domingo, 28 de abril de 2013

As bases do nazismo

Paulo Alexandre, no HistóriaBlog


Julius era um sujeito querido. Sua namorada o amava, seus amigos o consideravam boa-praça, seus colegas de trabalho admiravam sua competência. Aos 29 anos, eleja comandava uma equipe de 550 pessoas. Tinha uma voz boa e, no seu tempo livre, gostava de ir a festas, cantar e dançar.

O nome completo dele era Julius Wohlauf, o comandante da 1a Companhia do Batalhão 101, o mais sanguinário corpo de extermínio nazista. Seu trabalho, que ele fazia tão bem, era manter a ordem na Polônia ocupada, o que incluía mandar judeus para a morte certa e fuzilar poloneses. Em junho de 1942, ele se casou com Vera em Hamburgo e voltou com ela à Polônia para seguir com a matança. Durante a lua-de-mel, grávida de 4 meses, Vera assistia aos fuzilamentos de dia. À noite, o casal cantava e dançava nas festas do batalhão.

Como é que Julius conciliava ávida pacata em família com a rotina de assassinatos? E não foi só ele. Milhares de cidadãos participaram da matança – os ferroviários que levavam judeus à morte, as donas de casa que delatavam fugitivos, os médicos que faziam experimentos com prisioneiros, os funcionários das diversas indústrias públicas e privadas que compunham a máquina de matar de Hitler. Sem falar nos milhões que assistiram a tudo sem protestar, até com um sentimento de aprovação. Como uma coisa dessas pôde acontecer em pleno século 20, no coração do Ocidente democrático e “civilizado”?

A explicação está numa idéia: o nazismo. Julius, como quase toda a Alemanha, acreditava sincera e profundamente nela. Há mais de 60 anos, quando Hitler se suicidou, o nazismo foi dado também como morto. Por décadas, o mundo olhou para ele corno se não passasse de um surto de loucura – um desvario coletivo sem sentido ou explicação. Mas, agora, vários pesquisadores têm tido coragem de procurar alguma lógica nele, inclusive para evitar que se repita. E algumas conclusões estão surgindo.

Segundo elas, o nazismo não é uma idéia louca vinda do nada e sumida para sempre. Ele é conseqüência de 5 outras idéias – todas aparentemente inofensivas sozinhas, todas vivas até hoje. Esta reportagem procurará entender cada uma delas – para chegar perto de compreender o nazismo.

A 1ª idéia: o carimbo da ciência
O naturalista Charles Darwin
O naturalista Charles Darwin

Como uma pessoa comum pode conviver com sua consciência após assassinar inocentes? A resposta: fica mais fácil dormir à noite quando se acredita que seus atos trarão o bem à humanidade. Hitler convenceu os alemães – e muitos estrangeiros – de que, após o massacre, nasceria um mundo melhor. Isso pode soar absurdo hoje, mas era um fato aceito pela ciência da época. “O Holocausto não ocorreu no vácuo. Ele seguiu décadas de crescente aceitação científica à desigualdade entre os homens”, diz o alemão Henry Friedlander, historiador e autor de The Origins of Nazi Genocide (“As Origens do Genocídio Nazista”, sem versão brasileira). Friedlander se refere a um conceito nascido no século 19 nas melhores universidades: a eugenia.

A eugenia surgiu sob o impacto da publicação, em 1859, de um livro que mudaria para sempre o pensamento ocidental: A Origem das Espécies, de Charles Darwin. Darwin mostrou que as espécies não são imutáveis, mas evoluem gradualmente a partir de um antepassado comum à medida que os indivíduos mais aptos vivem mais e deixam mais descendentes. Pela primeira vez, o destino do mundo estava nas mãos da natureza, e não nas de Deus.

Darwin restringiu sua teoria ao mundo natural, mas outros pensadores a adaptaram – de um jeito meio torto – às sociedades humanas. O mais destacado entre eles foi o matemático inglês Francis Galton, primo de Darwin. Em 1865, ele postulou que a hereditariedade transmitia características mentais – o que faz sentido. Mas algumas idéias de Galton eram bem mais esquisitas. Por exemplo, ele dizia que, se os membros das melhores famílias se casassem com parceiros escolhidos, poderiam gerar uma raça de homens mais capazes. A partir das palavras gregas para “bem” e “nascer”, Galton criou o termo “eugenia” para batizar essa nova teoria.

Galton se inspirou nas obras então recém-descobertas de Gregor Mendel, um monge checo morto 12 anos antes que passaria à história como fundador da genética. Ao cruzar pés de ervilhas, Mendel havia identificado características que governavam a reprodução, chamando-as de dominantes e recessivas. Quando ervilhas de casca enrugada cruzam com as de casca lisa, o descendente tende a ter casca enrugada, pois esse gene é dominante.

Os eugenistas viram na genética o argumento para justificar seu racismo. Eles interpretaram as experiências de Mendel assim: casca enrugada é uma “degeneração” (hoje sabe-se que estavam errados – tratava-se apenas de uma variação genética, algo ótimo para a sobrevivência). Misturar genes bons com “degenerados”, para eles, estragaria a linhagem. Para evitar isso, só mantendo a raça “pura” – e aí eles não estavam mais falando de ervilhas. O eugenista Madison Grant, do Museu Americano de História Natural, advertia em 1916: “O cruzamento entre um branco e um índio faz um índio, entre um branco e um negro faz um negro, entre um branco e um hindu faz um hindu, entre qualquer raça européia e um judeu faz um judeu”.

As idéias eugenistas fizeram sucesso entre as elites intelectuais de boa parte do Ocidente, inclusive as brasileiras. Mas houve um país em que elas se desenvolveram primeiro, e não foi a Alemanha: foram os EUA. Não tardou até que os eugenistas de lá começassem a querer transformar suas teorias em políticas públicas. “Em suas mentes, as futuras gerações dos geneticamente incapazes deveriam ser eliminadas”, diz o jornalista americano Edwin Black, autor de A Guerra contra os Fracos. A miscigenação deveria ser proibida.

Programas de engenharia humana começaram a surgir, inspirados por técnicas advindas de estábulos e galinheiros. O zoólogo Charles Davenport, líder do movimento nos EUA, acreditava que os humanos poderiam ser criados e castrados como trutas e cavalos. Instituições de prestígio, como a Fundação Rockefeller e o Instituto Carnegie, doaram fundos para as pesquisas, universidades de primeira linha, como Stanford, ministraram cursos. Os eugenistas americanos ergueram escritórios de registros de “incapazes”, criaram testes de QI para justificar seu encarceramento e conseguiram que 29 estados fizessem leis para esterilizá-los.

As primeiras vítimas foram pobres da Virgínia, e depois negros, judeus, mexicanos, europeus do sul, epilépticos e alcoólatras. Segundo Black, 60 mil pessoas foram esterilizadas à força nos EUA. Em seguida, países como a Suécia e a Finlândia começaram programas parecidos.

Portanto, quando a Alemanha de Hitler começou a esterilizar deficientes físicos e mentais, em 1934, não estava inventando nada. Só que eles foram mais longe. “Hitler está nos vencendo em nosso próprio jogo”, indignou-se o médico americano Joseph DeJarnette, que castrava pobres. Em 1939, os alemães começaram a matar deficientes, num programa de “eutanásia forçada”. Médicos usaram o gás inseticida Zyklon B para eliminar 70 mil pessoas “indignas de viver”. O programa foi suspenso após protestos, mas serviu de ensaio para os campos de concentração, onde Zyklon B exterminaria qualquer um que ameaçasse o projeto da raça pura e a conseqüente “melhora da humanidade”.

“Hitler conseguiu recrutar mais seguidores entre alemães equilibrados ao afirmar que a ciência estava a seu lado”, diz Black. “Seu vice, Rudolf Hess, dizia que o nacional-socialismo não era nada além de biologia aplicada.” Com o carimbo da ciência, ainda que meio falsificado, ficou mais fácil para gente como Julius compactuar com o absurdo nazista.

A 2ª idéia: um ódio ancestral

mein-kampf-adolf-hitler
Mein Kampf ("Minha Luta"), a "bíblia" do nazismo

A eugenia forneceu a base teórica para o assassinato de ciganos, deficientes, homossexuais e outros “inferiores”. Mas por que só um povo foi marcado para o extermínio? Por que os judeus? Essa resposta é ainda mais antiga. “O primeiro anti-semitismo foi o dos romanos, que não toleravam costumes judaicos como oshabat (dia do descanso) e o culto ao Deus único”, escreveu o historiador francês Gerald Messadié em História Geral do Anti-Semitismo.

