GEAB Nº 32.

Last but not least, de agora em diante a nossa equipe considera que as entidades políticas [5] mais monolíticas, mais "imperiais", serão as mais gravemente abaladas no decurso desta quinta fase da crise. O deslocamento geopolítico vai assim aplicar-se a Estados que vão experimentar uma verdadeira mudança estratégica, colocando em xeque a sua integridade territorial e o conjunto das suas zonas de influência no mundo. Outros Estados, em consequência, serão projetados brutalmente para fora de situações protegidas e conhecidas, mergulhando em caos regionais.

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Notas:

(1) Barack Obama, assim como Nicolas Sarkozy ou Gordon Brown, passam o tempo invocando a dimensão histórica da crise a fim de melhor ocultar a incompreensão da sua natureza e tentar livrar-se previamente da responsabilidade pelo fracasso das suas políticas. Quanto aos outros, preferem persuadir-se que tudo isso será ajustado como um problema técnico um pouco mais grave que de costume. E todo esse pequeno mundo continua a jogar conforme as regras que conhecem há décadas, sem perceber que todo o jogo está prestes a desaparecer diante dos seus olhos.

(2) Ver edições anteriores do GEAB (disponíveis em Resistir.info).

(3) De fato é mesmo provável que o G-20 tenha crescentes dificuldades para simplesmente reunir seus membros em um cenário onde é “cada um por si”.

(4) Fonte: New York Times, 14/02/2009

(5) Isso é válido também para empresas.


[*] Global Europe Anticipation Bulletin.

Para ver os boletins anteriores (disponíveis em francês, espanhol, alemão e inglês) clique aqui.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

ETNOCENTRISMO

Texto da jovem estudante Ana Horta, adolescente portuguesa que cursa o 10º ano (equivalente ao nosso 2º ano do Ensino Médio).


O etnocentrismo é a atitude pela qual um indivíduo ou um grupo social, que se considera o sistema de referência, julga outros indivíduos ou grupos à luz dos seus próprios valores. Ele pressupõe que o indivíduo ou grupo de referência se considere superior àqueles que julga, e também que o indivíduo, ou grupo etnocêntrico, tenha um conhecimento muito limitado dos outros, mesmo que viva na sua proximidade.


O termo etnocentrismo foi utilizado pela primeira vez por W. G. Sumner (1906), e corresponde à atitude pela qual os hábitos ou comportamentos próprios são acriticamente encarados como sendo indiscutivelmente superiores aos hábitos ou comportamentos de outrém.

É a atitude pela qual um indivíduo ou um grupo toma como referência os valores partilhados no seu próprio grupo, quando avalia os mais variados assuntos. É uma atitude que encara o próprio grupo como se fosse o centro da realidade.

O termo é também utilizado para criticar os cientistas sociais que apresentam visões acusadas de estreitas e preconceituosas acerca dos grupos ou sociedades estudados. Assim, como exemplo temos o regime Nazista, que acreditava na sua supremacia e que deveria existir apenas uma única raça, a ariana. As pessoas que não correspondiam à definição da constituição física desta raça eram executadas.


Fonte: Site NotaPositiva, que disponibiliza na internet as melhores redações de estudantes portugueses, a custo zero, como reconhecimento pelo empenho em pesquisa e elaboração de textos.


Para baixar (em pdf) um estudo acadêmico sobre o tema clique aqui.

Para ler (em pdf) o livro cuja capa ilustra a postagem clique aqui.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

O COURO QUE NÃO DEU NO COURO

“Amazônia 20º andar” é mais uma história do jornalista Guilherme Fiuza sobre gente que todo mundo acha que conhece, até aprender, em livros que parecem de ficção, que suas vidas não cabem no cotidiano de um repórter.

Fiuza já virou pelo avesso a típica figura do traficante carioca, tirando-o do tiroteio nas favelas para um apartamento da Zona Sul em “Meu nome não é Johnny”. Agora, recruta nas melhores famílias da cidade os empresários João Augusto Fortes e Beatriz Saldanha para estrelar uma saga acreana nos seringais do Juruá, entre índios sedutores, viagens de canoa ou ayahuasca, pajés taumatúrgicos, intervenções miraculosas de São Raimundo Nonato em execuções sumárias e antropólogos que parecem formados na escola de Indiana Jones.

