segunda-feira, 29 de junho de 2009

COLEÇÃO FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO



A coleção propõe ajudar os educadores a se preparem e entenderem como trabalhar com os fundamentos, a forma e os conteúdos desta área do conhecimento. Aborda as principais questões e dúvidas que envolvem a introdução da filosofia na grade curricular do ensino médio.

O projeto é levado a cabo por Silvio Gallo (Unicamp), Celso Favaretto (USP), Renata Lima Aspis (Unicamp), reconhecidos especialistas no ensino de filosofia no país. Eles apresentam e debatem as questões em torno dos fundamentos, da forma e conteúdo a serem trabalhados.

O primeiro DVD, "Experiência Filosófica", levanta algumas hipóteses do que poderia ser o ensino de filosofia para jovens, levando o espectador a acompanhar uma reflexão sobre a filosofia do ensino de filosofia. Já o segundo, "Elementos Didáticos para a Experiência Filosófica" mostra de forma clara e detalhada uma das principais diretrizes para esse trabalho com jovens do ensino médio brasileiro hoje, segundo a concepção dos autores.

O terceiro DVD, "A História da Filosofia e os Textos na Experiência Filosófica", explica as operações de pensamento necessárias ao fazer filosófico, e ainda traz reflexões a respeito da utilização do texto filosófico em sala de aula e da avaliação no ensino de filosofia.

Em "Procedimentos Didáticos na Aula de Filosofia", o último da série, em forma de conversa, os autores debatem possíveis práticas de sala de aula, dando exemplos e contando um pouco de suas experiências.

Fonte: blog Filosofia com Café.


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PROGRAMA 1 - EXPERIÊNCIA FILOSÓFICA Levantando algumas hipóteses do que poderia ser o ensino de filosofia para jovens, este primeiro programa leva o expectador a acompanhar uma reflexão no que poderíamos chamar de filosofia do ensino de filosofia. - Para que ensinar Filosofia? - Expectativas sobre o ensino de Filosofia - Teor filosófico e criticidade - A experiência do pensar - O ensino de Filosofia como experiência filosófica - O ensino de história da Filosofia.


PROGRAMA 2: ELEMENTOS DIDÁTICOS PARA A EXPERIÊNCIA FILOSÓFICA Este programa apresenta de forma clara e detalhada uma das principais diretrizes de um possível ensino de filosofia para jovens no Ensino Médio brasileiro hoje, segundo a concepção dos autores. - Objetivos - Sensibilização - Problematização - O universo de interesse dos alunos - Investigação filosófica - Argumentação e conceituação filosóficas.


PROGRAMA 3: A HISTÓRIA DA FILOSOFIA E OS TEXTOS NA EXPERIÊNCIA FILOSÓFICA Este programa explica as operações de pensamento necessárias ao fazer filosófico, e ainda traz reflexões a respeito da utilização do texto filosófico em sala de aula e da avaliação no ensino de filosofia. - Operações no ensino de Filosofia: - Detectar os pressupostos - Reconstruir argumentos - Confrontar teses filosóficas - Emitir juízos - Os textos na experiência filosófica - Avaliação na experiência filosófica - Depoimentos de alunos.


PROGRAMA 4: PROCEDIMENTOS DIDÁTICOS NA AULA DE FILOSOFIA Em forma de conversa, os autores debatem possíveis práticas de sala de aula, dando exemplos e contando um pouco de suas experiências. - Plano de ensino na aula de Filosofia - Filosofia e o exercício do pensamento organizado - Propostas de práticas.


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domingo, 21 de junho de 2009

A "NATURALIDADE" DO MITO DA CARNE

. A segunda metade do século XX fica marcada por crescentes modificações na alimentação que tiveram lugar nos países ditos desenvolvidos e nos países em desenvolvimento. O desenvolvimento das populações e o aumento demográfico têm vindo a reforçar a demanda por alimento e, por conseguinte, têm conduzido a uma intensificação das actividades agrícolas e agropecuárias. Para além do crescimento populacional, da proliferação das novas tecnologias e do sistema económico liberalista vigente, as classes médias e classes baixas adquiriram um maior poder de compra, podendo assim investir em outras necessidades que não as necessidades básicas de subsistência. [1]