Quando o Império Romano adotou o cristianismo, no século IV, a perseguição cultural e política virou religiosa. “Esquecendo-se de que Jesus foi judeu, os partidários da Igreja iriam, em nome de Jesus, cobrir os judeus de acusações”, diz Messadié. A maior delas veio em 325, quando a Igreja culpou os judeus pela morte de Cristo, uma acusação só retirada em 1965. A cristandade medieval viu crescer os mitos de que judeus eram aliados do diabo, utilizavam sangue de crianças cristãs e tramavam o domínio do mundo. Muitos judeus se converteram ao cristianismo para não terminar nas fogueiras da Inquisição.

Ou seja, também nesse aspecto, o nazismo não foi novidade, como deixa claro o livro Christian Antisemitism, A History of Hate (“Anti-Semitismo Cristão, Uma História de Ódio”, sem versão no Brasil), de William Nicholls, estudioso da religião da Universidade de British Columbia, Canadá. Nicholls mostra que muitas medidas anti-semitas da lei canônica medieval são reencontradas quase palavra por palavra na jurisdição nazista dos anos 30. Tanto a obrigação do uso de uma insígnia nas roupas quanto as proibições aos cristãos de vender bens, casar ou fazer sexo com judeus já existiam em leis da Igreja do século XIII. Mas o século 19 trouxe uma novidade. Antes, os judeus tinham uma saída, a conversão. Agora, com a eugenia, o anti-semitismo deixou o caráter religioso e incorporou um novo conceito: a raça. A natureza dos judeus agora era imutável e nem se converter os salvaria.

Com a vitória dos nazistas e a fundação do 3º Reich, em 1933, o anti-semitismo pela primeira vez se tornou política de Estado, e a população, convencida pelos mitos medievais, não pareceu se incomodar. O historiador inglês Norman Cohn, da Universidade de Sussex, constatou isso ao ler interrogatórios de ex-membros das SS, as tropas de repressão nazistas. “O genocídio dos judeus foi motivado pela idéia de que eles eram conspiradores decididos a dominar a humanidade – uma versão secularizada da idéia de feiticeiros empregados por Satanás”, afirma Cohn no livro Conspiração Mundial dos Judeus: Mito ou Realidade?.

Daniel Goldhagen, professor de Estudos Sociais e Governamentais da Universidade Harvard, ampliou a pesquisa ao estudar pessoas como Julius, que participaram do assassinato de judeus. “Movidos pelo anti-semitismo, os perpetradores acreditavam que acabar com os judeus era justo, correio e necessário.” Segundo ele, nenhum homem de Julius nem de qualquer outro batalhão foi mono ou mandado a campo de concentração por se recusar a matar judeus. Ou seja, tal ato não era considerado errado naquele lugar e naquela época. No discurso de alguns ideólogos nazistas, era uma medida sanitária. Quase como exterminar ratos.


3ª idéia: o amor à pátria        
Estandarte de Hitler
Estandarte de Hitler

A eugenia emprestou a fachada científica e o anti-semitismo forneceu a motivação, mas os nazistas não teriam feito tanto barulho sem uma 3ª idéia: o nacionalismo. Hitler seguiu as pegadas do primeiro-ministro prussiano Otto von Bismarck, que ajudou a inventar a identidade germânica e, com isso, unificou o então fragmentado país, em 1871, e fundou o 2° Reích. Assim, Bismarck venceu os franceses na Guerra Franco-Prussiana. Tinham se passado 12 anos da publicação de A Origem das Espécies e a Alemanha estava vitoriosa e cheia de entusiasmo. Aí o país se lançou ao imperialismo baseado no “darwinismo social”, declarando sua superioridade sobre os africanos e asiáticos e justificando assim seu direito de dominá-los.

Mas, nos anos 30, o clima era outro: a Alemanha estava deprimida. Perdera a I Guerra e naufragava na desordem, na crise econômica e na desunião. Como Bismarck, Hitler fomentou o nacionalismo. “A utopia hitleriana se baseava em 3 erres: reich (império), raum (espaço) e rasse (raça)”, diz a alemã Marlis Steinert, historiadora do Instituto de Altos Estudos Internacionais de Genebra. Segundo ela, o sonho do reich remontava à lembrança mística de Frederico Barbarossa, senhor do Sacro Império Romano-Germânico, o 1° Reich, que começou por volta de 800 e durou 1000 anos.

Já as noções de espaço e raça vinham do século 19 e simbolizavam o vínculo entre a natureza, a terra e o homem, como cantavam os poetas do romantismo. Hitler queria expandir o território e dar à história alemã seu verdadeiro sentido, devolvendo ao povo seu espaço vital. Ele afirmava que traria de volta os tempos de grande potência e fundaria o 3° Reich. Não é à toa que a investida contra a União Soviética se chamou Operação Barbarossa.

A trilogia dos erres se encaixou na velha ideologia volkisch (“do povo”), arraigada na Alemanha antes da chegada do nazismo. Segundo ela, um povo só floresce se todas suas partes estão saudáveis. É aí que entra a interpretação nazista do socialismo. Afinal, você já deve ter se perguntado por que o partido de Hitler (o Nacional-Socialista) tinha socialismo no nome, se era absolutamente anticomunista. “Para Hitler, o socialismo era a ciência da prosperidade coletiva e nada tinha a ver com marxismo”, afirma Marlis. O “socialismo” dos nazistas tinha esse nome porque supostamente colocava o coletivo (social) acima do indivíduo.

E qual era a principal ameaça a esse ideal nacionalista de um corpo saudável? Os judeus, por não terem um lar nacional. Aos olhos nazistas, eles formavam uma nação internacional e eram portanto mais perigosos que qualquer país estrangeiro, por corroer a Alemanha de dentro, como uma infecção. Em seus discursos, Hitler os acusava de desnacionalizar o Estado e alterar a pureza do sangue ariano para destruir o povo. Ele os chamava ora de comunistas, ora de capitalistas, mas sempre materialistas, em oposição ao idealismo germânico. “Para o pensamento hitlerista, ser socialista é também ser anti-semita porque o socialismo se opõe ao materialismo e protege a nação”, diz Marlis.

Mais uma vez, gente como Julius tinha uma justificativa para matar. Na sua cabeça, era em nome da nação, do coletivo. E, para alguns, fica mais fácil tolerar a injustiça contra indivíduos quando se acredita que o objetivo final é o bem comum.

4ª idéia: a fria modernidade

O Führer
O Führer

“O Holocausto foi executado na sociedade moderna e racional, em nosso alto estágio de civilização e no auge do desenvolvimento cultural humano. Por isso, é um problema da nossa civilização e da nossa sociedade”, diz o sociólogo polonês Zygmunt Baumann, autor de Modernidade e Holocausto. Por isso é tão difícil falar abertamente sobre o assunto. O nazismo diz respeito a nós. Auschwitz é tão ocidental e moderno quanto a calça jeans. O Holocausto foi feito ao modo moderno: racional, planejado, “cientificamente” fundamentado, especializado, burocrático, eficiente.

Os genocidas obedeciam a rotinas de organização. Julius e seus homens fumavam entre os fuzilamentos, como um funcionário de escritório. Relaxavam, batiam papo e voltavam a disparar. Foi com uma solução moderna, os cartões perfurados das máquinas Hollerith da IBM, que os nazistas localizaram suas vítimas. A IBM não só forneceu máquinas, mas idealizou o sistema e prestou assessoria técnica para que tudo funcionasse nos conformes.

Quando os nazistas perceberam que tiros não seriam suficientes para eliminar os 11 milhões de judeus da Europa, recorreram a outra solução moderna, as câmaras de gás, inspiradas nas mais avançadas tecnologias de dedetização. Auschwitz era uma fábrica de matar – tinha capacidade para queimar 4 756 corpos por dia em 5 crematórios. Uma grande “inovação”, se comparada aos métodos usados pelos turcos contra os armênios em 1915: fuzilamento, golpes de clavas e baionetas.