Parece mentira. Mas o fato é que João Augusto e Beatriz puseram de pé, nos anos 1990, um projeto visionário de salvar a floresta pela exportação de couro vegetal – uma liga artesanal de pano rústico com látex que, industrializada numa reserva extrativista com quase um milhão de hectares, saiu dos ombros de seringueiros no coração da selva para as vitrines da casa Hermès ao redor do mundo. Destinava-se a provar que a floresta é, em si, um grande negócio.

Enquanto deu certo, o produto foi parar em bolsas Hermès de quase dois mil euros. Quando deu errado, os artigos da linha Amazonia desbotaram nas mãos de consumidores japoneses e a firma cancelou abruptamente os pedidos, em 2002, temendo que o produto manchasse a reputação marca.

E os dois visionários do couro vegetal faliram no Rio de Janeiro. Beatriz Saldanha, a Bia da butique Cores Vivas em Ipanema, descobriu um dia, na boca do caixa, que não tinha mais sequer sua conta bancária. João Augusto, diretor da João Fortes Engenharia, que seu pai transformara num império da construção civil no Rio de Janeiro, foi morar numa casa de vila operária no bairro do Jardim Botânico. Mas isso é um resumo bruto das aventuras que eles viveram e, em parte, continuam vivendo.

Para chegar ao couro vegetal – ora como sócios, ora cada um por sua conta – eles entraram de cabeça nas grandes utopias que animaram o Brasil na década de 1980, com o país recém-saído do regime militar. Marcharam contra o desmatamento da Amazônia ao lado de Chico Mendes no calçadão do Leblon. Arrebanharam a multidão que abraçou a Lagoa Rodrigo de Freitas, uma inesquecível coreografia da força popular que deveria levar, mas não levou, o candidato Fernando Gabeira ao governo do estado. E trouxeram o Dalai Lama para a Eco-92. Foi há pouco tempo. Mas o Brasil daquela época parecia séculos mais jovem que o de hoje.

Tudo isso cabe na parte do livro que termina antes da página 30. A aventura propriamente dita vem depois, quando a dupla mergulha fundo na Amazônia, como personagens de um romance de Joseph Conrad procurando seus próprios limites nos confins da África. No caminho, percorrem fronteiras que parecem ficar muito além do Brasil – onde o Brasil, na prática, vai “mais ou menos até ali na Praia do Mu”, como esclarece, lá pelas tantas, o cacique Txai Macedo.

No fim, onde o país aparece ao vivo e sem cores de urucum, o livro revela o jornalista, por trás do roteirista de cinema. Aí se entende que os índios Yawananuá, por obra e graça do cacique Biraci, entregaram a um concorrente as encomendas pagas por Bia e João Augusto. Que o presidente do BNDES prometeu dar toda força ao projeto numa hora em que o banco já estava pronto para executar sua dívida. Ou que um marqueteiro promoveu o lançamento suntuoso do couro vegetal numa feira de Milão para vender, ao todo, seis peças. Em outras palavras, por que a realidade não deixa as boas intenções frutificarem na floresta amazônica.


Fonte: revista virtual O ECO. O texto foi publicado originalmente com o título "Amazônia versus boas intenções".

A foto mostra algumas bolsas feitas com couro vegetal - antes do desbotamento, claro.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

O CAPITAL NÃO SOBREVIVE AO SEU PRÓPRIO SUCESSO

Entrevista de Francisco Alambert (foto) a Régis Bonvicino.

Alambert, um dos mais importantes intelectuais brasileiros vivos, é professor titular de História da Universidade de São Paulo e Conselheiro do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo.

Entre seus livros, destacam-se A Semana de 22/A Aventura Modernista no Brasil, Dom Pedro I/O Imperador Cordial e Bienais de São Paulo, Memórias. Opera na confluência entre história e arte, o que confere um sentido singular ao seu trabalho, enriquecendo as duas áreas.

Nessa entrevista ele discorre sobre a depressão econômica e suas consequências, defende Cuba, como um país de carências e não de miséria, reflete sobre Hugo Chávez, e sobre a morte do senso crítico na crítica – de um modo geral – na mídia e na arte. É contundente ao afirmar que “não há maneira de o capitalismo sobreviver ao seu próprio sucesso”. E conclui que “o mercado precisa de Viagra”.


