Filme que mostra como o comportamento da classe média carioca, sua ingenuidade, sua arrogância, seu conservadorismo, sua mania de porta-voz da civilização cristã, ajudaram e serviram de muletas para o Golpe Militar de 64.
"O homem é tão bem manipulado e ideologizado que até mesmo o seu lazer se torna uma extensão do trabalho." Theodor W. Adorno
sexta-feira, 28 de maio de 2010
terça-feira, 25 de maio de 2010
SUSTENTABILIDADE INSUSTENTÁVEL
O ideário dominante é rico em termos novos, ainda que singelos em seus conteúdos.
“Empregabilidade”, por exemplo, é usado para exprimir sua incapacidade real de efetivamente empregar; empregabilidade, então, torna-se sinônimo de transferir para os trabalhadores a responsabilização pelo seu desemprego. Nesta nova alquimia, o real culpado vira réu e este se torna o culpado.
"Responsabilidade social" é outra palavra que hoje se encontra em quase todas as empresas, não importa que elas vivam desempregando, seguindo a máxima da liofilização produtiva. Ou seja: como a competição é pesada, é preciso cortar custos e, então, o talhe se volta contra os trabalhadores e a "responsabilidade social" se confunde com irresponsabilidade societal.
Mas há também os "colaboradores". Não há mais praticamente nem uma empresa sequer, neste admirável mundo globalizado, que não tenha convertido seus antigos trabalhadores em "novos colaboradores". Mas é curioso: quanto mais "colaboradores" se tornam, mais vão minguando seus direitos. Pouco a pouco, veem subtrair o que lutaram muito para conquistar. Por vezes chegamos mesmo a pensar que a máxima é para designar seu exato oposto, visto que, na primeira crise das empresas, real ou fictícia, o talhe começa sempre na pele dos trabalhadores.
Mas talvez nenhum outro termo do ideário dominante venha encontrando tanto apego como a "sustentabilidade". Em uma sociedade cada vez mais insustentável, ela se tornou uma palavra mágica. Em plena devastação ambiental no Golfo do México - o mais grave da história dos EUA -, na era do aquecimento global que sufoca o mundo em quase todas as partes, no apogeu da sociedade do descartável, do involucral e do supérfluo, quanto mais se agride a natureza, quanto mais se avança na sociedade do produtivismo destrutivo, mais se propaga a ideia da "sustentabilidade".
O exemplo da atual candidatura de Marina Silva talvez seja esclarecedor. Desde logo é preciso acentuar que se trata de uma mulher batalhadora, que foi rompendo grilhões que aprisionam os "de baixo" e, em seu caso particular, os trabalhadores dos seringais. Mas sua atual candidatura, que acaba de apresentar como trunfo o nome de seu vice, Guilherme Leal, da Natura, é emblemática.
Marina, como sabemos, muito cedo aceitou, dentro do governo Lula, a liberação dos transgênicos, sendo que em seu passado sempre fora contrária a essa medida. Filiou-se recentemente ao PV e parece estar convivendo bem entre o Peninha e o Zequinha (Sarney), além de flertar , quando preciso, com o PSDB. Agora escolhe como vice um nome ligado a uma empresa que cultua a "sustentabilidade", empresa considerada "exemplar" na prática do "verde".
Desde logo é preciso fazer um esclarecimento: a questão ambiental é certamente vital - literalmente. No passado recente dizíamos que, em futuro próximo, o planeta estaria ameaçado. Isso não faz mais nenhum sentido hoje. O presente já está agudamente comprometido e a destruição ambiental, o aquecimento global, a energia fóssil, o aquecimento originário das queimadas - do etanol que Lula tanto gosta, apesar do uso acintoso de trabalho quase escravo no corte da cana -, em suma, a lógica da produção destrutiva do capital tornou-se o principal responsável pela tragédia ambiental.
O cenário é arriscado: se os empregos se reduzem ainda, em decorrência do avanço da crise atual que atinge duramente o coração do sistema, isso gerará maiores índices de desemprego. Se, por outro lado, os capitais globais recuperam os níveis de crescimento, ou ainda, a título de exemplo, continuarmos produzindo carros sem parar, o mundo caminhará mais diretamente para um cenário de maior torrefação. Em português singelo: se correr, o bicho pega; se ficar, o bicho come.
