quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

CLEOMILTON

Recebi do blogueiro Cleomilton Filho, mencionado por mim na postagem "Nietzsche e a bipolaridade", o comentário que segue. Meus comentários estão logo após:


Josafá,

Grato por alertar acerca do equívoco cometido por mim quanto à data da Revolução Bolchevique. Entretanto, cumpre-me esclarecer que trabalho num netbook, cujo teclado reduzido, por vezes, atrapalha-me. Ao digitar rapidamente o que pensei ser o "1", bati no "2" sem querer. Por tal motivo, estava "1927".

Como dificilmente reviso o que escrevo, o erro formal permaneceu. Não obstante, já procedi à correção.

Já quanto à data da publicação de "Humano, demasiado humano", jamais afirmei que teria ocorrido em 1886. O que afirmo, ipsis litteris, é que:

"...Nietzsche tece duras críticas ao socialismo e alerta, ainda em 1886, para o perigo totalitário que o ideal socialista representava (e ainda representa)..."

Destarte, foste desonesto. Tomo a data da publicação da 2ª edição (1886), derradeiramente revisada e reformulada por Nietzsche, inclusive com novas inserções de aforismos e prólogo.

A primeira publicação fora realmente em 1878. Entretanto, tomo por base a data da segunda publicação, devidamente revisada, para fundamentar minha afirmação - não há nada de errado nisso.

Por fim, quanto à suposta dubiedade em Nietzsche, levantada por você, concernente ao que ele pensava sobre "socialistas" e "comunistas" (como se o primeiro não fosse tão-somente um meio para o segundo), é tão risível quanto a tese daqueles que afirmam que Nietzsche não era ateu.

Aconselho-o a não ler o que escreveram sobre Nietzsche em biografias póstumas, mas o que ele mesmo escrevera sobre ele. Leio e estudo Nietzsche há 10 anos, tenho todos os seus livros. O filósofo alemão possui sua autobiografia, Ecce Homo, você deve conhecer. Leia e veja como ele compara a moral de rebanho cristã ao socialismo, como ele traz similaridades entre ambos ao seu discurso.

Toda a filosofia de Nietzsche é justamente o contrário do comunismo, da vontade de potência individual à crítica imponderável ao "homem ideal" e a tudo o que é antinatural, anti-humano, como os ideais planificadores comunistas.

Acho engraçado pessoas como você, que defendem com unhas e dentes gente da estirpe de Hugo Chavez, Evo Morales, Fidel Castro et cavera (sic), vir falar de "adaptar fatos e autores para interpretações pessoais..."

No mais, não mais.

Saudações liberais capitalistas.


Meu comentário: Cleomilton, fica frio. Mas se você estiver certo, Nietzsche não sabia que no Comunismo não há Estado, o que é terrível para um filólogo de tal envergadura. E sim, li Ecce Homo há bem mais de 10 anos e conheço bem a elevada imagem que o filósofo tinha de si mesmo (como qualquer um tem). E nem assim acho algo risível.

Não duvido que a moral de rebanho cristã seja comparável ao socialismo. Nietzsche está certo. A crítica comunista ao socialismo funda-se exatamente na forçada submissão dos indivíduos à administração de um modo de produção que os produz enquanto classe. É uma forma de disciplinar os espíritos.

A crítica comunista, por sua vez, não é a um devir, a um objetivo formal futurístico. Se o fosse, estaria objetivamente no raio da crítica nietzscheana. Mas a crítica comunista dirige-se à época atual, isto é, ao modo de produção que impede que o indivíduo realize a sua vontade de potência ou que arranja as vontades de potência de forma que um grupo de pessoas obtenha o máximo de realização às expensas das tentativas frustradas de outros.

O comunismo é a ação viva e libertária contra uma situação que se impõe sobre as vontades, não um projeto de futuro. Uma sociedade sem classes, isto é, comunista, é simplesmente o resultado óbvio da anulação desse princípio (e aqui reside o que significa o conceito de "igualdade" comunista; uma igualdade formal).

Ou muito me engano, ou esse conflito foi o que levou Nietzsche a não criticar o Comunismo, apenas o Socialismo. Diferente de hoje, esses conceitos tinham definições e plataformas políticas - logo, filologicamente demarcadas - bem claras no final do século XIX e começo do XX. Basta estudar sem querer transformar uma teoria política em credo religioso, no qual se crê pela fé e pela fé fundamentar a superioridade de uma teoria. Conhecimento não é igreja.