As modificações das políticas económicas têm vindo a ter influências directas na qualidade nutritiva dos alimentos, tendo vindo a registar-se aumentos de alimentos pré-processados, aumentos de alimentos de origem animal e aumentos de alimentos com mais açúcar e gordura. Estas mudanças, acompanhadas pela redução da actividade física humana, têm originado significantes aumentos das taxas de doenças crónicas associadas à alimentação que incluem a obesidade, ataques cardíacos, diabetes, hipertensão e certos tipos de cancro. [2]

Porque tem um peso fundamental na economia, o sector da agropecuária tem sido fortemente explorado. Nos Estados Unidos, um país seguido como modelo pelas suas políticas económicas e culturais, [3] a produção de carne aumentou significativamente entre 1950 e 2007, tendo vindo a estagnar o abate de animais em 9.5 mil milhões no ano de 2007 e 2008, o que se repercutiu nas práticas alimentares das populações.

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No entanto, não é unicamente a oferta da produção alimentar que determina os gostos e as escolhas gastronómicas dos consumidores. Na nossa sociedade faz parte do "senso comum" que a alimentação à base de carne de vaca, por exemplo, seja parte integrante da cadeia alimentar humana. Comer um bife de vaca é tão "natural" na nossa sociedade como comer um bife de cão é tão "natural" na China. Mas do ponto de vista dos ocidentais, esta ideia de comer animais domésticos, como o cão e o gato, com os quais (tradicionalmente) se criaram fortes laços afectivos, originam repulsa e, em muitos casos, a indignação, porque na nossa sociedade não se percepciona o cão como alimento, uma vez que é um animal convencionalmente doméstico. Por experiência empírica, ouve-se dizer, por parte de indivíduos que lidam com animais domésticos, que por vezes "só lhes falta falar" e que "têm sentimentos"; declarações que mostram o grau de relação que muitas pessoas têm com cães e gatos, o que pressupõe a existência de complexas afinidades. Já na China, cães e gatos são utilizados como alimento, o que sugere que muitos dos chineses não têm qualquer tipo de laços ou de afinidades com estes animais. Voltando às vacas, na Índia este é um animal sagrado que não está incluído nas práticas alimentares dos 1.100 milhões de habitantes. Enquanto espécies de indivíduos que habitam o planeta, há portanto uma verdadeira subordinação estrutural de todas as espécies de animais em relação à espécie humana, existindo nessa grande camada de milhares de espécies de animais umas mais subordinadas do que outras, umas mais exterminadas do que outras e algumas mais protegidas do que outras – variantes que se modificam consoante as regiões.

A inclusão de carne na nossa alimentação é tão "natural" quanto a expectativa que se cria para que os homens sejam "naturalmente" masculinos e para que as mulheres sejam "naturalmente" femininas. Ou seja, a percepção que as sociedades têm em relação aos animais e sobre a sua inclusão, ou não inclusão, na alimentação não pode ser considerada meramente "natural", assim como não pode ser desassociada de um conjunto de convenções de códigos, crenças e práticas culturais.

Só os humanos têm a capacidade de produzir e reproduzir valores culturais. A cultura "é o processo de produção de sentido que confere sentido não só à realidade ou natureza exterior, mas também ao sistema social de que ela faz parte e às identidades sociais e actividades diárias [como a alimentação] das pessoas pertencentes a esse sistema." [5]. As representações culturais produzem significados e enquanto discursos têm consequências porque regulam práticas sociais, condutas, estruturam identidades e definem a forma como se vêem e pensam as coisas. As representações culturais de animais só podem estar pré-dispostas sob o ponto de vista dos humanos, conferindo assim um papel determinante sobre as formas pelas quais os indivíduos humanos percepcionam os animais.