A tecnologia moderna libertou o homem de séculos de domínio da natureza. Graças a ela o homem pela primeira vez acreditou que não era apenas uma “criatura de Deus”, a mercê de Seus desígnios, mas um sujeito capaz de moldar o mundo. Foi justamente o que os nazistas quiseram fazer: mudar a Terra, construir sua utopia. E pretendiam fazer isso do jeito moderno: sem questionamentos morais, em nome do “progresso”.

Ainda assim, não faltaram contradições no casamento entre o nazismo e a modernidade. Hitler usou as técnicas, mas combatia as idéias modernas. Era contra os valores de igualdade, liberdade e democracia emanados pela Revolução Francesa. E, como você vai ver a seguir, quis reinstaurar a Antiguidade grega em pleno século XX.

5ª idéia: a ilusão da beleza

Crianças presas em Auschwitz, a "fábrica da morte"
Criança presas em Auschwitz

Este último componente do nazismo é talvez o mais chocante. Por trás da tragédia do Holocausto e da morte de 50 milhões de pessoas, estava o sonho de criar um mundo mais puro, mais harmonioso – enfim, mais belo. “O nazismo também era estética”, diz o sueco Peter Cohen, diretor do documentário Arquitetura da Destruição. “Pregava que uma nova Alemanha surgiria, mais forte e bonita, num sonho ao qual só os artistas podiam dar forma.”

O 5° elemento do nazismo aflorou da personalidade de seus lideres. Joseph Goebbels, ministro da Propaganda, escrevia romances e peças teatrais e vários outros líderes nazistas eram artistas e escritores. Hitler pintava aquarelas. Com o amigo de infância August Kubizek, ele escreveu uma ópera seguindo uma idéia do compositor Richard Wagner, expoente do romantismo alemão e da escola Volkisch. A trama se passa na Roma medieval e o protagonista é um tal Rienzi, um plebeu que tenta restabelecer a Antiguidade.

O führer parecia decidido a encarnar Rienzi na vida real. Seria ele o artista-príncipe que anunciaria a nova civilização clássica, inspirada na Grécia e em Roma. Tanto que o ditador era também diretor, cenógrafo e protagonista dos comícios nazistas. Ele mesmo desenhou as bandeiras, os estandartes, os uniformes e a temível insígnia da suástica. Quando a guerra começou, ele mandou artistas ao front para pintar as glórias do exército e ordenou a confecção de esculturas gigantescas inspiradas no ideal grego de beleza. Uma dessas esculturas era dele próprio e seria colocada no centro de Berlim, planejada para ser a cidade mais grandiosa do mundo, capital da futura civilização. Hitler tinha uma idéia peculiar sobre arte. Assim como os arianos eram a raça pura, os clássicos eram a arte pura. E a arte moderna seria a equivalente dos judeus (e das ervilhas enrugadas): degenerada. As fileiras nazistas estavam cheias de artistas, mas a classe profissional mais numerosa no partido era a dos médicos.

Tanto uns como outros tinham um sonho em comum: uma sociedade mais “harmônica” e, conseqüentemente, mais “saudável”.

Na vida real, Hitler só encenou o 1° ato de sua ópera. Projetou sua megalômana Berlim e desenhou os esboços de prédios monumentais para várias cidades alemãs. A morte de todos os judeus faria parte desse projeto estético de um mundo mais harmonioso. Felizmente, não deu tempo de terminar nem as obras nem o extermínio. Em 1941 ele percebeu que não venceria. Quanto mais perto da derrota, mais intensificava o genocídio – convencido de que o esforço valeria a pena se pudesse deixar para a posteridade um mundo sem judeus. Apesar da necessidade de logística na guerra, os trens davam prioridade ao transporte de prisioneiros para os campos. “Para Hitler a perda da guerra não significava o fim do nazismo, pois a queda do 3º Reich influenciaria as futuras gerações”, diz Cohen. “O país se reergueria das ruínas. Da derrota total, brotaria uma nova semente.”

Sobrou uma semente?

O sonho de Hitler, felizmente, não se realizou. O nazismo deixou de existir como alternativa política no momento em que a 2a Guerra Mundial acabou. Mas será que ele pode voltar?

“Embora a História se repita, nunca é da mesma maneira. Dificilmente veremos uma situação idêntica à da Alemanha nazista”, diz a escritora e ex-deputada espanhola Pilar Rahola. “Mas não estamos livres da estruturação do nazismo em partidos políticos, como os do austríaco Jorg Haider e do francês Jean-Marie Lê Pen, que camuflam sua ideologia com discursos ultracatólicos”. Cresce também o totalitarismo ideológico, incluindo o de base islâmica. “Não é à toa que terroristas islâmicos têm se conectado com grupos de extrema direita e o próprio Haider é admirador de Bin Laden”, diz Pilar.

Edwin Black diz que a eugenia também está viva e continua definindo o valor do indivíduo com base no seu valor genérico. A diferença é que os eugenistas de hoje não se guiam por bandeiras e sim por dinheiro. De posse de banco de dados com identidades de DNA, agências de emprego e companhias de seguro estão negando serviço a pessoas que têm doenças degenerativas. “Assistimos à aparição de uma subclasse discriminada por sua linhagem ancestral”, afirma. “O Parlamento inglês chamou esse fenômeno de gueto genético.”

Os genocídios tampouco deixaram de existir após o Holocausto. Nos últimos anos, assistimos à morte de 100 mil curdos no Iraque, 200 mil bósnios na ex-Iugoslávia e 800 mil tutsis em Ruanda. Para o escritor israelense Amos Oz, autor de Contra o Fanatismo, ideologias que pregam a superioridade de uns sobre os outros nunca fizeram tanto a cabeça dos jovens. “Quanto mais complicada a vida se torna, mais buscamos respostas simples. E essas respostas às vezes são fanáticas”, diz ele.

O nazismo pode até ter morrido. Mas os seus 5 pilares, as 5 idéias que deram origem a ele, sobreviveram à guerra e aos 60 anos depois dela. O carimbo de “aprovado pela ciência” continua sendo distribuído a esmo, e dando aval a projetos imorais. O racismo e a noção de que os homens são desiguais continuam a ser forças que movem multidões, e o nacionalismo exacerbado anda quase sempre ao lado deles. A ”busca do progresso” e a modernidade continuam sendo argumentos invencíveis, que quase sempre dispensam a ética em nome da eficácia (ou, cada vez mais, do lucro). E as utopias continuam convencendo o homem a desprezar o indivíduo em nome do “moderno”, do “belo” ou do “sonho”. Pelo menos já sabemos no que essa mistura pode dar. É melhor não esquecer.

---------------------------

NOTA MINHA: Todas as idéias elencadas pelo Paulo estão presentes na atualidade.

Idéia 1 (o carimbo da ciência) - Encontra-se nos mais diversos programas estatais de modernização e urbanização acelerada dos espaços, flexibilizando direitos dos povos povos indígenas e dos agricultores familiares em nome de uma idéia racional - científica - de progresso;

Idéia 2 (um ódio ancestral) - Tudo o que o texto aplica aos judeus até 1945, com o fim da Segunda Guerra, vale hoje para povos de religião muçulmana (que, por sinal, são semitas como os judeus). Povos que reagem com ódio à miséria disseminada por multinacionais do petróleo em seus países. O genocídio aos palestinos, por exemplo, é um presente do Estado de Israel ao mundo.

Idéia 3 (o amor à pátria) - Amplamente disseminado pelos mais diferentes espectros partidários. A valorização dos mitos de origem, narrativas sobre heróis valentes que invariavelmente salvam os povos de estrangeiros cruéis/estúpidos/imorais etc servem para legitimar os heróis do presente, criando um elo entre antiguidade e atualidade no imaginário coletivo. O amor à pátria é subproduto desta hipervalorização.

Idéia 4 (a fria modernidade) - O vocábulo específico "modernização" está presente em todos os programas de desenvolvimento (sustentável, evidentemente) dos mais diferentes governos. Especialmente entre os BRIC's (Brasil, Rússia, Índia e China + África do Sul) tornou-se o chamariz para programas de financiamento de megaprojetos do Banco Mundial. Como resultado, culturas morrem e, em seu lugar, a sociedade vai se pasteurizando para produzir mais trabalhadores e mais patrões.