Então, não custa indagar: será que as autodenominadas empresas "verdes" da "sustentabilidade" convivem em paz com a vigência de trabalho cinzento? Serão também "verdes" suas condições de trabalho? Suas trabalhadoras-vendedoras, que se contam aos milhares, recebem seus direitos trabalhistas? São providas de férias, descanso semanal, 13º salário, etc.? Ou foram metamorfoseadas em vendedoras-trabalhadoras "autônomas", informalizadas e desprovidas dos direitos básicos do trabalho? Marina Silva poderá nos ajudar a responder.
Ricardo Antunes, professor de Sociologia no IFCH/Unicamp, é autor, entre outros livros, de “Infoproletários: degradação real no trabalho virtual” (Boitempo), em coautoria com Ruy Braga.
Texto originalmente publicado no Estadão.
“Empregabilidade”, por exemplo, é usado para exprimir sua incapacidade real de efetivamente empregar; empregabilidade, então, torna-se sinônimo de transferir para os trabalhadores a responsabilização pelo seu desemprego. Nesta nova alquimia, o real culpado vira réu e este se torna o culpado.
"Responsabilidade social" é outra palavra que hoje se encontra em quase todas as empresas, não importa que elas vivam desempregando, seguindo a máxima da liofilização produtiva. Ou seja: como a competição é pesada, é preciso cortar custos e, então, o talhe se volta contra os trabalhadores e a "responsabilidade social" se confunde com irresponsabilidade societal.
Mas há também os "colaboradores". Não há mais praticamente nem uma empresa sequer, neste admirável mundo globalizado, que não tenha convertido seus antigos trabalhadores em "novos colaboradores". Mas é curioso: quanto mais "colaboradores" se tornam, mais vão minguando seus direitos. Pouco a pouco, veem subtrair o que lutaram muito para conquistar. Por vezes chegamos mesmo a pensar que a máxima é para designar seu exato oposto, visto que, na primeira crise das empresas, real ou fictícia, o talhe começa sempre na pele dos trabalhadores.
Mas talvez nenhum outro termo do ideário dominante venha encontrando tanto apego como a "sustentabilidade". Em uma sociedade cada vez mais insustentável, ela se tornou uma palavra mágica. Em plena devastação ambiental no Golfo do México - o mais grave da história dos EUA -, na era do aquecimento global que sufoca o mundo em quase todas as partes, no apogeu da sociedade do descartável, do involucral e do supérfluo, quanto mais se agride a natureza, quanto mais se avança na sociedade do produtivismo destrutivo, mais se propaga a ideia da "sustentabilidade".
O exemplo da atual candidatura de Marina Silva talvez seja esclarecedor. Desde logo é preciso acentuar que se trata de uma mulher batalhadora, que foi rompendo grilhões que aprisionam os "de baixo" e, em seu caso particular, os trabalhadores dos seringais. Mas sua atual candidatura, que acaba de apresentar como trunfo o nome de seu vice, Guilherme Leal, da Natura, é emblemática.
Marina, como sabemos, muito cedo aceitou, dentro do governo Lula, a liberação dos transgênicos, sendo que em seu passado sempre fora contrária a essa medida. Filiou-se recentemente ao PV e parece estar convivendo bem entre o Peninha e o Zequinha (Sarney), além de flertar , quando preciso, com o PSDB. Agora escolhe como vice um nome ligado a uma empresa que cultua a "sustentabilidade", empresa considerada "exemplar" na prática do "verde".
Desde logo é preciso fazer um esclarecimento: a questão ambiental é certamente vital - literalmente. No passado recente dizíamos que, em futuro próximo, o planeta estaria ameaçado. Isso não faz mais nenhum sentido hoje. O presente já está agudamente comprometido e a destruição ambiental, o aquecimento global, a energia fóssil, o aquecimento originário das queimadas - do etanol que Lula tanto gosta, apesar do uso acintoso de trabalho quase escravo no corte da cana -, em suma, a lógica da produção destrutiva do capital tornou-se o principal responsável pela tragédia ambiental.
O cenário é arriscado: se os empregos se reduzem ainda, em decorrência do avanço da crise atual que atinge duramente o coração do sistema, isso gerará maiores índices de desemprego. Se, por outro lado, os capitais globais recuperam os níveis de crescimento, ou ainda, a título de exemplo, continuarmos produzindo carros sem parar, o mundo caminhará mais diretamente para um cenário de maior torrefação. Em português singelo: se correr, o bicho pega; se ficar, o bicho come.