A adaptação do comportamento do indivíduo em relação ao mercado alimentar equivale a uma adaptação do consumidor em relação ao produtor. O consumidor não se adapta em relação aos reais interesses (de ordem económica) do produtor, mas adapta-se a um conjunto de valores patenteados pelo sistema de representação cultural que estão ao serviço de quem tem a tutela da produção. O consumo de carne é, mais do que nunca, um consumo "naturalmente" cultural. E importa aos agentes produtores conservar a sua posição na estrutura económica, através da perpetuação do enraizamento destas convenções "naturais". Só através do incentivo ao consumo de animais de abate é que se podem consolidar e dogmatizar estes mecanismos "naturalmente" culturais. Daí o recurso à publicidade como um dos grandes motores das estruturas de produção. Para produzir capital económico é necessário que as estruturas de produção utilizem a estética como um instrumento ideológico a partir do qual se extraiam formas de percepção do produto, do sujeito e do mundo. A ideologia da indústria animal tem de ser sedutora e, portanto, a mística tem de ser bem composta para que durante o processo de significação de um anúncio de um produto de origem animal o sujeito se reconheça, ou seja, para que a partir de sistemas de sentido já existentes exista alguma forma de identificação entre o sujeito e o produto.

Existem diversas formas de representar os animais da agropecuária, todas apresentam uma acção que se fecha com um happy end: os animais podem ser representados como estando sorridentes, como se insinuassem estar contentes por irem parar ao prato do consumidor; há ainda a tendência em representar o indivíduo humano consumidor como livre e consciente quando consome produtos de origem animal. Estas mensagens articulam tradicionalmente modos de relação entre géneros, amigos, família, classes sociais, situam o indivíduo em rituais sociais que legitimam o consumo de animais na alimentação. A construção de enredos que incidam sobre o consumo de animais é fundamental para instaurar uma identidade ao mercado, mas também para instaurar "identidade individual" e a auto-afirmação a um sujeito. A sedução de um anúncio vale-se pela utilização de mecanismos de associação do produto a estímulos de felicidade, ao status, a signos de prestígio (enraizados nos códigos da moda), com o fim de o sujeito criar prazer no reconhecimento em relação ao produto. Independentemente da forma como se representem os animais da agropecuária, a finalidade principal é associar a acção de consumo à acção de prazer, com o objectivo de viabilizar o consumo.

Democratizou-se o consumo de animais mas, por outro lado, não se têm associado ao seu consumo todos os vestígios penosos que intermedeiam o processo que se inicia desde o seu nascimento até ao momento que se vêem no frigorífico do super-mercado as embalagens com alguns dos seus restos mortais. Por defeito, inerente à própria publicidade, há uma alienação do consumidor em relação à concepção destes produtos de origem animal, criados pela indústria agropecuária: não se dão a conhecer as motivações do produtor; não se dão a conhecer as consequências negativas do consumo de animais no organismo humano; não se dão a conhecer os reais processos de produção de animais (uso de ração, vacinação, adições químicas, etc.); não se fazem constar na publicidade quaisquer vestígios do sofrimento animal; não se quantificam nem se mencionam os impactos da indústria no meio ambiente.

Os sistemas de representação cultural têm assim uma influência central nas práticas alimentares dos indivíduos humanos porque legitimam modos de socialização e posicionam o indivíduo de acordo com critérios e padrões. A cultura (dominante) torna-se então num exercício de «violência simbólica» [6] porque impõe significações como legítimas através do fundamento da sua própria força. É a universalização da ordem cultural (motivada pela economia) que a torna muito pouco mutável, fazendo com que pareça "natural", e assim comem-se determinados animais porque "faz parte da nossa cultura". Não tem sido a ética nem a sustentabilidade, mas sim a cultura que tem estipulado ao homem aquilo que na natureza é "comestível" e "não comestível".


Referências

BAUDRILLARD, Jean; 1976; A Troca Simbólica e a Morte I ; Lisboa; Edições 70.
BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude; 1974; La Reproduction (Elements pour une théorie du système d´enseignement); Les Editions de Minuit.
Callinicos, Alex; " Introdução ao Capital de Karl Marx"; Revista Espaço Académico, Nº 38, s.p.,(Julho de 2004 – Mensal) ISSN 1519.6186.
FISK, John, 1990; Introdução ao Estudo da Comunicação – Porto, Edições Asa.
HARVEY, David; 2000; Condição Pós-Moderna; 9ª Ed.; S. Paulo, Edições Loyola.
Muñoz, Blanca; Sociologia de la Cultura de Masas; Universidad Carlos III, Madrid. s.p.
Reduzir o Consumo de Carne – Uma reforma Urgente docs.google.com
Livestocks Long Shadow (environmental issues and options) - http://www.fao.org/docrep/010/a0701e/a0701e00.HTM

Notas
1. cf. 34 Livestocks Long Shadow (environmental issues and options) http://www.fao.org/docrep/010/a0701e/a0701e00.HTM
2. Idem
3. A fast-food, ou a cultura do hamburger, é uma marca da globalização cultural da American way of life que tem vindo a fazer parte dos padrões de vida para as novas classes médias em países desenvolvidos e em desenvolvimento espalhados pelo planeta.
4. Fonte: http://www.hsus.org/farm/resources/pubs/stats_slaughter_totals.html
5. Fiske, 1990: 162, 163
6. cf. Bourdieu, Passeron; 1974: 18

[*] Activista. Investigador nas áreas da sociologia da cultura e da arte.