Idéia 5 (a ilusão da beleza) - Todas as épocas históricas tiveram os seus padrões de beleza. Se ilusórias ou não, a discussão é filosófica e sempre autorreferencial (o sujeito analisa segundo os seus valores). A questão se complica quando pessoas perdem os empregos ou são excluídas de alguma forma porque não atendem os requisitos dos padrões de beleza. Isso ocorreu no nazismo e ocorre hoje. E, se ainda não existem guetos para gordos, negros, índios, mendigos, homossexuais e outros tipos tomados como inferiores - como eram os judeus -, os assassinatos são frequentes nas páginas dos jornais. Com muita anuência de todos nós.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Mais de 2,3 milhões morrem por ano por acidentes e doenças no trabalho

Vivian Fernandes, na RadioAgência NP

A cada 15 segundos, um trabalhador ao redor do mundo morre de acidentes ou doenças relacionadas com o trabalho. A OIT lança alerta às vésperas do Dia Mundial da Segurança e Saúde no Trabalho.

Os dados mundiais da Organização Internacional do Trabalho (OIT) são lançados às vésperas do Dia Mundial da Segurança e Saúde no Trabalho, marcado para o próximo domingo (28).
O órgão alerta ainda que 160 milhões de pessoas sofrem de doenças não letais relacionadas ao trabalho. E, 317 milhões de acidentes laborais não mortais ocorrem a cada ano. Isso representa uma média de 115 trabalhadores sofrendo um acidente no trabalho a cada 15 segundos.

Para a OIT, esse quadro é inaceitável. A organização acredita que a falta de prevenção das enfermidades profissionais gera altos custos para toda a sociedade, com impacto na produtividade e no sistema de seguridade social. Além dos já causados às vítimas e seus familiares.

A OIT aposta na prevenção como o melhor método de evitar esses problemas. Este ano, o órgão faz um apelo aos governos, empresas e trabalhadores para desenvolverem políticas e estratégias de prevenção às mortes e doenças relacionadas ao trabalho.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

O que preocupa os norte-coreanos?

Por Gregory Elich, no Resistir.info



As relações entre os Estados Unidos e a Coreia do Norte atingiram um nadir e, na maior parte dos media ocidentais, fala-se da aparentemente irracional retórica dura vinda de que é acusada a Coreia do Norte. Inexplicavelmente, dizem-nos, a Coreia do Norte optou por elevar a tensão.

O que está a faltar nesta imagem do comportamento hostil norte-coreano e da imaculada inocência americana é contexto. Como é frequente, os media apresentam eventos de um modo isolado como se surgissem subitamente e sem qualquer causa.

É preciso olhar para trás no tempo para perceber o que está a perturbar os norte-coreanos. Em meses recentes, a administração Obama deu um certo número de passos que a RDPC (República Democrática e Popular da Coreia, o nome oficial da Coreia do Norte) considerou ameaçadores.

O primeiro passo no caminho do agravamento das relações ocorreu em Outubro de 2012, quando os Estados Unidos concederam à Coreia do Sul uma isenção sob o Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis, a qual permitiu estender o alcance dos seus mísseis balísticos de modo a que pudessem cobrir todo o território da RDPC. [1] Em consequência, houve um conjunto de termos que se aplicavam a todo o país que houvesse aderido ao tratado e um conjunto diferente que se aplicava só à Coreia do Sul, claramente com o propósito de alvejar o seu vizinho do Norte.

Naquele mesmo mês, responsáveis militares dos EUA e Coreia do Sul encontraram-se para a Reunião anual Consultiva de Segurança, onde acordaram mudanças vastas na sua aliança. Ainda mais importante: eles desenvolveram um plano que denominaram "dissuasão sob medida" ("tailored deterrence"), o qual apela a operações militares conjuntas sul-coreanas-estado-unidenses contra a Coreia do Norte num certo número de cenários, incluindo incidentes menores. Qualquer "provocação" por parte da Coreia do Norte é para respondida com força desproporcionada e, segundo responsáveis militares sul-coreanos, "esta estratégia será aplicada tanto em tempo de paz como de guerra". [2]

Uma componente essencial da dissuasão sob medida é uma "cadeia de destruição" ("kill chain") para rastrear e atacar sítios de mísseis norte-coreanos, em que satélites e drones americanos detectam alvos e mísseis e aviões de guerra sul-coreanos eliminam-nos. O plano apela a um ataque antecipativo (preemptive) baseado na percepção de um lançamento iminente de mísseis norte-coreanos. O vice-comandante do Comando Coreia das Nações Unidas, general Jan-Marc Jouas, explicou que mísseis norte-coreanos podiam ser rapidamente alvejados "antes de estarem em posição de serem empregados". [3] Para dizer isso em termos simples, poderia ser lançado um ataque a sítios de mísseis com base em suposições, mesmo quando mísseis norte-coreanos não estivessem numa posição de fogo.

Em 13 de Abril de 2012, a RDPC lançou em órbita um satélite de observação da terra, o que disparou condenações pela administração Obama, com a acusação de ser um teste disfarçado de míssil balístico. Resoluções da ONU proíbem a Coreia do Norte de testar mísseis balísticos, mas Pyongyang argumentou que enviar um satélite para o espaço não é a mesma coisa que efectuar um teste de míssil balístico. Peritos em tecnologia de mísseis tendem a concordar, destacando que ao míssil lançado pela RDPC faltava o desempenho para servir de ICBM e que a rota do seu voo adoptou uma viragem aguda para evitar voar sobre Formosa e as Filipinas, uma acção que é contra-producente para um teste de míssil balístico. [4]

Vasos navais sul-coreanos conseguiram recuperar destroços do míssil norte-coreano. Análises efectuadas mostravam que um motor pequeno com um baixo impulso de 13 a 14 toneladas propulsionaram o segundo estágio. O engenheiro aeroespacial Marcus Schiller, baseado de Munique, informou que um segundo estágio de baixo impulso e queima longa, tal como o utilizado pelos norte-coreanos, é precisamente a concepção necessária para um lançados de satélite. Tal concepção é necessária para atingir uma altitude suficientemente elevadas para colocar um satélite em órbita. Essa concepção, contudo, é inadequada para um teste de míssil balístico, pois ela faria perder mais de 1000 km de alcance. Para testar um míssil balístico, o segundo estágio deveria ter a concepção oposta, tendo um alto impulso e tempo de queima curto. Schiller conclui que relatos dos media ocidentais de que o satélite norte-coreano serviu como teste de míssil balístico "não são verdadeiros". [5]

Michael Elleman, analista de segurança do International Institute for Strategic Studies, observa que os resultados de um lançamento de satélite "têm aplicação limitada para mísseis balísticos", pois só fracções das questões em causa podem ser testadas. "Outras exigências, mais notavelmente tecnologias de re-ingresso e exigências de flexibilidade operacional, não podem ser tratadas adequadamente por lançamentos de satélites". Elleman informa que por estas e outras razões, lançamentos de mísseis com satélite pela Coreia do Norte "não são um substituto para o teste de mísseis balísticos". [6]

Curiosamente, no mesmo dia em que a Coreia do Norte lançou o seu satélite para o espaço, a Índia, outra potência nuclear, testou o disparo de um míssil balístico sem que responsáveis americanos expressassem uma queixa. [7] Os Estados Unidos não estão faltos de engenheiros aeroespaciais e responsáveis dos EUA certamente estavam consciente de que o lançamento do satélite da Coreia do Norte não podia tecnologicamente ser interpretado como um teste de míssil balístico disfarçado. Parece que a administração Obama deliberadamente optou por falsear a natureza do lançamento a fim de promover os seus próprios fins políticos.

O lançamento do satélite proporcionou à administração Obama uma oportunidade para endurecer o nó corrediço em torno da Coreia do Norte e, após negociações extensas, conseguiu pressionar uma resolução no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Como explicou a porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Victoria Nuland, a intenção da administração Obama era "continuar a aumentar a pressão sobre o regime norte-coreano. E estamos a procurar a maneira de melhor fazer isso, a avançar tanto bilateralmente como com nossos parceiros. Até que eles obtenham a mensagem, vamos ter de continuar a fomentar o isolamento deste regime". [8]

Com a aprovação da resolução 2087 de 22/Janeiro/2013 do Conselho de Segurança da ONU, novas sanções foram impostas à Coreia do Norte, apesar do facto de que o tratado internacional do espaço exterior garante o direito de explorar o espaço a "todos os estados sem discriminação de qualquer espécie". [9]

A Coreia do Norte reagiu furiosamente por ser discriminada como o único país sobre a terra ao qual é negado o direito de lançar um satélite. A RDPC não tendia a anuir à imposição de sanções adicionais, quando a sua economia já estava a cambalear com as sanções existentes. Um porta-voz da RDPC destacou que ao forçar a resolução no Conselho de Segurança, os Estados Unidos haviam violado a Carta das Nações Unidas, a qual declara que "a Organização é baseada no princípio da igualdade soberana de todos os seus membros".

