As amarguras do jornalista de talento reduzido à condição de escriba são peculiares à imprensa da fase industrial, nada têm de espantoso e não podem ser lançadas, individualmente, às vítimas, mas ao regime que gerava e mantinha esse gênero de corrupção. Vê-lo nos casos pessoais e isolados é deformação ligada ainda ao moralismo inconseqüente e escamoteador da verdade profunda dos fenômenos e processos.
O esforço das campanhas pela "liberdade de imprensa" que, periodicamente, surgem, e não apenas nos jornais e revistas - uma curiosidade: aparecem sempre numerosas organizações e forças estranhas à imprensa nessas campanhas - visa sempre, e tão-somente, a exclusão do poder governamental, a interferência do poder público. O obstáculo à liberdade de imprensa é, nessas campanhas, o Estado, particularmente através da censura. Trata-se, evidentemente, de concepção liberal, peculiar à fase ascensional da burguesia. Em tal fase, as limitações à imprensa só podiam partir dos detentores do poder; o capitalismo de concorrência estava interessado em que a imprensa fosse livre, não se visse limitada pela violência ou pela censura da autoridade pública, mas nisto esgotava o seu conceito de liberdade de imprensa. Tudo mudou, entretanto, com o capitalismo monopolista, com o imperialismo: a luta contra a censura e todas as formas de cerceamento impostas pela autoridade passou a ser aspecto parcial da luta pela liberdade d eimprensa e, algumas vezes, aspecto menor. A transformação da imprensa em negócio de grandes proporções, em empresa, e, paralelamente, o desenvolvimento, complexidade e encarecimento de suas técnicas, demandando grandes investimentos e acompanhando o desenvolvimento qualitativo e quantitativo do público, mostra como a proteção contra a censura perdeu o interesse antigo, embora não tenha este desaparecido; as grandes empresas jornalísticas, no essencial, se autocensuram. Isso conduz à transformação dialética, finalmente: de instrumento de esclarecimento, a imprensa capitalista se transformou em instrumento de alienação, fugindo inteiramente aos seus fins originários.
A liberdade de imprensa, na sociedade capitalista, é condicionada pelo capital, depende do vulto dos recursos de que a empresa dispõe, do grau de sua dependência em relação às agências de publicidade. Isso se tornou claro, no Brasil, desde a segunda metade do século XX. De tal sorte que os assuntos de interesse nacional só encontraram possibilidade de estudo em revistas especializadas, e as correntes de opinião divergentes das forças dominantes tiveram a capacidade reduzida apenas à possibilidade de manter semanários, - o jornal diário já colocado fora de seu alcance.
Os processos pelos quais as grandes empresas jornalísticas conseguiram o patrimônio que ostentam daria uma enciclopédia; o problema começou a tornar-se público com a ofensiva contra Última Hora. Em fevereiro de 1961, o senador Jefferson de Aguiar cometeu a ousadia de requerer informações sobre os devedores do Banco do Brasil de importâncias superiores a 100 milhões de cruzeiros. O Globo combateu violentamente esse sacrilégio: "Não vemos porque a situação econômica e financeira de firmas respeitabilíssimas deva ser levada ao conhecimento público sem a aquiescência dessas firmas". A curiosidade do senador, aduzia, "nada tem de vantajosa para o Banco do Brasil". E rematava: "O Banco é uma sociedade anônima cujo principal acionista é a União, mas esta particularidade não pode levá-lo a práticas contrárias às normas bancárias e comerciais aplicáveis a todos os órgãos creditícios". Em fins de 1961, a revista PN, do Rio, começou a longa campanha a respeito do controle exercido sobre a imprensa pelas agências estrangeiras de publicidade: rasgavam-se as fantasias. O problema específico da imprensa iniciava o seu enquadramento no largo e tenebroso painel da corrupção exercida pelo imperialismo em nosso país. Nas eleições parlamentares, essa corrupção atingira dimensões inauditas.
Os acontecimentos de 1963, com as duas CPIs, a do IBAD e a da imprensa estrangeira, a vigorosa campanha radiofônica do deputado Leonel Brizola a respeito dos empréstimos privilegiados de instituições oficiais de crédito a jornais, particularmente aos Diários Associados e suas emissoras, e a O Globo, o avanço democrático que o país assistia, então, com a parcial derrota na tentativa de empolgar o Congresso, eliminando dele, pela corrupção eleitoral, os representantes nacionalistas, a vitória de muitos candidatos populares, inclusive com a conquista de executivos estaduais, exigiria do imperialismo uma decisão drástica: liquidar o regime brasileiro por um golpe militar, estabelecendo o único regime em que desaparecem as resistências legais aos seus interesses e em que se torna extremamente difícil esclarecer e mobilizar o povo: a ditadura.
Trechos de História da Imprensa no Brasil, de Nelson Werneck Sodré. MAUAD, 1999. Clique aqui para ler mais trechos on-line.