Fonte: Agência Resistir.info

segunda-feira, 15 de junho de 2009

HOBSBAWM: "CRISE AMBIENTAL É O DESAFIO DO SÉCULO"

“Vivemos meio século de um crescimento exponencial da população global, e os impactos da tecnologia e do crescimento econômico no ambiente planetário estão colocando em risco o futuro da humanidade, assim como ela existe hoje. Este é o desafio central que enfrentamos no século 21. Vamos ter que abandonar a velha crença — imposta não apenas pelos capitalistas — em um futuro de crescimento econômico ilimitado na base da exaustão dos recursos do planeta”. A afirmação é do historiador Eric Hobsbawm em entrevista exclusiva à jornalista Verena Glass e publicada na Revista Sem Terra, em comemoração à edição nº 50 (maio/junho 2009).

Eis a entrevista.

O planeta vive hoje uma crise que abalou as estruturas do capitalismo mundial, atinge indiscriminadamente atores em nada responsáveis pela sua eclosão, e que talvez seja um dos mais importantes “feitos” da moderna globalização. Na sua avaliação, quais foram os fatores e mecanismos que levaram a esta situação?

Nos últimos quarenta anos, a globalização, viabilizada pela extraordinária revolução nos transportes e, sobretudo, nas comunicações, esteve combinada com a hegemonia de políticas de Estado neoliberais, favorecendo um mercado global irrestrito para o capital em busca de lucros. No setor financeiro, isto ocorreu de forma absoluta, o que explica porque a crise do desenvolvimento capitalista ocorreu ali. Apesar do fato de que o capitalismo sempre — e por natureza — opera por meio de uma sucessão de expansões geradoras de crises, isto criou uma crise maior e potencialmente ameaçadora para o sistema, comparável à Grande Depressão que se seguiu a 1929, mesmo que seja cedo para avaliarmos todo o seu impacto. Um problema maior tem sido que a tendência de declínio das margens de lucro, típico do capitalismo, tem sido particularmente dramática porque os operadores financeiros, acostumados a enormes ganhos com investimentos especulativos em épocas de crescimento econômico, têm buscado mantê-los a níveis insustentáveis, atirando-se em investimentos inseguros e de alto risco, a exemplo dos financiamentos imobiliários “subprime” nos EUA. Uma enorme dívida, pelo menos quarenta vezes maior do que a sua base econômica atual foi assim criada, e o destino disso era mesmo o colapso.

Como resposta à crise econômica, governos e instituições financeiras estão concentrados em salvar os sistemas bancário e financeiro, opção que tem sido considerada uma tentativa de cura do próprio vetor causador do mal. No que deve resultar este movimento?

Um sistema de crédito operante é essencial para qualquer país desenvolvido, e a crise atual demonstra que isso não é possível se o sistema bancário deixa de funcionar. Nesse sentido, as medidas nacionais para restaurá-lo são necessárias. Mas o que é preciso também é uma reestruturação do Estado por exemplo, através das nacionalizações, a “desfinanceirização” do sistema e a restauração de uma relação realista entre ativos e passivos econômicos. Isso não pode ser feito simplesmente combinando vastos subsídios para os bancos com uma regulação futura mais restrita. De toda forma, a depressão econômica não pode ser resolvida apenas via restauração do crédito. São essenciais medidas concretas para gerar emprego e renda para a população, de quem depende, em última instância, a prosperidade da economia global.

Antes de se agudizar o caos econômico, o mundo começou a sofrer uma sucessão de abalos sociais e ambientais, como a falta global de alimentos, as mudanças climáticas, a crise energética, as crises humanitárias decorrentes das guerras, entre outros. Como você avalia estes fatores na perspectiva do paradigma civilizatório e de desenvolvimento do capitalismo moderno?