Falando nas Nações Unidas, o delegado da RDPC, So Se Pyong, declarou: "Houve não menos de 2000 testes nucleares e pelo menos 9000 lançamentos de satélite no mundo desde que a ONU existe, mas nunca houve uma única resolução do seu Conselho de Segurança que proibisse testes nucleares e lançamentos de satélites". Acrescentando que o Estados Unidos havia executado mais testes nucleares e lançamentos de satélite do que qualquer outro país, o delegado disse que não deveria ser permitido aos Estados Unidos bloquearem a Coreia do Norte exercerem o seu direito "a utilizar o espaço para fins pacíficos", nem utilizar as Nações Unidas "como uma ferramenta para executar a sua política hostil para com a RDPC". [10]

Sem qualquer surpresa, a Coreia do Norte optou por exprimir a sua resistência à agressividade da política estado-unidense efectuando o seu terceiro teste nuclear em 12 de Fevereiro de 2013. Vários dias depois, numa aparente referência ao Iraque e à Líbia, os media norte-coreanos recordaram os destinos que haviam acontecido àqueles países que haviam abandonado suas armas nucleares em resposta à pressão estado-unidense. Estes exemplos, acrescentavam, "ensinam a verdade de que a chantagem nuclear dos EUA deveria ser contida com contra-medidas substancial, não com compromisso ou retirada". [11]

Um dia após o teste nuclear, o Ministério da Defesa Nacional sul-coreano anunciou que havia instalado mísseis de cruzeiro capazes de atingir qualquer lugar na Coreia do Norte e que aceleraria o desenvolvimento de mísseis balísticos de alcance semelhante. Além disso, a implementação da cadeia de destruição (kill chain) seria acelerada. [12] Planeada originalmente para estar completa em 2015, a cadeia de destruição está agora em vias de estar instalada no fim deste ano. [13]

Enquanto decorriam discussões no Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre a imposição de sanções adicionais à Coreia do Norte, a União Europeia avançou com o seu próprio conjunto de medidas, incluindo uma proibição de comércio com entidades públicas norte-coreanas e de comércio com títulos públicos da RDPC. A UE também aplicou uma proibição à abertura de bancos europeus na RDPC e de bancos norte-coreanos estabelecerem uma agência na UE. [14]

Levou mais de três semanas para negociar uma resolução do Conselho de Segurança da ONU em resposta ao teste nuclear norte-coreano. A questão mais contenciosa era incluir ou não o Capítulo 7, Artigo 42, o qual teria autorizado imposição militar. Tanto os Estados Unidos e a Coreia do Sul argumentaram fortemente pela sua inclusão. Outra questão difícil era a inspecção de navios cargueiros norte-coreanos e houve discussão extensa antes de os Estados Unidos e a China acordarem na extensão de inspecções. [15]

Os chineses recusaram-se a acordar na imposição militar, certamente temendo que isso aumentaria o risco de guerra. Nem acompanharam algumas das medidas mais duras que os Estados Unidos haviam incluído, como uma lista de desejos na sua minuta. [16] A imposição militar teria sido particularmente perigosa, dada história de como o Artigo 42 serviu de caminho para os Estados Unidos travarem guerra.

Embora os Estados Unidos não obtivessem tudo o que queriam, a aprovação da Resolução 2094 em 7 de Março de 2013 pelo Conselho de Segurança da ONU atingiu muitos dos objectivos que advogavam. A resolução exige a todos os países que inspeccionem navios e aviões norte-coreanos que forem suspeitos de transportarem bens proibidos. Restrições fortes são aplicada a operações bancárias norte-coreanas. É ordenado a países que impeçam indivíduos norte-coreanos de transferirem volume de dinheiro (bulk cash), incluindo pessoal diplomático, que passam a estar sujeitos a "vigilância agravada" em violação da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas. [17] Ao visar diplomatas norte-coreanos para vigilância, buscas e detenção, os Estados Unidos têm como objectivo eliminar um dos poucos meios remanescentes que a RDPC tem para envolver-se em transacções monetárias internacionais. As sanções bancárias da ONU e dos Estados Unidos fizeram com que a maior parte dos bancos internacionais ficassem pouco desejosos de ter transacções com a Coreia do Norte, forçando a RDPC a efectuar grande parte do seu comércio exterior na base de cash.

É a medida de restringir negócios de bancos com a Coreia do Norte que promete infligir o maior dano à economia norte-coreana. "Perseguir o sistema bancário de um modo universal é comprovadamente a coisa mais forte na lista", observa antigo responsável do Departamento de Estado J. R. Revere. "Isto começa a morder na capacidade da Coreia do Norte para financiar muitas coisas". [18] Primariamente o comércio normal, dever-se-ia notar.

Poucos dias depois, o Departamento do Tesouro dos EUA avançou com as suas próprias sanções, proibindo transacções entre o Foreign Trade Bank da Coreia do Norte e indivíduos e negócios estado-unidenses, e colocando um congelamento sobre activos mantidos sob jurisdição dos EUA. O Foreign Trade Bank, destaca o Departamento do Tesouro, é "o banco primário do intercâmbio externo da Coreia do Norte". [19] A proibição efectivamente impede bancos e empresas em outros países de comerciarem com o Foreign Trade Bank, por temor de serem excluídos do contacto com o sistema financeiro dos EUA. "Quando há um banco estrangeiro com que bancos dos EUA não estejam a fazer negócios, bancos em outros países começam a evitar transacções com ele", observa um especialista financeiro. "Eles ficam preocupados acerca de sofrerem eles próprios as consequências". Tipicamente, o comércio internacional está baseado no dólar, exigindo transacções a processar através do sistema financeiro estado-unidense. Por essa razão, "bancos chineses não vão ser capazes de ajudar a Coreia do Norte", acrescenta o analista financeiro. [20]

Pelo seu lado, a Coreia do Sul adoptou políticas que agravam o perigo de guerra. Segundo um responsável militar sul-coreano, "Foi dada aos comandantes a autoridade para actuarem primeiro à vontade no caso de uma provocação norte-coreana para infligir uma retaliação que é mais de dez vezes tão dura quanto o nível da provocação". [21] O Director de Operações do Estado Maior das Forças Armadas, Kim Yong-hyon, declara que em resposta a um incidente as forças armadas sul coreanas "punirão resolutamente não só a origem da provocação como também suas forças que comandam". [22] Não é preciso muita imaginação para reconhecer como tal política tem o potencial para transformar uma escaramuça menor numa guerra.

Os Estados Unidos e a Coreia do Sul assinaram recentemente um plano de contra-provocação, no qual forças estado-unidenses são comprometidas a providenciar apoio quando forças sul-coreanas ataquem um alvo norte-coreano. O plano esclarece acções que devem ser tomadas como resposta a vários cenários. De acordo com um responsável militar sul-coreano, ele leva em conta a política sul-coreana "a qual apela ao lançamento de contra-ataque não só para a origem da provocação como também a forças que a apoiam e seus comandantes". Em alguns cenários "armas estado-unidenses podiam ser mobilizadas para retaliar em águas territoriais e solo da Coreia do Norte". [23] O plano de contra-provocação requer à Coreia do Sul consultas com os Estados Unidos antes de entrar em acção, mas se Seul requerer assistência os Estados Unidos não podem recusar-se a tomar parte em operações militares. [24]

Numa poderosa demonstração destinada a intimidar a Coreia do Norte, os Estados Unidos e a Coreia do Sul começaram o seu exercício militar anual Resolução Chave (Key Resolve) em 11 de Março, sobrepondo-se ao exercício militar de dois meses Foal Eagle que começou a primeiro de Março. Durante o exercício, bombardeiros B-52 com capacidade nuclear decolaram de Guam e praticaram o despejo de munições na Coreia do Sul. [25] Os comandantes estado-unidenses sabiam que esta acção inflamaria sensibilidades norte-coreanas, dadas as dolorosas memórias que os norte-coreanos têm da Guerra da Coreia, quando bombardeiros estado-unidenses executaram uma política de terra queimada e arrasaram toda cidade norte-coreana até ao solo.