RÉGIS BONVICINO: A globalização econômica começou com Richard Nixon, nos anos 1970, por meio da desregulamentação do sistema de vigilância dos bancos (de varejo e de investimentos) e da ascensão das bolsas de valores, como forma de captação de recursos para as empresas e como forma de enriquecimento de acionistas minoritários e majoritários. O cidadão tornou-se consumidor e investidor. A maioria da população ficou desfalcada de seus direitos. Nos anos 1990, o processo intensificou-se com a difusão em massa das novas tecnologias, entre elas, a internet, e a produção dos bens se desnacionalizou. Surgiu a China, com remuneração de US$1 ao dia para os trabalhadores. As corporações produzem seus produtos em vários países do mundo, para “enxugar” custos e aumentar lucros – eliminando direitos do trabalho. Você acredita que – diante de um quadro generalizado como esse – é possível regulamentar o sistema financeiro e igualmente o de produção industrial? Qual seria o novo modelo?

FRANCISCO ALAMBERT: Em uma notinha de pé de página de seu livro genial e incrivelmente atual, O colapso da modernização, Robert Kurz resumiu essa situação, que você sintetiza tão bem, nos termos da economia política marxiana: “Quando um especulador, com os ganhos obtidos pela especulação que para ele são absolutamente reais, sendo porém fictícios do ponto de vista da reprodução social do capital, dá-se ao luxo de comprar um Mercedes-Benz, a produção aparentemente muito real deste automóvel não possui, na verdade, nenhum fundamento de capacidade aquisitiva produtiva”.

Em escala maior, internacional, dá-se o mesmo, e por isso não se pode já há muito separar o setor especulativo da suposta acumulação real, como diz Kurz. Ainda na década de 1980, a Siemens foi ironicamente apelidada de “banco com um departamento elétrico conectado”. Quando a General Motors e suas afiliadas entram em crise, isso não é por “acaso”, mas porque todos os balanços da indústria automobilística foram “retocados” pelos seus respectivos bancos. Os desequilíbrios dos tais balaços derivam da participação dessas indústrias na economia das bolhas financeiras e do capitalismo-cassino.

Ou seja, não dá para “regulamentar” nada. Como parece que também não dá para voltar para o antigo fordismo, para o Estado de Bem Estar Social, e o desenvolvimentismo é um negócio que tem hora para acabar, não há maneira do capitalismo sobreviver ao seu próprio sucesso. Gostaria de gritar “socialismo ou barbárie”, mas o pudor me impede.


O rosto sem vergonha da ideologia

O fato mais notável hoje em dia é que a ideologia mostra seu rosto sem vergonha e que os espaços entre as “crises” são cada vez menores. Recentemente, discuti com meus alunos o primeiro documentário em longa-metragem de Michael Moore, Roger e eu, de 1989. É genial. Ele mostra como a decisão de fechar as fábricas da General Motors na cidade industrial de Flint para reabri-las no México, onde os trabalhadores ganhariam centavos por hora (é isso a globalização, não?), transformou a cidade, outrora progressista, em um território de barbárie social e de delírio coletivo, buscando maneiras amalucadas para tentar sair do desastre.

Os capitalistas justificavam o “sacrifício” afirmando que tudo isso era necessário para a “saúde” da empresa, que o futuro prometia dias melhores, pois agir daquela maneira era parte da natureza do capital e que tudo se acertaria porque ele voltaria mais forte no futuro (usando as metáforas grotescas que os economistas gostam, era aquela coisa de dizer que o “remédio é amargo”, mas é assim que se trata de uma doença etc.).

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Sede da General Motors
Sede da General Motors

Hoje, vinte anos depois, a General Motors está falida, e com a cara de pau que o diabo lhes deu, industriais, investidores, economistas e jornalistas pós-modernos estão clamando pelo dinheiro do Estado para lhes salvar do fiasco que eles criaram. Portanto, toda aquela destruição não teve sentido algum.

Era apenas uma mentira de pernas curtas, que pode inverter os sinais sem vergonha nenhuma (antes: “o Estado não pode interferir”; agora: o Estado tem que interferir). Em sentido rigoroso, era mera “ideologia”. Só não vê quem não quer.