Então, não custa indagar: será que as autodenominadas empresas "verdes" da "sustentabilidade" convivem em paz com a vigência de trabalho cinzento? Serão também "verdes" suas condições de trabalho? Suas trabalhadoras-vendedoras, que se contam aos milhares, recebem seus direitos trabalhistas? São providas de férias, descanso semanal, 13º salário, etc.? Ou foram metamorfoseadas em vendedoras-trabalhadoras "autônomas", informalizadas e desprovidas dos direitos básicos do trabalho? Marina Silva poderá nos ajudar a responder.
Ricardo Antunes, professor de Sociologia no IFCH/Unicamp, é autor, entre outros livros, de “Infoproletários: degradação real no trabalho virtual” (Boitempo), em coautoria com Ruy Braga.
Texto originalmente publicado no Estadão.
segunda-feira, 24 de maio de 2010
MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
Por muitas razões, fáceis de referir e de demonstrar, a história da imprensa é a própria história do desenvolvimento da sociedade capitalista. O controle dos meios de difusão de idéias e de informações - que se verifica ao longo do desenvolvimento da imprensa, como reflexo do desenvolvimento capitalista em que aquele está inserido - é uma luta em que aparecem organizações e pessoas da mais diversa situação social, cultural e política, correspondendo a diferenças de interesses e aspirações. Ao lado dessas diferenças, e correspondendo ainda à luta pelo referido controle, evolui a legislação reguladora da atividade da imprensa.
Mas há, ainda, um traço ostensivo, que comprova a estreita ligação entre o desenvolvimento da imprensa e o desenvolvimento da sociedade capitalista, aquele acompanhando a este numa ligação dialética e não simplesmente mecânica. A ligação dialética é facilmente perceptível pela constatação da influência que a difusão impressa exerce sobre o comportamento das massas e dos indivíduos. O traço consiste na tendência à unidade e à uniformidade. Em que pese tudo o que depende de barreiras nacionais, de barreiras linguísticas, de barreiras culturais - como a imprensa tem sido governada, em suas operações, pelas regras da ordem capitalista, particularmente em suas técnicas de produção e de circulação - tudo conduz à uniformidade, pela universalização de valores éticos e culturais, como pela padronização do comportamento.
As inovações técnicas, em busca da mais ampla divulgação, acompanham e influem na tendência à uniformidade. É interessante verificar o paralelismo entre o esforço técnico de produção, na imprensa, e o progresso dos meios de comunicação e de transporte, afetando o problema fundamental da grande imprensa, que é o do volume e espaço geográfico em que a notícia, ou a informação, ou a doutrinação têm oportunidade. O estreito vínculo entre a imprensa e a ordem capitalista aparece, também, na evolução do problema da liberdade de informar e de opinar. Assim, não devido ao rudimentarismo dos meios - que, na maioria dos casos, eram orais - carece de sentido recordar os sistemas de divulgação anteriores à invenção de Guttenberg e seu generalizado uso: a transmissão de notícias nas tribos primitivas, a Acta diurna dos romanos, o reaparecimento de seu processo em Veneza, nada têm a ver com a imprensa. Como todas as invenções, a de Guttenberg resultou de necessidade social, que o desenvolvimento histórico gerou e a que estava vinculada a ascensão burguesa, em seu prelúdio mercantilista. Como as trocas interessavam apenas a elementos de classes e camadas numericamente reduzidas, entretanto, o desenvolvimento da imprensa foi muito lento naquela fase, e ela foi facilmente controlada pela autoridade governamental.
Poderosas forças econômicas empenharam-se, desde então, por debilitar esse controle - eram as forças do capitalismo em ascensão: o princípio da liberdade de imprensa, antecipado na Inglaterra, vai ser encontrado, então, tanto na Revolução Francesa quanto no pensamento de Jefferson, que correspondia aos anseios da Revolução Americana, sintonizando com a pressão burguesa para transferir a imprensa à iniciativa privada, o que significava, evidentemente, a sua entrega ao capitalismo em ascensão. Nos países em que essa ascensão operava-se agora muito mais no plano político, pois estava já consolidada no plano econômico, a liberdade de imprensa encontrava barreiras nos remanescentes feudais, adrede mantidos, por vezes, pela própria burguesia, como escudos contra o avanço, embora ainda lento, do proletariado e do campesinato - a Inglaterra e a França particularmente - o problema permaneceu longamente no palco.