Os Estados Unidos mais uma vez agravaram a pressão sobre a RDPC com o envio do submarino USS Cheyenne, movido a energia nuclear, equipado com mísseis Tomahawk, para participar no Foal Eagle. [26] Logo após, bombardeiros B-2 Stealth voaram sobre a Coreia do Sul em exercícios militares. "Como o B-2 tem a função de invisibilidade ao radar, ele pode penetrar a defesa anti-aérea para lançar armas convencionais e nucleares", comentou um responsável militar. "É a arma estratégica mais temida pela Coreia do Norte". [27] O B-2, dever-se-ia notar, é o único avião capaz de entregar a bomba Massive Ordnance Penetrator de 30 mil libras [13.590 kg], a qual pode perfurar através de 200 pés [61 m] de betão antes de detonar. O avião também pode transportar múltiplas armas nucleares. Continuando a escalar a demonstração de força, os Estados Unidos enviaram a seguir aviões de combate F-22 Stealth à Coreia do Sul. [28] O governo sul-coreano pediu aos Estados Unidos para não mostrar os aviões em público porque isso seria uma provocação desnecessária à Coreia do Norte. O pedido foi desatendido pelos Estados Unidos. [29]

Num aumento do arsenal sul-coreano, os Estados Unidos aprovaram a venda de 200 bombas destruidores de bunkers, adequadas para alvejar instalações subterrâneas norte-coreanas. Os planos exigem que as bombas seja instaladas até o fim do ano. [30] A Coreia do Sul também planeia comprar à Europa 200 mísseis de cruzeiro Taurus, lançados do ar, os quais são capazes de penetrar até seis metros de betão reforçado. [31]

Como parte do seu planeamento para contingências futuras, os Estados Unidos constituíram uma organização militar responsável pela entrada na Coreia do Norte e captura de instalações e armas nucleares no caso de uma crise na RDPC. Naquele cenário, as forças dos EUA também prenderiam "figuras chave" e reuniriam informação classificada. Não foi revelado quais indivíduos norte-coreanos seriam sujeitos a prisão pelas forças dos EUA. A força seria composta por forças armadas dos EUA, operacionais de inteligência e pessoal anti-terrorismo. Um ensaio de imitação a implementar o plano fez parte dos exercícios Key Resolve recentemente concluídos. [32]

Tendo feito tudo para provocar os norte-coreanos, a administração Obama agarrou a oportunidade para apontar a sua reacção como justificação para instalar uma lista de desejos (wish list) de hardware anti-míssil. O Pentágono anunciou que estacionaria 14 interceptadores de mísseis adicionais em Fort Greely, Alasca e prosseguiria com o seu plano de colocar um segundo radar anti-míssil no Japão. [33] Uma bateria Terminal High-Altitude Area Defense (THAAD) é prevista ser exibida em Guam na sua primeira instalação, [34] e a plataforma SBX-1 X-Band Radar com base no mar está a mover-se para o Pacífico ocidental, que a Marinha diz poder ser o primeiro de outros posicionamentos navais. [35]

O Wall Street Journal relata que o espectáculo de força militar foi planeado antecipadamente, no que a administração Obama denominou "o manual de estratégia" ("the playbook"). Os Estados Unidos actuaram com intenção deliberada de ameaçar a Coreia do Norte. Segundo o artigo, a administração decidiu colocar o manual em "pausa" só quando os media revelaram a deslocação de dois destróiers com mísseis guiados para o Pacífico ocidental e foi sentido que talvez esta notícia arriscasse pressionar os norte-coreanos demasiado longe. O posicionamento dos destróiers, como foi dito, não era para ser publicitado. Os próximos passo no manual foram adiados. [36] Também foi informado que os Estados Unidos adiarão um voo de teste de um Minuteman ICBM em um mês a fim de não aumentar tensões.

A percepção que a administração Obama pretende transmitir ao público americano e mundial, portanto, é que os Estados Unidos estão a actuar responsavelmente a fim de neutralizar a situação. Um alto responsável da defesa, entretanto, disse: "Não havia ordem de segredo da Casa Branca" em relação ao posicionamento dos destróiers. Além disso, hardware militar recentemente posicionado não foi retirado, ao passo que o exercício combinado em grande escala dos EUA-Coreia do Sul, Foal Eagle, no degrau da porta da Coreia do Norte continua sem pausa. [37]

Apesar das afirmações de que está a amortecer suas acções, a administração Obama está a fazer o oposto. Responsáveis dos EUA dizem que não pretendem entrar novamente em combate com a RDPC. [38] A dissuasão sob media e a cadeia de destruição estão em programação acelerada, colocando a Península Coreana à beira da guerra. Enquanto isso, os Estados Unidos estão a trabalhar arduamente para persuadir outros países a sancionarem o Foreign Trade Bank da RDPC e estão a considerar outros meios pelos quais possam levar a Coreia do Norte ao colapso económico. Um responsável anónimo do Departamento de Estado dos EUA observou que ainda havia espaço para a ampliação de sanções. "Não sei o que acontecerá, mas não alcançámos o limite, ainda há espaço para mais, e temos de tentar". [39]

Responsáveis dos EUA pediram à União Europeia para sancionar o Foreign Trade Bank e novas discussões são expectáveis de acordo com estas linhas. [40] O Japão e a Austrália já concordaram e juntar-se aos Estados Unidos no sancionamento do banco, tanto o responsável do Departamento do Tesouro David Cohen como o secretário do Tesouro Jack Levy pediram à China para fazer o mesmo. [41] O presidente Obama fez um telefonema pessoal ao presidente chinês Xi Jinping, instando-o a sancionar o Foreign Trade Bank e responsáveis dos EUA continuam a pressionar a China, insistindo em que se a China não "tomar posição" sobre a Coreia do Norte os EUA aumentarão suas forças militares na Ásia. [42]

Essa consequência, os chineses certamente percebem, seria voltada tanto contra eles como contra a Coreia do Norte. A opção que a administração Obama está a oferecer é que os chineses possam ou observar os Estados Unidos expandirem sua militarização da região e endurecerem o seu cerco da China, ou dobrarem-se à pressão americana e cooperarem provocando a ruína económica da Coreia do Norte. É provável que ao escolher a última opção os chineses venham a descobrir que os Estados Unidos não têm intenção de reduzir seu eixo central na Ásia e a sua presença militar na região cresceria sem dificuldades.

Uma fonte diplomática revela que quer a China concorde ou não em acompanhar os pedidos estado-unidenses, o efeito sobre a economia da Coreia do Norte pode ser o mesmo. "O que o governo dos EUA está à procura de aplicar pressão psicológica sobre bancos chineses. Se bancos dos EUA evitarem transacções com bancos chineses que têm laços com bancos norte-coreanos na lista negra ou outras entidades, isso podia levar a efeitos semelhantes àqueles das sanções do boicote secundário". [43]

Sem qualquer dúvida, os responsáveis e os media norte-coreanos têm estado a emitir proclamações de cortar o fôlego, a efectuar acções como cortar a linha telefónica militar com a Coreia do Sul, a anunciar a intenção de reiniciar o reactor nuclear de Yongbyon e a encerra temporariamente o Complexo Industrial de Kaesong, o que parece exacerbar tensões de forma imprudente. Contudo, há lógica no seu comportamento. A administração Obama nunca quiz negociar com a Coreia do Norte e, claramente, pretende efectuar mudança de regime quando acumula sanções sobre sanções e desenvolve planos militares que ameaçam a existência da RDPC. Com efeito, acções dos EUA encorajaram a Coreia do Norte a desenvolver um programa de armas nucleares como seu único dissuasor realista contra ataques, dada a tecnologia obsoleta do seu armamento convencional.

Entretanto, responsáveis norte-coreano sabem que os EUA sabem que eles não têm uma arma nuclear utilizável, nem têm um veículo de entrega adequado. A RDPC tem opções limitadas e, por agora, responsáveis norte-coreanos aparentemente sentem que têm apenas duas opções. Podem ou aceitar docilmente ciclo após ciclo de punição enquanto testemunham desamparadamente o dano crescente à sua economia e as ameaças à sua nação, ou podem reforçar a sua retórica como meio de enviar uma mensagem aos Estados Unidos. Essa mensagem é de que se o Estados Unidos atingirem a Coreia do Norte obterão uma resposta mais forte do que esperam, que deveriam pensar duas vezes antes de atacar e que quanto mais os Estados Unidos exercerem pressão, mais a RDPC resistirá.