O mercado precisa de Viagra

RÉGIS BONVICINO: A intervenção recente dos governos nacionais para salvar os bancos europeus significa o fim da “utopia de mercado”, acirrada por Margareth Thatcher e Ronald Reagan? O que foi feito agora, pelos mesmos governos, para ajudar os cidadãos? Há perspectiva de reformas tributárias para aumentar a liquidez (salário) do trabalhador ou insistir-se-á na fórmula da globalização “salário congelado/crédito fácil”?

FRANCISCO ALAMBERT: Infelizmente, não creio que seja o fim dessa “utopia” distópica e despótica. Ela vai hibernar um pouquinho. Aliás, já estava hibernando desde antes da crise. Mesmo os governos de direita, majoritários na Europa até em países onde isso parecia inimaginável (como Dinamarca, Holanda etc.), já haviam recuado em relação às privatizações, às desregulamentações do mercado acionário ou dos diretos trabalhistas. Todos neoliberais, mas bem menos xiitas do que eram há cerca de uma década.

É claro, a eleição na América Latina de grupos de “esquerda” também é parte disso. A crise, ou seja, o estouro dos golpes que o mercado inventou amparado pelos Estados neoliberais, é a pá de cal. Agora, o que tem que acontecer é se fingir de morto e chorar para que o Estado “nos salve” da tragédia. E, claro, é necessário convencer todo mundo que a crise é “parte do jogo”, que a gente sai mais forte do que entrou, que ninguém tem culpa, a vida é assim mesmo, uns dias pra cima, outros pra baixo, que o mercado é um bichinho temperamental, que só precisa de calmante ou de Viagra para voltar forte e vistoso como dantes.

Ou seja, é preciso que se crie, que se invente explicações psicologizantes para convencer as pessoas da “necessidade” de se abrir mão do dinheiro público para salvar banqueiros e empresários, incompetentes (pois deixaram a crise explodir), malucos (porque arriscaram demais) ou meramente corruptos (porque sabem que podem contar com o Estado nacional para que financie e banque os gastos de sua pilhagem).

Nada é feito para o “cidadão”, como você diz, mas apenas para o consumidor. Não se ajudam pessoas, mas agentes monetários. Um exemplo: calcula-se (estou me baseando em uma matéria do Estadão, e não de um jornal de “esquerda”) que já tenham sido jogados no mercado, pelas dezenas de países com seus planos para salvar o sistema, cerca de 7 trilhões de dólares (alguns falam em quase 10 trilhões). Pois a ONU lançou uma nota lembrando que há anos pede menos de 1% disso para simplesmente tirar mais de 30 milhões de pessoas da fome na África.

A hipocrisia e o cinismo estão no poder, e isso não é de hoje (uma vez que não haja mais a fantasmagoria do “comunismo”, nem sequer “socialismo” seja um termo que tenha algum glamour, não há o que temer e tudo é permitido). Eles só poderiam sair do poder se houvesse forças sociais suficientes para impor uma alternativa (como outrora foi o socialismo). Forças que pressionassem, boicotassem, chocassem o sistema. Como isso não parece existir, como “tá tudo dominado” e o conformismo e o cinismo são o sal da nossa terra, o terrorismo econômico tende a voltar. Isso, é claro, se a crise não for muito profunda, não for um tsunami sistêmico. Porque aí seria o caos, e o que sucede ao caos, ninguém pode saber. No passado, o caos sistêmico gerou a Segunda Guerra Mundial…

RÉGIS BONVICINO: Penso que as leis europeias que condicionam ou proíbem a imigração visam mais a arrochar salários de velhos e novos imigrantes do que a impedir a entrada de mão-de-obra. Você concorda com essa afirmação?

FRANCISCO ALAMBERT: Concordo. Em primeiro lugar, a globalização neoliberal começou justamente arrochando os trabalhadores ingleses e norte-americanos (como mostra o filme de Michael Moore) e semiescravizando os trabalhadores outrora inúteis da periferia do sistema.