A propósito, sua dificuldade com o teclado do notebook o levou a grafar "et cavera" em vez de "et caterva"...

Um comentário:

Anônimo disse...

Prezado Josafá,

Acredito que você deturpa os conceitos nietzscheanos mais básicos. Aludir que Nietzsche não criticou efetivamente o "comunismo", mas tão somente o "socialismo", é ingenuidade ou má-fé.

Como já disse, o socialismo é uma ponte para o comunismo. Um estágio, tão-somente. Se, em todas as sociedades em que se tentou adotar o socialismo, nunca se chegou efetivamente ao comunismo ( o fim), isso é uma outra história, e uma prova cabal de que o "comunismo", efetivamente, nunca passou de uma histeria ideológica que provocou unicamente terror, miséria, e um genocídio sem igual - você sabe disso.

Você afirma:

"O comunismo é a ação viva e libertária contra uma situação que se impõe sobre as vontades, não um projeto de futuro. Uma sociedade sem classes, isto é, comunista, é simplesmente o resultado óbvio da anulação desse princípio."

Engano. O comunismo é a imposição da vontade do "comum", da maioria, a política da planificação social e econômica. Não é uma ação viva e libertária, é uma imposição dolorosa que extirpa do indivíduo a centelha do mérito e do reconhecimento personalíssimo.

A critíca comunista jamais poderia ser voltada ao modo de produção da época, que impedia que o INDIVÍDUO realizasse sua vontade de potência. Ah, Josafá, faça o favor. Você, mais do que eu, sabe que o comunismo não considera, nem nunca considerou, o INDIVÍDUO como parte legítima a pleitear qualquer coisa que seja. Essa prerrogativa, no comunismo, sempre foi unicamente do TODO, da COLETIVIDADE.

Pelo contrário, as vontades e os anseios individuais, a vontade de transcender-se individualmente, a gana e ambição inerentes a cada ser humano sempre foram ferozmente combatidas pelo comunismo. Por isso, não há nada mais anti-humano quanto o socialismo/comunismo e o cristianismo. Você deve ter lido O Anticristo e o Zaratustra... Não é possível.

O desprezo de Nietzsche pela fraqueza, pelo altruísmo, o asco que sentia pelso conceitos de "bom", a superioridade intelectual e a grandeza de espírito individual que tanto prezava - toda sua filosofia é cristalinamente anticomunista, anticoletivista, anti-rebanho...

Comunismo é o poder entregue diretamente ao povo, a extinção dos meios de produção, da propriedade privada, é a fragmentação do UNO.

Suas interpretações acerca dos conceitos de Nietzsche me parecem àquelas tomadas pelos nazistas, deturpando toda a tese do "Além-homem". No seu caso, você toma conceitos nietzscheanos para criticar um socialismo de estado que nada teria a ver com um comunismo idealizado. Ora, será que você queria que Nietzsche desenhasse?

Todo o contexto de sua obra e sua própria filosofia não deixam dúvidas: Nietzsche repudiava o socialismo/comunismo, bem como o cristianismo e toda e qualquer forma de ideologização, seja ela futura ou presente, meu caro.

O ídolo deve ser combativo a golpes de martelada, seja esse ídolo um alguém ou o povo, ou qualquer coisa.

Nietzsche iria "adorar" a obra que você passou como referência biográfica, a começar pelo título: "Nietzsche, o rebelde aristocrata" - o que já demonstra que a obra é tendenciosa e assaz imparcial. O bom mesmo é o subtítulo: "Biografia intelectual e balanço crítico"... Balanço crítico... hummm...

Nietzsche se autodenominava um extemporâneo, e quem diria que, 110 anos depois, continuaria além do tempo.

Quanto ao "et cavera", quis grafar "et caverna", dessa vez pulei o "n". Erro formal. Todavia, confesso que "Et caverna" é forma deturpada pelo português, é verdade. O original é, realmente, "et caterva", como você colocou. Tudo bem, nada que seja pior que "cidadões", não é?

No mais, não mais.

Saudações liberais capitalistas.