Infelizmente, isto produz um ciclo de realimentação (feedback loop), em que quanto mais os Estados Unidos punem a RDPC, mais fortemente os norte-coreanos resistem e, quanto mais resistem, mais punição vem a seguir. O único meio aparente de sair deste impasse é um processo de paz, mas a administração Obama permanece obstinadamente oposta a negociações.

O analista de assuntos internacionais Chen Qi, da Universidade Tsinghua, destaca que os Estados Unidos "não respeitaram as preocupações de segurança da RDPC e que está é a razão porque a questão nuclear na Península Coreia não foi resolvida". Chen sugere que "Washington pode querer que a questão nuclear de Pyonyang seja resolvida porque proporciona uma desculpa para a instalação de sistemas anti-mísseis e penetrações militares na região, as quais estão alinham-se com o seu reequilíbrio militar no Extremo Oriente". [44] Os responsáveis dos EUA, deveria ser mantido em mente, nunca esconderam o seu desejo de provocar mudança de regime na Coreia do Norte, sem se importar com os perigos dessa política.

Uma mudança na política estado-unidense pode nunca acontecer a menos que a Coreia do Sul abra o caminho com firmeza e isso é uma perspectiva improvável no presente. Uma tal mudança pode ter de esperar cinco anos, quando a próxima eleição presidente tiver lugar na Coreia do Sul. Isto é um longo tempo, dados os planos estado-unidenses para elevar tensões na Península Coreana. Se a Coreia do Sul não demonstrar liderança para uma abordagem alternativa antes disso, a questão é por quanto tempo tensões podem ferver sem transbordar uma crise perigosa.
NOTAS
1 http://www.counterpunch.org/2012/10/18/militarizing-south-korea/

2 http://www.kpolicy.org/documents/interviews-opeds/ 121204gregoryelichmappingthefutureussk.html

3 http://www.kpolicy.org/documents/interviews-opeds/ 121204gregoryelichmappingthefutureussk.html

4 http://www.globalresearch.ca/putting-the-squeeze-on-north-korea/53216

5 David Wright, "Markus Schiller's Analysis of North Korea's Unha-3 Launcher," All Things Nuclear, February 22, 2013.

6 Michael Elleman, "Prelude to an ICBM? Putting North Korea's Unha-3 Launch into Context," Arms Control Association, March 2013.

7 http://www.globalresearch.ca/putting-the-squeeze-on-north-korea/5321689

8 http://www.globalresearch.ca/putting-the-squeeze-on-north-korea/5321689

9 http://www.oosa.unvienna.org/oosa/SpaceLaw/outerspt.html

10 "DPRK Delegate Makes Speech at UN Special Committee Session," KCNA, February 23, 2013.

Stephanie Nebehay, "North Korea Blames U.S. for Tension on Peninsula," Reuters, February 27, 2013.

11 "Nuclear Test, Part of DPRK's Substantial Countermeasures to Defend its Sovereignty: KCNA Commentary," KCNA, February 21, 2013.

12 Kim Eun-jung, "S. Korea Beefs Up Integrated Air and Missile Defense," Yonhap, February 13, 2013.

Kim Hee-jin, "Military Deploys Cruise Missiles in Reaction to North," JoongAng Ilbo, February 14, 2013.

13 "S.Korea, US to Discuss Stopping NK's Nuclear Program," Dong-A Ilbo, February 21, 2013.

14 Adrian Croft, "EU to Tighten Sanctions on North Korea after Nuclear Test," Reuters, February 15, 2013.

15 Lee Chi-dong, "'Strongest Sanctions' on NK, Output of Artful U.N. Diplomacy," Yonhap, March 8, 2013.

"S. Korea Seeks U.N. Resolution with Military Means Against N. Korea," Yonhap, February 15, 2013.

Park Hyun and Park Min-hee, "US and China Butting Heads over North Korea," Hankyoreh, February 15, 2013.

16 Peter Ford, "China Agrees to Sanction North Korea, but How Far will it Go?," Christian Science Monitor, March 6, 2013.

17 Security Council SC/10934, "Security Council Strengthens Sanctions on Democratic People's Republic of Korea in Response to 12 February Nuclear Test," UN Security Council, March 7, 2013.

Park Hyun, "UN Expected to Pass Exceptionally Tough Sanctions on North Korea," Hankyoreh, March 7, 2013.

18 Rick Gladstone, "U.N. Resolution to Aim at North Korean Banks and Diplomats," New York Times, March 5, 2013.

19 Press Release, "Treasury Sanctions Bank and Official Linked to North Korean Weapons of Mass Destruction Programs," U.S. Department of Treasury, March 11, 2013.

20 Park Hyun, "New Unilateral US Sanctions Target North Korean Banks," Hankyoreh, March 14, 2013.

21 Kim Kui-kun, "North's Threat Offensive…Signing of 'ROK-US Counter Provocation Plan' Delayed," Yonhap, March 12, 2013.

22 Yi Yong-chong, "Secures Coordinates for a Commander's Office of the North; If Missile Launched Against It," JoongAng Ilbo, March 11, 2013.

23 Song Sang-ho, "Korea, U.S. Set Up Plan to Counter N.K. Provocation," Korea Herald, March 24, 2013.

24 Hong Jin-su, "U.S. Military Will Intervene Under Certain Conditions Following North Korean Provocation," Kyunhyang Shinmun, March 25, 2013.

25 Lee Chi-dong, "B-52 Bombers in Korea Show U.S. Defense Commitment: Pentagon," Yonhap, March 19, 2013.

26 Kang Seung-woo, "Nuclear Sub Joins ROK-US Joint Naval Drill," Korea Times, March 20, 2013.

27 Kim Eun-jung, "U.S. B-2 Stealth Bomber Conducts First Drill in Korea," Yonhap, March 28, 2013.

28 Paul Eckert, "U.S. Stealth Jets Join South Korea Drills Amid Saber-Rattling," Reuters, March 31, 2013.

29 "F-22 Stealth Jets Join Drills in S.Korea," Chosun Ilbo, April 2, 2013.

30 Kim Eun-jung, "U.S. B-2 Stealth Bomber Conducts First Drill in Korea," Yonhap, March 28, 2013.

Song Sang-ho, "B-2 Stealth Bombers Conduct Firing Drills on Peninsula," Korea Herald, March 28, 2013.

31 "S.Korea to Buy Bunker-Buster Missiles from Europe," Chosun Ilbo, April 4, 2013.

32 "Pres. Park Urges Preventing NK from 'Daring' to Launch Attack," Dong-A Ilbo, April 3, 2013.

"'US Organ to Take Over NK Nuke Facilities in Case of Crisis," Dong-a Ilbo, March 7, 2013.

33 Kate Brannen, "North Korea Sparks Missile Defense Upgrade in Alaska," Politico, March 15, 2013.

Phil Stewart and David Alexander, "U.S. to Bolster Missile Defenses to Counter North Korea Threat: Hagel," Reuters, March 15, 2013.

34 Julian E. Barnes and Adam Entous, "With an Eye on Pyongyang, U.S. Sending Missile Defenses to Guam," Wall Street Journal, April 3, 2013.

35 Barbara Starr, Jethro Mullen and K.J. Kwon, CNN, April 1, 2013.

36 Adam Entous and Julian E. Barnes, "U.S. Dials Back on Korean Show of Force," Wall Street Journal, April 3, 2013.

37 Kevin Baron, "Who Exactly Ordered Those Destroyers Against Korea?," The E-Ring (Foreign Policy), April 4, 2013.

38 Jay Solomon and Julian E. Barnes, "North Korea Warned," Wall Street Journal, March 29, 2013.

39 Adrian Croft, "U.S. Wants EU to Put North Korean Bank on Sanctions List," Reuters, March 25, 2013.

40 Adrian Croft, "U.S. Wants EU to Put North Korean Bank on Sanctions List," Reuters, March 25, 2013.

41 Antoni Slodkowski and Warren Strobel, "Japan, Australia to Sanction North Korean Bank as Part of U.S.-Led Crackdown," Reuters, March 26, 2013.

"U.S. Urges Nations to Cut North Korea's Financial Link," CBS News, April 5, 2013.