A grande ação bélica de Thatcher-Reagan foi “quebrar” o poder dos sindicatos. Desde então, é decisivo que o capitalismo mais “produtivo” seja exatamente aquele menos “produtivo” ou que precise de cada vez menos trabalho dentro de suas fronteiras nacionais ou de sua área de atuação legal. A sede da especulação, da direção, o marketing etc. podem ficar nos Estados Unidos, mas o trabalhador (hiperexplorado) fica na China ou na Tailândia, ou onde mais escravos produtivos houver (e desde que o Estado Nacional dê uma “força”, com isenção de impostos, corrupção, vista grossa para escravidão etc., essas coisas do gerenciamento moderno).

Assim o saldo é o seguinte: o trabalhador do “novo mundo” ganha uma miséria e não pode ir para o “primeiro mundo” porque os mercados só estão de fato abertos para o capital especulativo (e se ele fosse, aumentaria o preço do trabalhador lá na miséria e diminuiria ainda mais o do trabalhador dos países ricos).

Os que estão fora desse esquema, ou aqueles que forçam a barra e emigram, se tornam aquilo que o filósofo italiano Giorgio Aganbem chamou de “homo sacer”, ou seja, pessoas sacrificáveis, “matáveis”, com as quais qualquer coisa pode acontecer, tudo é permitido e nada configura crime algum. Para os excluídos, o campo de concentração: favelas, as cidades africanas, as cidades da fronteira dos Estados Unidos com o México, as pessoas da faixa de Gaza, qualquer um em qualquer aeroporto do mundo… Logo que o Muro do comunismo caiu, o capitalismo passou a levantar seus muros… literalmente!


O progresso não tem mais futuro

RÉGIS BONVICINO: Não há dúvida de que a questão ecológica é a prioridade. Os governos brasileiros descuidam dela e o desmatamento da Amazônia e de outras florestas, como a Mata Atlântica, são eventos gravíssimos. Espanha e Portugal são os maiores poluidores da Europa ocidental. A China é a maior poluidora do mundo ao lado dos Estados Unidos. Bill Clinton afirmou recentemente que só a transformação das florestas em ativos financeiros, que deem lucro de algum modo, vai solucionar essa questão. Você concorda com ele? Quais seriam as outras alternativas?

FRANCISCO ALAMBERT: Literalmente, é como culpar as árvores pelo incêndio na floresta… É o capitalismo transnacional, são os “ativos financeiros”, entregues à sanha da banca, que promovem a destruição selvagem. Como poderia ser uma solução entregar o galinheiro aos lobos?

O fato é que o “progresso” não tem mais futuro. Seu impulso teria que ser invertido e redimensionado pelas forças sociais militantes e conscientes, se é que isso ainda é possível. Eu não sei a receita e acho que ninguém sabe. Só o movimento coletivo pode imaginar um outro mundo.

Mas veja os exemplos que você cita: Portugal e Espanha são as meninas dos olhos do desenvolvimento retardatário na Europa (lugar de trabalhadores baratos, lugar dos “serviços”, do turismo etc.); e a China é a pátria do modo de produção de mercadorias para o mundo que pode comprar. São países que, do “alto” de seu atraso econômico, se adiantam na corrida rumo ao abismo (financeiro, ecológico etc.), que é o lugar para onde o capitalismo contemporâneo parece nos guiar.


A “globalização benéfica”

RÉGIS BONVICINO: Como você vê a equipe de Barack Obama? Acredita nele? Como percebe a crise ou depressão dos Estados Unidos?

FRANCISCO ALAMBERT: Estamos falando sob o impacto da primeira grande denúncia que serve de aperitivo para o que virá. Me refiro ao caso do governador de Illinois, que estaria leiloando a vaga de Obama no Senado. Há uma luta política lá, como aqui (o governo Lula é sempre denunciado por aqueles com os quais ele está de acordo economicamente, mas que representam outros interesses da pequena política local). Acho o que todo mundo acha, com toda a ingenuidade e crendice que todos temos.

É uma maravilha um negro chegar à presidência (pouco mais de quarenta anos depois do fim do aparthaid deles), ele é um orador extraordinário etc. O discurso daquele pastor negro no dia da posse foi uma das coisas mais emocionantes que ouvi nos últimos tempos (com todas as metáforas e aliterações voltadas aos anos 1960).