Foi a ausência, nos Estados Unidos, de passado feudal, que permitiu ali a solução rápida de tal problema, colocada a liberdade de imprensa - isto é, o seu controle pela burguesia - como postulado essencial e pacífico, abrindo-se ao seu desenvolvimento, então, às mais amplas perspectivas. Assim, enquanto na Inglaterra a stamp tax só desapareceu em 1855, e, na França, a liberdade de imprensa permaneceu relativa até 1881 - nos Estados Unidos surgiu ampla, praticamente, com a independência.
A corrida para a revolução nas técnicas de imprensa, iniciada na Inglaterra, quando o Times, em 1814, utilizou a máquina a vapor na sua impressão, seria ganha pelos Estados Unidos em pouco tempo. Era o ponto de partida para a produção em massa que permitia reduzir o custo e acelerava extraordinariamente a circulação. Era outra prova da interligação entre o desenvolvimento da imprensa e o desenvolvimento capitalista. O desenvolvimento das bases da produção em massa, de que a imprensa participou amplamente, acompanhou o surto demográfico da população ocidental e sua concentração urbana; paralelamente, a produção ascensional provocu a abertura de novos mercados, a necessidade de conquistá-los conferiu importância à propaganda, e o anúncio apareceu como traço ostensivo das ligações entre a imprensa e as demais formas de produção de mercadorias.
A ascensão capitalista, que a imprensa acompanhava passo a passo, como as suas mais significativas características, agravaria o contraste entre as áreas que se antecipavam naquela ascensão e as que se atrasavam; nas primeiras, era marcante a ascensão do padrão de vida e a divisão do trabalho se multiplicava, impondo a extensão da democracia política burguesa e o surto da educação, alargando extraordinariamente o público dos jornais e a clientela dos anunciantes; nas segundas, o quadro era inteiramente diverso. A luta pela rapidez e pela difusão, associando as alterações nas técnicas de impressão às que afetavam as comunicações e os transportes, modificou radicalmente o quadro em que a imprensa operava; nas primeiras áreas, isso ocorreu depressa; nas segundas, muito lentamente.
A luta pela rapidez exigiu da imprensa sucessivos inventos, conduzindo à velocidade na impressão, acompanhando o enorme e crescente fluxo de informações, devido ao telégrafo, ao cabo submarino e, depois, ao telefone e ao rádio. Em toda a área capitalista do mundo, essas transformações se alastraram rapidamente: nos Estados Unidos, na primeira metade do século XIX, Benjamin Day utilizaria um método já amplamente dominante na Inglaterra, ao desligar o seu jornal Sun da subordinação passiva e doutrinária aos agrupamentos partidários, para dar realce às notícias relacionadas com os processos judiciais e com os crimes, indo às fontes dos choques entre interesses individuais e ao fundo das paixões humanas, ao palco em que desembocavam, finalmente, as enxurradas da sociedade capitalista.
Day tornou, assim, em poucos meses, o Sun no jornal mais difundido nos Estados Unidos; em quatro anos, estava com a tiragem no nível dos 30 000 exemplares diários, tendo de dobrar o tamanho das páginas para poder acomodar os anúncios cujo afluxo crescia sempre. Era a diferença de formato, de pequeno, semelhante ao do livro, para grande, específico do jornal, um dos sinais da distinção que se estabelecia entre os dois processos de difusão de idéias. Foi esse, também, o caminho seguido, ali, pelo Morning Herald, em que James Gordon Bennet demonstraria a possibilidade de publicações de baixo preço para consumo em massa, outra distinção entre livro e jornal.