42 Mark Landler, "Detecting Shift, U.S. Makes Case to China on North Korea," New York Times, April 5, 2013.

43 Lee Chi-dong, "U.S. Officials Discussing Iran-Style Sanctions on N. Korea: Source," Yonhap, March 20, 2013.

44 Scott Murdoch, "Beijing Tells US to Tone Down North Korea Threats," The Australian, February 19, 2013.

Jornalista norte-americano, o autor deste artigo integra o Conselho de Diretores do Jasenovac Research Institute , o Conselho Consultivo do Korea Policy Institute e da Korea Truth Commission, e é autor do livro Strange Liberators: Militarism, Mayhem, and the Pursuit of Profit.

O artigo original encontra-se em www.counterpunch.org/2013/04/09/whats-annoying-the-north-koreans/

terça-feira, 2 de abril de 2013

Quase 50 anos do Golpe de 1964: nada a comemorar!

Caio Toledo, no Blog da Boitempo

Na data em que o imaginário popular consagra como o “dia da mentira”, 49 anos atrás era rompida a legalidade democrática instituída no Brasil com a Constituição de 1946. Hoje, a quase totalidade das entidades da sociedade civil (de empresários industriais e rurais, de banqueiros, de grupos religiosos e culturais, da grande imprensa etc.) que conspirou, endossou e promoveu a derrubada do governo democrático de João Goulart (1961-1964) não festejará o golpe civil-militar de 1964. Nestes dias, na grande imprensa brasileira que apoiou o golpe de 1964 (e, por alguns anos, atuou como aparelho ideológico da ditadura militar) – entre eles, os jornais O Globo, O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo, Jornal do Brasil –, nenhum editorial será publicado para render homenagem à ação dos militares golpistas. (Nem mesmo, a Folha de S. Paulo se atreverá a afirmar, como fez em seu editorial de 17/02/2009, que o regime de 1964 – comparado com as ditaduras da Argentina e do Chile – teria sido uma “ditabranda”…)

Provavelmente, apenas alguns reduzidos setores das Forças Armadas – em especial, os oficiais da reserva –, promoverão, em recintos fechados, encontros para lembrar a “Revolução redentora” de 31 de março de 1964. O fato é que nem mesmo blogueiros porta-vozes da direita civil brasileira – entre eles, alguns jornalistas de Veja, O Globo, Estadão etc. –, evocarão essa data como o dia em que a democracia brasileira teria sido salva da “corrupção”, da “subversão política” e da “ameaça comunista”.

Pode ser afirmado que na “guerra de narrativas” sobre o significado e a natureza deste crucial evento da história política brasileira, os “vitoriosos de abril”, gradativamente, tornaram-se os “perdedores” da luta ideológica. Hoje, as representações políticas e simbólicas dominantes nos meios editoriais, políticos e culturais consagram que 1964 não foi uma Revolução, mas um movimento golpista; ou seja, 1964 foi (a) um golpe que impediu a ampliação da democracia política brasileira nos anos 1960; (b) um golpe contra as reformas sociais e políticas e (c) um golpe contra a politização dos trabalhadores e o promissor debate de ideias que, de norte a sul, intensamente ocorria do país no pré-1964.

Em síntese, hoje, prevalece a compreensão de que nos “tempos de Goulart as classes dominantes (nacionais e internacionais) e seus aparelhos ideológicos e repressivos” – diante das iniciativas e reivindicações dos trabalhadores (das zonas rurais e urbanas) e de setores das camadas médias –, alardeavam a “subversão da lei e da ordem”, a “quebra da disciplina e hierarquia” dentro das Forças Armadas, a “crise de autoridade” do governo Goulart e, de forma ainda mais dramática, a “comunização do país”. Convenhamos que, por vezes expressas através duma retórica “radical” (“reformas na lei ou na marra”, “forca aos gorilas!” etc.), as reivindicações por mudanças socioeconômicas e as demandas políticas da época visavam, fundamentalmente, o alargamento da democracia política e a realização de reformas no capitalismo brasileiro.

Contra algumas formulações “revisionistas” que, hoje, insinuam “tendências golpistas” por parte do governo João Goulart ou das “esquerdas radicais”, devemos enfatizar que quem planejou, articulou e desencadeou o golpe contra a democracia política foi a alta hierarquia das Forças Armadas – incentivada e respaldada pelo empresariado (industrial, rural, financeiro, grande imprensa e empresas multinacionais) – bem como alguns setores das classes médias brasileiras (entidades e associações femininas católicas, de pequenos comerciantes etc.) Está amplamente documentado que, desde 1961 – antes, pois, da chamada “agitação” ou “subversão” das esquerdas –, alguns desses setores começaram a se organizar política e ideologicamente para inviabilizar o governo João Goulart. A ampla mobilização democrática pelas reformas sociais e políticas, apoiada pelo executivo, teve como efeito a ampliação da conspiração civil-militar e o amadurecimento da decisão dos golpistas de decretar o fim do regime político de 1946.

Destruindo as organizações políticas e reprimindo os movimentos sociais de esquerda e progressistas, o golpe foi saudado pelas associações representativas do conjunto das classes dominantes, pela alta cúpula da Igreja católica, pelos grandes meios de comunicação etc. como uma autêntica “Revolução redentora”. Por sua vez, a administração norte-americana de Lyndon Johnson (1963-1969) – que ficou poupada de fornecer o apoio bélico e logístico aos golpistas –, congratulou-se com os militares e civis brasileiros pela rapidez e eficácia da “ação revolucionária”. Para satisfação do Pentágono, da CIA, da Embaixada norte-americana, das empresas multinacionais e do Vaticano, uma “grandiosa Cuba” ao sul do Equador tinha sido evitada!

Embora fosse visto positivamente pelos trabalhadores, pelas baixas classes médias e suas entidades políticas, o governo João Goulart ruiu como um “castelo de areia”. Dois de seus principais pilares de apoio, como apregoavam os setores nacionalistas, mostraram ser autênticas “peças de ficção”. De um lado, o propalado “dispositivo militar” que seria comandado pelos chamados “generais do povo”; de outro, o chamado “quarto poder” que estaria representado pelo Comando Geral dos Trabalhadores (CGT). A rigor, ambos assistiram, passivamente, a queda inglória de um governo a quem juravam, até 24 horas antes, fidelidade até a morte!

Desorganizadas e fragmentadas, as entidades progressistas e de esquerda – muitas delas subordinadas ou tuteladas pelo governo Goulart – não ofereceram qualquer resistência à quartelada militar. Sabe-se que, às vésperas de abril, algumas lideranças de esquerda afirmavam que os golpistas, caso atrevessem quebrar a ordem constitucional, teriam as “cabeças cortadas”. Mas, como mostraram os “duros fatos da vida”, tudo não passava de uma trágica e cortante metáfora. Com a ação dos “vitoriosos de abril”, a retórica, no entanto, tornou-se, após 1º. de abril, uma cruel realidade para muitos homens e mulheres durante os longos e sombrios 21 anos da ditadura militar.

49 anos depois, nada há, pois, a comemorar. O golpe de 1964 foi um infausto acontecimento, pois implicou efeitos perversos e nefastos ao processo de desenvolvimento econômico, político e cultural do Brasil (que, sabemos, ainda se refletem nos tempos presentes). Decorridos 49 anos do golpe, o conjunto da sociedade brasileira repudia a data; no entanto, os democratas progressistas não podem se contentar com a derrota que os golpistas sofreram no plano ideológico e cultural.

Neste sentido, os progressistas não podem se calar diante da realidade de que o regime democrático vigente no Brasil ainda não fez plena justiça às vítimas da ditadura militar; devem, pois, se empenhar com todas suas forças e inteligência para que a verdade sobre os fatos ocorridos entre 1964 e 1985 seja plenamente conhecida. Tendo em vista que o “direito à justiça” e o “direito à verdade” são condições e pressupostos de um regime democrático, não se pode senão concluir que a democracia política no Brasil contemporâneo não é ainda uma realidade sólida e consistente.

***
 
Caio Toledo é professor aposentado da Unicamp. Graduado em filosofia pela USP em 1968 e doutor pela UNESP em 1974, atualmente integra o comitê editorial do blog marxismo21. Organizou, entre outros, 1964: visões críticas do golpe – democracia e reformas no populismo. Colabora com o Blog da Boitempo esporadicamente.