Mas o ministério clintoniano revela o desejo de se voltar à fase ilusória da “globalização benéfica”. Um casamento perfeito para o momento: Obama tem a “moral” para promover a avalanche de dinheiro público para pagar as contas dos capitalistas especuladores.

Assim, o Estado vem para salvar aqueles que o dilapidavam enquanto juravam que dessa forma iriam salvar o mundo e nos lançar ao espetáculo da riqueza e do crescimento contínuo. Pronto o esquema, todos salvos, a bandidagem pode recomeçar sem perda nenhuma. Um cenário pessimista e bem possível, não? Assim, Obama seria a pessoa certa, no lugar certo e com uma tremenda legitimidade para salvar o sistema (quero dizer: dar-lhe sobrevida).

RÉGIS BONVICINO: Como você vê a América Latina em termos de comércio e o Brasil em particular? Pensa que Hugo Chávez é realmente ameaça? Neste sentido, acha que Cuba tem saída, haja vista sua pobreza extrema e a longevidade dos Castro?

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Hugo Chávez
Hugo Chávez
FRANCISCO ALAMBERT: Quanto a Cuba, ela de fato não tem saída. Não sou o maior entusiasta do mundo em relação ao castrismo, mas creio que Cuba apresentou formas de organização que podiam servir de modelo para o tempo em que a América Latina podia ter uma saída para encontrar a si mesma fora da prisão do capitalismo selvagem. Não vejo pobreza extrema em Cuba, mas sim carências extremas.

Pobreza extrema há no Brasil, na Nigéria e até mesmo nos Estados Unidos (já reparou que os dados sobre a terrível distribuição de renda dos Estados Unidos, os milhões que vivem na miséria e sem amparo social algum, como saúde e educação, são no máximo notinhas que aparecem em jornais e ninguém se lembra de analisar?). E, claro, também na Venezuela!

Hugo Chávez é fruto de uma sociedade grotesca, que tem uma pequena elite ligada ao petróleo muito rica (golpista e corrupta) e uma massa de milhões de pobres e desocupados. Um país praticamente sem indústrias nacionais, sem empregos, sem classe média. Os ridículos de Chávez já são suficientemente salientados pelos críticos blasés e alienados.

O que há de mais interessante lá é uma organização popular, que troca ideias, bens e pensa alternativas. Foram essas associações que evitaram o golpe contra Chávez e que lhe garantem as sucessivas vitórias eleitorais. Gostem ou não, os programas sociais de Chávez são inovadores, e ele ainda pode exportar gás e petróleo subsidiado para aquecer os lares das famílias pobres… dos Estados Unidos!


O sucesso de Machado de Assis

RÉGIS BONVICINO: Somos 250 milhões de falantes nativos do português – número superior ao de falantes do italiano, do francês, do japonês. Por que a língua não se internacionaliza?

FRANCISCO ALAMBERT: Bom, quase 200 milhões estão no Brasil, não é? A internacionalização da língua portuguesa depende da capacidade do Brasil se destacar como interesse pelo resto do mundo. Acho curioso que a língua portuguesa seja tão maltratada em Portugal. Eles me parecem estar cada vez mais “engolindo” sílabas, enrolando a pronúncia. Acho que agora que eles estão na Europa, estão querendo falar outra língua. E os países lusófonos africanos estão entre os mais miseráveis ou os mais explorados (veja a situação de Angola, que andou tendo crescimento de mais de 20% ao ano, por causa do petróleo, e que vive um aparthaid social escabroso). Acho que eles vão acabar falando o inglês que as ONG’s ensinam. Serão miseráveis e globais.

Dito isto, acho também interessante o fato de cada vez mais conhecer estudantes, especialmente dos Estados Unidos, que querem discutir a cultura brasileira, a língua, o sucesso repentino de Machado de Assis por aí etc. Há algo do Brasil que intriga o mundo. O que é triste é que o termo-chave para se definir o estado socioeconômico do mundo que estamos discutindo seja justamente (e por bons motivos) “brasilianização”.


Caetano: sumo sacerdote da “indústria”

RÉGIS BONVICINO: Há um esvaziamento da crítica em termos de análise nos jornais impressos e nos portais (TV nunca foi crítica no Brasil). Há também perda de sentido crítico na universidade. Como você vê essa questão, se concorda com ela? A que atribui esse esvaziamento da crítica? Estaria relacionado com à desregulamentação dos mercados e a “utopia do laissez-faire”, após o fim da União Soviética?

