sexta-feira, 12 de junho de 2009

PANE NA MÁQUINA

O governo investe em segurança pública. Compra carros, motos, lanchas, aumenta salários dos policiais, organiza a carreira profissional deles. Como resultado a criminalidade aumenta, os policiais fazem greves e o tráfico de drogas explode nas periferias das cidades.

O governo investe em educação. Amplia o acesso à escola, reforma, constrói novas unidades, melhora os salários dos professores, dá material escolar e merenda de qualidade. Como resultado as escolas tornam-se espaços de violência, professores são ameaçados por alunos, a repetência cresce e o número de analfabetos funcionais é tão alto que não há sequer uma estatística oficial a respeito.

O governo investe em saúde. Constrói novos hospitais, compra equipamentos, estimula a formação local de médicos, reforma unidades sucateadas. Como resultado vários hospitais não têm enfermeiros e até médicos, as filas imensas de madrugada ainda persistem, chovem denúncias de abuso de poder por parte de servidores e na zona rural muita gente ainda morre sem atendimento.

O governo investe em ação social. Amplia o sistema de redistribuição de renda, cadastra dezenas de famílias todos os meses, acompanha crianças em situação de risco social. Como resultado os benefícios são usados como no antigo sistema de aviamento para pagar dívidas antes delas serem feitas, meninas têm filhos cada vez mais cedo de olho na contraprestação, larápios de classe média desviam cartões para si mesmos, amigos e parentes.

O governo investe em emprego. Constrói empresas para administrar com a iniciativa privada, oferece descontos e incentivos tributários, investe em infra-estrutura urbana, amplia o acesso aos mercados exteriores. Como resultado o número de desempregados aumenta, a concentração de renda se amplia, a indigência e a mendicância explodem e o tráfico vira alternativa de sobrevivência.

Não há algo errado, profundamente errado, nisso tudo?

Enquanto eu trabalhava nos jornais acreanos, via esses problemas como desafios a serem enfrentados por meio de um esforço das camadas médias da sociedade: imprensa, Judiciário, empresariado jovem etc. Considerava que minha caneta era um auxílio indispensável no processo e lutava com todas as forças para denunciar a proliferação dessas desigualdades.

Como eu estava enganado!


Demorei para perceber que não há como resolver os problemas acima citados porque eles se auto-retro-alimentam. O tráfico, por exemplo, alimenta-se da alienação individual que por sua vez deriva-se do desemprego cujo motor é uma organização social privatista, baseada na troca de favores e gentilezas, inclusive os sexuais, entre representantes políticos e outros líderes da sociedade.

Quando o núcleo da sociedade funciona dessa forma é possível fazer literalmente qualquer combinação entre os elementos acima citados, em qualquer ordem, e perceber que todo o restante da sociedade funciona caoticamente.

Há uma pane generalizada no tecido social.


Graças à essa auto-reprodução, não há mais governo que possa resolver isso. Nem os de situação e muito menos os de oposição.

Estamos condenados a viver em uma sociedade doente?

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