Contra o rush empreendido por homens como Day e Bennet seria inviável a resistência do jornalismo de cunho pesoal, cujo grande representante foi, nos Estados Unidos, Horace Greeley, quando o seu Tribune recusava o noticiário de crimes e de escândalos, optando pelo fervor editorial, pela predominância da opinião sobre a informação; a Guerra de Secessão provaria que esta interessava mais do que aquela, e exigia que aparecesse e se multiplicasse a ação dos correspondentes, deslocados junto ao teatro dos acontecimentos, como o Times, de Londres, fizera, quando da Guerra da Criméia. Logo a grande imprensa capitalista compreendeu, também, que é possível orientar a opinião pública através do fluxo de notícias; as associações especializadas em colhê-las, prepará-las e distribui-las facilitaram o trabalho dos jornais, quando o custo dos serviços telegráficos se tornou proibitivo para cada um, isoladamente, e conflitante com a necessidade de baixo preço unitário para a venda avulsa.
A partir do início da segunda metade do século XIX, o problema estava na luta entre essas agências de notícias que, adiante, seriam associadas aos monopólios industriais em ascensão, e terminariam concentrando-se, como aqueles. A luta entre a informação e a opinião não foi a única que marcou o desenvolvimento da imprensa; logo apareceu a luta entre a opinião e a publicidade, que era a forma organizada que a propaganda assumia. Já em 1803, o Evening Post confessava que "de fato é o anunciante quem paga o jornal ao subscritor", mas a realidade é que o anúncio tinha papel ainda secundário, sendo grande a resistência dos profissionais da imprensa ao seu avanço gráfico, que temiam como séria ameaça a valores éticos peculiares ao capitalismo de concorrência, e até estéticos, ligados à paginação, à arte gráfica, que, na verdade, estavam em liquidação.
É surpreendente que um inovador da visão de James Gordon Bennet tivesse lutado longamente no sentido de impedir que as colunas do Morning Herald fossem quebradas para acomodar largos anúncios, obrigando os anunciantes ao recurso de repetir a mesma sentença, em tipo pequeno e coluna única, ao longo de uma página inteira. A imprensa francesa foi pioneira no sentido de dar ao anúncio a apresentação gráfica destacada e, nos fins do século XIX, essa era a norma da imprensa por toda a parte em que alcançara desenvolvimento. A mudança seguinte foi no conteúdo do próprio anúncio: os velhos modelos de anúncios de estabelecimentos foram substituídos pelos novos, de mercadorias isoladas, valorizadas ao máximo pelas ilustrações, ganhando relevo quase artístico quando as cores foram introduzidas. Era a supremacia do fabricante sobre o comerciante; da produção sobre a circulação, peculiar ao capitalismo plenamente caracterizado e desenvolvido.
O extraordinário volume da publicidade comercial que afluía à imprensa tornou impossível o entendimento entre os produtores ou os comerciantes que operavam com as mercadorias anunciadas e os periódicos que as anunciavam. Surgiu o intermediário especializado, escritório ou agência, assumindo, em nossos dias, proporções de empresas gigantescas, encarregadas de organizar a publicidade para numerosos produtores e de distribui-la à imprensa. Essa divisão do trabalho concentrou nas agências de publicidade enorme poderio, ascendência natural sobre a imprensa: delas passou a depender a prosperidade dos jornais. Como as agências de notícias, especializadas em colher e distribuir informações, as agências de publicidade, especializadas em colher e distribuir anúncios, cedo se entrosaram na estrutura da economia de monopólio, gerada pelo desenvolvimento dapitalista nos fins do século XIX. Essas organizações fizeram da imprensa simples instrumento de suas finalidades: o desenvolvimento da imprensa, em função do desenvolvimento do capitalismo, as gerara; depois de servir à imprensa, serviram-se dela.
O segredo da imprensa consistia, à medida que o capitalismo avançava, na rapidez com que chegava aos leitores e na possibilidade de contá-los aos milhões. Era necessário, por isso, que a produção atendesse à multiplicação de exemplares, e que os transportes atendessem à distribuição oportuna, rápida, vertiginosa, dos exemplares velozmente multiplicados. As invenções que tornaram os periódiso empresas industriais aparelhadas, eficientes, capazes de produzir, todos os dias, milhões de jornais, seguiram-se umas às outras, a curtos intervalos. Nos Estados Unidos, a conversão da woodpulp em newsprint marcou essa evolução, caracterizada ainda pelo aparecimento da linotipo. Reproduzindo ilustrações rapidamente e a baixo custo, pela velocidade na impressão, nos fins do século, as novas máquinas faziam correr rolos de papel com a velocidade de um trem expresso, saindo os jornais em cores, quando era desejado, e sempre automaticamente contados e dobrados. Isso permitia enorme redução no custo da unidade fabricada, ao mesmo tempo que melhorava a sua qualidade.