FRANCISCO ALAMBERT: Sua pergunta e a minha resposta serão facilmente acusadas de marxismo vulgar (eu, de minha parte, me sinto muito confortável com a acusação). O fim da crítica é a vitória da Indústria Cultural, que vive uma nova fase ainda mais selvagem. Você escreveu recentemente que um dos fenômenos mais interessantes do nosso tempo é o fato de a Indústria Cultural ter piorado muito. É verdade.


Thelonious Monk
Thelonious Monk
Hoje, ler o que Adorno escreveu sobre o jazz, nos anos 1950 e 1960, é hilariante e chocante ao mesmo tempo. Tenho várias reservas quanto à crítica adorniana ao jazz, mas é certo que mesmo que ele estivesse falando da música mais ligeira e imbecil (e talvez não de Thelonious Monk ou Charlie Parker), a decadência da cultura de massa é assustadora. O abismo que separa o jazz dos anos 1950 do mundo de Madonna (que você e eu detestamos) é surpreendente.

No filme de Michael Moore, quanto mais os habitantes de Flint se desesperavam, mais se entregavam à uma rotina “cultural” debiloide e histérica.

Acho que a Indústria Cultural Selvagem antecipou e condicionou a era do Capitalismo Selvagem. Como percebeu Fredric Jameson, no mundo “pós-moderno” cultura é economia, e vice-versa. E nessa nova etapa, a crítica, a não ser que seja raivosamente conservadora, é impertinente e indesejável. O negócio é jornalista “cobrindo” a “matéria”, indicando com quem o “consumidor” deve fazer seu pacto de fanatismo, o curador organizando e mediando o interesse do patrocinador com o público “consumidor de arte” etc.

A crítica era o diálogo, parcial, apaixonado, político (Baudelaire) e contra o ecletismo (Mário Pedrosa), da cultura com a ciência, com a técnica e com a filosofia, buscando desentranhar os caminhos de um novo mundo. Quando não há outro mundo possível ou desejado, não se precisa mais de críticos, só de comentaristas do sistema.

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Caetano Veloso
Caetano Veloso
No caso específico do Brasil há ainda uma outra questão que não dá para desenvolver aqui. Penso na vitória do que chamo de “razão tropicalista”, da qual Caetano é o sumo sacerdote, baseada na indistinção, na despolitização, na eterna glorificação de tudo o que a Indústria impõe como norma. Um oba-oba sempre despolitizado, sempre up to date e sempre ao lado do vencedor.

E quanto à crítica universitária, ela passou as últimas décadas tentando “desconstruir” as “grandes narrativas” (traduzindo: a psicanálise e a economia política marxista), refestelando-se em Derridas e Deleuzes. Não havia meio, ou bolsas de estudo, que a fizesse olhar para a realidade, que, aliás, não existia. Agora, quando o muro da economia pós-moderna desaba, eles só têm uma coisa a fazer: continuar a delirar.

Recentemente li um ensaio de um “filósofo” espanhol no El Pais, deliciosamente hilário, no qual o sujeito jurava que a crise das bolsas era a prova de que tudo era misterioso, que nada podia ser previsto, que o mundo é por demais “complexo” para ser “narrado” etc. etc…


Só me interessa aquilo que nega

RÉGIS BONVICINO: Como você analisa o regime chinês com trabalho de baixíssimo custo, repressão, devastação ecológica. Esse é o fim do comunismo?

FRANCISCO ALAMBERT: Vou me servir do Robert Kurz mais uma vez. O comunismo soviético ou chinês não é outra coisa senão um processo acelerado de criação de desenvolvimento capitalista em circunstância de atraso. O sovietismo percorreu em velocidade atômica o caminho que o capitalismo europeu e norte-americano percorreu a passo de tartaruga: do superdesenvolvimento ao colapso. O caminho da China deve ser esse também.

RÉGIS BONVICINO: Houve uma queda vertiginosa da qualidade da arte, que se tornou mais oficial e mais leve. A que você atribui isso – se concorda?