Vivemos meio século de um crescimento exponencial da população global, e os impactos da tecnologia e do crescimento econômico no ambiente planetário estão colocando em risco o futuro da humanidade, assim como ela existe hoje. Este é o desafio central que enfrentamos no século 21. Vamos ter que abandonar a velha crença — imposta não apenas pelos capitalistas — em um futuro de crescimento econômico ilimitado na base da exaustão dos recursos do planeta. Isto significa que a fórmula da organização econômica mundial não pode ser determinada pelo capitalismo de mercado que, repito, é um sistema impulsionado pelo crescimento ilimitado. Como esta transição ocorrerá ainda não está claro, mas se não ocorrer, haverá uma catástrofe.

O capitalismo tem adquirido, cada vez mais, uma força hegemônica na agricultura com o crescimento do agronegócio. Muitos defendem que a Reforma Agrária não cabe mais na agenda mundial. Como vê este debate e a luta pela terra de movimentos sociais como o MST e a Via Campesina?

A produção agrícola necessária para alimentar os seis bilhões de seres humanos do planeta pode ser fornecida por uma pequena fração da população mundial, se compararmos com o que era no passado. Isso levou tanto a um declínio dramático das populações rurais desde 1950, quanto a uma vasta migração do campo para as cidades. Também levou a um crescente domínio da agricultura por parte não tanto do grande agronegócio, mas principalmente de empreendimentos capitalistas que hoje controlam o mercado desta produção. Da mesma forma, têm aumentado os conflitos entre agricultores e iniciativas empresariais na disputa pela terra para propósitos não agrícolas (indústrias, mineração, especulação imobiliária, transporte etc.), bem como pela sua posse e pela exploração dos recursos naturais. A Reforma Agrária sem duvida não é mais tão importante para a política como foi há 40 anos, pelo menos Insustentável: crescimento econômico e da população colocam em risco o futuro da amizade na América Latina, mas claramente permanece uma questão central em muitos outros países. Na minha opinião, a crise atual reforça a importância da luta de movimentos como o MST, que é mais social do que econômica. Em tempos de vacas gordas é muito mais fácil ganhar a vida na cidade. Em tempos de depressão, a terra, a propriedade familiar e a comunidade garantem a segurança social e a solidariedade que o capitalismo neoliberal de mercado tão claramente nega aos migrantes rurais desempregados.

Na virada do século, um novo movimento global de resistência social tomou corpo através do que ficou conhecido como altermundialismo. Surgiu o Fórum Social Mundial, e grandes manifestações contra a guerra e instituições multilaterais, como a OMC, o G8 e a ALCA, na América Latina, ganharam as ruas. Na sua avaliação, o que resultou destes movimentos? E hoje, como vê estas iniciativas?

O movimento global de resistência altermundialista merece o crédito de duas grandes conquistas: na política, ressuscitou a rejeição sistemática e a crítica ao capitalismo que os velhos partidos de esquerda deixaram atrofiar. Também foi pioneiro na criação de um modo de ação política global sem precedentes, que superou fronteiras nacionais nas manifestações de Seattle e nas que se seguiram. Grosso modo, logrou formular e mobilizar uma poderosa opinião pública que seriamente pôs em cheque a ordem mundial neoliberal, mesmo antes da implosão econômica. Seu programa propositivo, porém, tem sido menos efetivo, em função, talvez, do grande número de componentes ideologicamente e emocionalmente diversos dos movimentos, unificados apenas em aspirações muito generalistas ou ações pontuais em ocasiões específicas.

Principalmente na América Latina, os anos 2000 trouxeram uma série de mudanças políticas para a região com a eleição de governadores mais progressistas. A sociedade civil organizada ganhou espaço nos debates políticos, mas os avanços na garantia dos direitos sociais ainda esperam por uma maior concretização. Como analisa este fenômeno?

O fator mais positivo para a América Latina é a diminuição efetiva da influência política e ideológica — e, na América do Sul, também econômica — dos EUA. Um segundo fator muito importante é o surgimento de governos progressistas — novamente mais fortes na América do Sul — , inspirados pela grande tradição da igualdade, fraternidade e liberdade, que comprovadamente está mais viva aí do que em outras regiões do mundo neste momento. Estes novos regimes têm se beneficiado de um período de altos preços de seus bens de exportação. Quão profundamente serão afetados pela crise econômica, principalmente o Brasil e a Venezuela, ainda não está claro. Suas políticas têm logrado algumas melhorias sociais genuínas, mas até agora não reduziram significativamente as enormes desigualdades econômicas e sociais de seus países. Esta redução deve permanecer a maior prioridade de governos e movimentos progressistas.

Diante da crise civilizatória, do fracasso do capitalismo e da inoperância dos sistemas multilaterais, que não foram aptos a enfrentar as grandes questões mundiais, as esquerdas têm se debatido na busca de alternativas; mas nem consensos nem respostas parecem despontar no horizonte. Haveria, em sua opinião, a possibilidade real da construção de um novo socialismo, uma nova forma de lidar com o planeta e sua gente, capaz de enfrentar a hegemonia bélica, econômica e política do neoliberalismo?

Eu não acredito que exista uma oposição binária simples entre “um novo socialismo” e a “hegemonia do capitalismo”. Não existe apenas uma forma de capitalismo. A tentativa de aplicar um modelo único, o “fundamentalismo de mercado” global anglo-americano, é uma aberração histórica, que potencialmente colapsou agora e não pode ser reconstruída. Por outro lado, o mesmo ocorre com a tentativa de identificar o socialismo unicamente com a economia centralizada planejada pelo Estado dos períodos soviético e maoísta. Esta também já era (exceto talvez se nosso século for reviver os períodos temporários de guerra total do século 20). Depois da atual crise, o capitalismo não vai desaparecer. Vai se ajustar a uma nova era de economias que combinarão atividades econômicas públicas e privadas. Mas o novo tipo de sistemas mistos tem que ir além das várias formas de “capitalismo de bem estar” que dominou as economias desenvolvidas nos trinta anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial.

Deve ser uma economia que priorize a justiça social, uma vida digna para todos e a realização do que Amaratya Sen chama de potencialidades inerentes aos seres humanos. Deve estar organizada para realizar o que está além das habilidades do mercado dos caçadores-de-lucro, principalmente para confrontar o grande desafio da humanidade neste século 21: a crise ambiental global. Se este novo sistema se comprometer com os dois objetivos, poderá ser aceitável para os socialistas, independente do nome que lhe dermos. O maior obstáculo no caminho não é a falta de clareza e concordância entre as esquerdas, mas o fato de que a crise econômica global coincide com uma situação internacional muito perigosa, instável e incerta, que provavelmente não estabelecerá uma nova estabilidade por algum tempo. Entrementes, não há consenso ou ações comuns entre os Estados, cujas políticas são dominadas por interesses nacionais possivelmente incompatíveis com os interesses globais.

Conceitos como solidariedade, cooperação, tolerância, justiça social, sustentabilidade ambiental, responsabilidade do consumidor, desenvolvimento sustentável, entre outros, têm encontrado eco, mesmo de forma ainda frágil, na opinião pública. Acredita que estes princípios poderão, no futuro, ganhar força e influenciar a ordem mundial? Vê algum caminho que possa aproximar a humanidade a uma coabitação harmoniosa?

Os conceitos listados estão mais para slogans do que para programas. Eles ou ainda precisam ser transformados em ações e agendas (como a redução de gases de efeito estufa, encorajada ou imposta pelos governos, por exemplo), ou são subprodutos de situações sociais mais complexas (como “tolerância”, que existe efetivamente apenas em sociedades que a aceitam ou que estão impedidas de manter a intolerância). Eu preferiria pensar na “cooperação” não apenas como um ideal generalista, mas como uma forma de conduzir as questões humanas, como as atividades econômicas e de bem estar social. Me entristece que a cooperação e a organização mútua, que eram um elemento tão importante no socialismo do século 19, desapareceram quase que completamente do horizonte socialista do século 20 – mas felizmente não da agenda do MST. Espero que esta lista de conceitos continue conquistando o apoio e mobilize a opinião pública para pressionar efetivamente os governos. Não acredito que a humanidade alcançará um estado de “coabitação harmoniosa” num futuro próximo. Mas mesmo se nossos ideais atualmente são apenas utopias, é essencial que homens e mulheres lutem por elas.