FRANCISCO ALAMBERT: Ah, agora entramos no assunto de que eu gosto! Sou um historiador da arte e da cultura! Mas é o de que menos falarei agora. A arte e a cultura livres e criativas dependem da existência do horizonte utópico da transformação do mundo e da cultura. Por isso, todos nós (e até você, como poeta) estamos obrigados a entender o mundo que perdemos todos os dias. Somos obrigados a pensar, estudar, falar, de economia, política externa, luta de classes (sim!), história, enfim. Mesmo no que isso tem de insuportável.

Para entender os caminhos e descaminhos da criação nas condições contemporâneas, todos temos que ser críticos e cientistas sociais, mas temos sobretudo que pensar pelo negativo. Só me interesso por aquilo que nega; ou por aquilo que nega insistindo na permanência, como certas tendências da arte de vanguarda ou do pensamento marxista. A distopia, desde fins dos anos 1970 pelo menos, emparedou a arte, lutando para que ela não tivesse aquela propriedade que Mário Pedrosa definiu tão bem: um exercício experimental da liberdade.

Mas a dissolução, o desmanche, agora do mundo vitorioso (o do capitalismo liberal e de sua sociedade de consumo, de massa e de espetáculo) tem aberto novas portas. A tal “desmaterialização da arte” talvez encontre agora um sentido novo e mais produtivo. Em outros campos, a crise, por exemplo, viabiliza os grupos de teatro independente aqui de São Paulo, as brigadas de cultura do MST, a produção de artistas do “Mercado” que podem se sentir progressivamente mais livres para experimentar e criar contra o mundo que os abandona (e que antes os tratava como commodities lucrativas ou como animadores de festas). Da adversidade vivemos, dizia Oiticica. Estava certo ele. A história não acabou.


Fonte: Último Segundo.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

A TEORIA DO VALOR-TRABALHO E SUAS "REFUTAÇÕES"

O artigo a seguir é do professor Cláudio Gontijo, que possui graduação em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais (1977), mestrado em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas (1978) e doutorado em Economia pela New School for Social Research (1991), EUA.

Gontijo é professor-adjunto da Faculdade de Ciências Econômicas e professor da FEAD-Minas. Suas pesquisas têm ênfase em Economia Política, Macroeconomia e Teoria Monetária e Financeira, atuando principalmente nos seguintes temas: política macroeconômica, inflação, economia brasileira, política de estabilização e valor e distribuição.



Esse artigo procura demonstrar que, apesar dos erros de Marx, a lei do valor possui caráter axiomático e representa fundamento necessário para o sistema de preços de produção, dando conta do duplo caráter das mercadorias, que, se custam capital para os capitalistas, custam trabalho tanto para os trabalhadores quanto para a sociedade como um todo.

Demonstra-se que é através da teoria do valor-trabalho que a economia se transforma em sistema científico, que não pode admitir hipóteses não-demonstradas. Prescindir dela significa romper com o princípio da auto-fundamentação da ciência, formulado claramente em O Capital, que tem como ponto de partida a mercadoria, tomada como imediato concreto, e ponto de chegada a mesma mercadoria, concebida como produto do capital.

Significa abrir mão do princípio unificador da economia clássica em favor de teorias que representam verdadeiras colchas de retalho, costuradas a partir de hipóteses graciosas, tais como a de que as empresas maximizam lucros e a de que os empresários acumulam capital. Mostra-se que a proposta neo-ricardiana de se obter a taxa de lucro e os preços diretamente dos “coeficientes técnicos de produção” e do salário real, ao omitir a duração da jornada e a intensidade do trabalho, para não falar do conteúdo sociológico do salário real, equivale a escamotear sumariamente o conteúdo social incorporado nessas variáveis, a começar pela exploração do trabalho.

Finalmente, a teoria do valor-trabalho permite não apenas derivar todas as categorias econômicas presentes na economia de mercado (preços de mercado; preços de produção; salário, lucro e taxa de lucro, juro e taxa de juros, renda da terra, preço do solo e dos ativos financeiros, etc), mas também dá conta da economia mercantil simples, de modo que abandoná-la equivale a renunciar a uma teoria geral das economias de mercado.


- Leia o artigo completo (em pdf) clicando aqui.

- A imagem ilustra o capitalismo em 1911. Clique nela para ampliar e conferir se algo mudou desde então.