O senhor, que estudou com profundidade a história do mundo e as relações humanas nos últimos séculos, o que espera do futuro?

Se a crise ambiental global não for controlada, e o crescimento populacional estabilizado, as perspectivas são sombrias. Mesmo se os efeitos das mudanças climáticas possam ser estabilizados, produzirão enormes problemas que já são sentidos, como a crescente competição por recursos hídricos, a desertificação nas zonas tropicais e subtropicais, e a necessidade de projetos caros de controle de inundações em regiões costeiras. Também mudarão o equilíbrio internacional em favor do hemisfério Norte, que tem largas extensões de terras árticas e subárticas passíveis de serem cultivadas e industrializadas. Do ponto de vista econômico, o centro de gravidade do mundo continuará a se mover do Oeste (América do Norte e Europa) para o Sul e o Leste asiático, mas o acúmulo de riquezas ainda possibilitará às populações das velhas regiões capitalistas um padrão de vida muito superior às dos emergentes gigantes asiáticos. A atual crise econômica global vai terminar, mas tenho dúvidas se terminará em termos sustentáveis para além de algumas décadas. Politicamente, o mundo vive uma transição desde o fim da Guerra Fria. Se tornou mais instável e perigoso, especialmente na região entre Marrocos e Índia. Um novo equilíbrio internacional entre as potências — os EUA, China, a União Européia, Índia e Brasil — presumivelmente ocorrerá, o que poderá garantir um período de relativa estabilidade econômica e política, mas isto não é para já. O que não pode ser previsto é a natureza social e política dos regimes que emergirão depois da crise. Aqui as experiências do passado não podem ser aplicadas. O historiador pode falar apenas das circunstâncias herdadas do passado. Como diz Karl Marx: a humanidade faz a sua própria história. Como a fará e com que resultados, muitas vezes inesperados, são questões que ultrapassam o poder de previsão do historiador.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

PANE NA MÁQUINA

O governo investe em segurança pública. Compra carros, motos, lanchas, aumenta salários dos policiais, organiza a carreira profissional deles. Como resultado a criminalidade aumenta, os policiais fazem greves e o tráfico de drogas explode nas periferias das cidades.

O governo investe em educação. Amplia o acesso à escola, reforma, constrói novas unidades, melhora os salários dos professores, dá material escolar e merenda de qualidade. Como resultado as escolas tornam-se espaços de violência, professores são ameaçados por alunos, a repetência cresce e o número de analfabetos funcionais é tão alto que não há sequer uma estatística oficial a respeito.

O governo investe em saúde. Constrói novos hospitais, compra equipamentos, estimula a formação local de médicos, reforma unidades sucateadas. Como resultado vários hospitais não têm enfermeiros e até médicos, as filas imensas de madrugada ainda persistem, chovem denúncias de abuso de poder por parte de servidores e na zona rural muita gente ainda morre sem atendimento.

O governo investe em ação social. Amplia o sistema de redistribuição de renda, cadastra dezenas de famílias todos os meses, acompanha crianças em situação de risco social. Como resultado os benefícios são usados como no antigo sistema de aviamento para pagar dívidas antes delas serem feitas, meninas têm filhos cada vez mais cedo de olho na contraprestação, larápios de classe média desviam cartões para si mesmos, amigos e parentes.

O governo investe em emprego. Constrói empresas para administrar com a iniciativa privada, oferece descontos e incentivos tributários, investe em infra-estrutura urbana, amplia o acesso aos mercados exteriores. Como resultado o número de desempregados aumenta, a concentração de renda se amplia, a indigência e a mendicância explodem e o tráfico vira alternativa de sobrevivência.

Não há algo errado, profundamente errado, nisso tudo?

Enquanto eu trabalhava nos jornais acreanos, via esses problemas como desafios a serem enfrentados por meio de um esforço das camadas médias da sociedade: imprensa, Judiciário, empresariado jovem etc. Considerava que minha caneta era um auxílio indispensável no processo e lutava com todas as forças para denunciar a proliferação dessas desigualdades.

Como eu estava enganado!


Demorei para perceber que não há como resolver os problemas acima citados porque eles se auto-retro-alimentam. O tráfico, por exemplo, alimenta-se da alienação individual que por sua vez deriva-se do desemprego cujo motor é uma organização social privatista, baseada na troca de favores e gentilezas, inclusive os sexuais, entre representantes políticos e outros líderes da sociedade.

Quando o núcleo da sociedade funciona dessa forma é possível fazer literalmente qualquer combinação entre os elementos acima citados, em qualquer ordem, e perceber que todo o restante da sociedade funciona caoticamente.

Há uma pane generalizada no tecido social.


Graças à essa auto-reprodução, não há mais governo que possa resolver isso. Nem os de situação e muito menos os de oposição.

Estamos condenados a viver em uma sociedade doente?

sexta-feira, 5 de junho de 2009

SE OS TUBARÕES FOSSEM HOMENS




Se os tubarões fossem homens, perguntou a filha de sua senhoria ao senhor K., seriam eles mais amáveis para com os peixinhos?

Certamente, respondeu o Sr. K. Se os tubarões fossem homens, construiriam no mar grandes gaiolas para os peixes pequenos, com todo tipo de alimento, tanto animal quanto vegetal. Cuidariam para que as gaiolas tivessem sempre água fresca e adoptariam todas as medidas sanitárias adequadas. Se, por exemplo, um peixinho ferisse a barbatana, ser-lhe-ia imediatamente aplicado um curativo para que não morresse antes do tempo.

Para que os peixinhos não ficassem melancólicos haveria grandes festas aquáticas de vez em quando, pois os peixinhos alegres têm melhor sabor do que os tristes. Naturalmente haveria também escolas nas gaiolas. Nessas escolas os peixinhos aprenderiam como nadar alegremente em direcção à goela dos tubarões. Precisariam saber geografia, por exemplo, para localizar os grandes tubarões que vagueiam descansadamente pelo mar.

O mais importante seria, naturalmente, a formação moral dos peixinhos. Eles seriam informados de que nada existe de mais belo e mais sublime do que um peixinho que se sacrifica contente, e que todos deveriam crer nos tubarões, sobretudo quando dissessem que cuidam de sua felicidade futura. Os peixinhos saberiam que este futuro só estaria assegurado se estudassem docilmente. Acima de tudo, os peixinhos deveriam rejeitar toda tendência baixa, materialista, egoísta e marxista, e denunciar imediatamente aos tubarões aqueles que apresentassem tais tendências.

Se os tubarões fossem homens, naturalmente fariam guerras entre si, para conquistar gaiolas e peixinhos estrangeiros. Nessas guerras eles fariam lutar os seus peixinhos, e lhes ensinariam que há uma enorme diferença entre eles e os peixinhos dos outros tubarões. Os peixinhos, proclamariam, são notoriamente mudos, mas silenciam em línguas diferentes, e por isso não se podem entender entre si. Cada peixinho que matasse alguns outros na guerra, os inimigos que silenciam em outra língua, seria condecorado com uma pequena medalha de sargaço e receberia uma comenda de herói.

Se os tubarões fossem homens também haveria arte entre eles, naturalmente. Haveria belos quadros, representando os dentes dos tubarões em cores magníficas, e as suas goelas como jardins onde se brinca deliciosamente. Os teatros do fundo do mar mostrariam valorosos peixinhos a nadarem com entusiasmo rumo às gargantas dos tubarões. E a música seria tão bela que, sob os seus acordes, todos os peixinhos, como orquestra afinada, a sonhar, embalados nos pensamentos mais sublimes, precipitar-se-iam nas goelas dos tubarões.

Também não faltaria uma religião, se os tubarões fossem homens. Ela ensinaria que a verdadeira vida dos peixinhos começa no paraíso, ou seja, na barriga dos tubarões.

Se os tubarões fossem homens também acabaria a ideia de que todos os peixinhos são iguais entre si. Alguns deles se tornariam funcionários e seriam colocados acima dos outros. Aqueles ligeiramente maiores até poderiam comer os menores. Isso seria agradável para os tubarões, pois eles, mais frequentemente, teriam bocados maiores para comer. E os peixinhos maiores detentores de cargos, cuidariam da ordem interna entre os peixinhos, tornando-se professores, oficiais, polícias, construtores de gaiolas, etc.

Em suma, se os tubarões fossem homens haveria uma civilização no mar.


Texto: Bertold Brecht. O CQC é exibido pela TV Bandeirantes, às segundas e sábados.