Tudo conduzia, finalmente, ao rebaixamento do preço pago pelo leitor, em difusão cada vez mais numerosa, em influência cada vez mais larga, tudo em benefício dos anunciantes. Nos fins do século, nos Estados Unidos, Pulitzer podia oferecer o World a dois cents, reduzidos à metade na edição vespertina, com extensas ilustrações, numerosas faixas de historietas, grandes títulos, notícias sensacionais, enquanto Hearst, partindo da aquisição do decadente Morning Journal, construía o seu império na imprensa, proporcionando ao público inclusive uma guerra, a de Cuba. É fácil avaliar a terrível força de engrenagem que se compõe de agências de notícias, agências de publicidade e cadeias de jornais e revistas, sua influência política, sua capacidade de modificar a opinião, de criar e manter mitos ou de destruir esperanças e combater aspirações.
Quando se verifica que essa gigantesca engrenagem é simples parafuso de engrenagem maior, a que pertence, do capitalismo monopolista, ainda mais fácil é estimar o seu alcance e poder. Sem considerar esses dados, que a fria realidade apresenta, é impossível, entretanto, discutir problemas como o da liberdade de imprensa, aspecto parcial do problema da liberdade de pensamento. E quando são inseridas no quadro as novas técnicas de mobilização da opinião, como a televisão e o rádio, também submetidas, em muitos países, à iniciativa privada e associadas, inclusive, à imprensa, e também submetidas a organizações em cadeia, verifica-se quanto aquele problema fundamental se apresenta complexo e depende do regime predominante.
quarta-feira, 19 de maio de 2010
PARTIDO NAZISTA NA INTERNET
Fuçando a web em busca de referências bibliográficas para manter em bom nível o diálogo com meu novo amigo virtual Isaac Melo, do blog Alma Acreana, eis que encontro nada mais nada menos que o site do Partido Nacional-Socialista Brasileiro (PNSB), que já tem número - 88 - e uma campanha pela legalização do nacional-socialismo no Brasil.
Aos mais jovens: nacional-socialismo e nazismo são a mesma coisa. O prefixo "nazi" é a abreviação alemã de nacional-socialismo, regime criado por Adolf Hitler que lhe deu esse nome como estratégia para arrebanhar trabalhadores e sindicatos europeus simpáticos à causa socialista numa fase de consolidação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Diferente do socialismo internacionalista (ou marxista), o nacional-socialismo não defendia o fim das diferenças de classe, não queria o proletariado organizado como protagonista da história e pretendia substituir todas as nações por um Império Mundial comandado pela Alemanha.
A princípio achei muita ousadia alguém abrir um site nazista, defendendo uma ideologia que foi muito provavelmente a mais séria ameaça à vida humana em todos os tempos. Mas aí lembrei de várias notícias recentes dando conta de assassinatos ligados a grupos neonazistas no Sul do País e caí na real: vou ter que aceitar que a busca pela retomada do nazismo é um fato político real, ainda que proibido por várias leis federais e de forma ampla pela própria Constituição de 88.
O site do PNSB traz 44 links, somente em português, para revistas, jornais e sites pessoais de propaganda nazista, vídeos, textos que tentam desmentir o Holocausto e uma curiosa estratégia de militância individual: "agir apenas em células!"
Descobri que o site brasileiro faz parte de uma rede internacional, cujo link encontra-se na própria página do PNSB, mas que já foi - felizmente - retirado do ar. Por meio do serviço Whois! constatei ainda que o site está hospedado em um servidor norte-americano chamado EarthLink, com sede Atlanta, Geórgia.
É espantoso. A cada dia encontro mais indícios de que a nossa sociedade, ausente de ligações espontâneas entre as pessoas, restritas a ferramentas utilitaristas disponibilizadas pelo mercado, está produzindo indivíduos cada vez mais alienados entre si e da própria história. O nazismo é um crime contra o gênero humano, cujo horror só foi paralisado graças ao papel da URSS na Segunda Guerra.
Podem me chamar de radical, mas dizem que somos o que pensamos. E o que eu penso é o seguinte: Não temos que melhorar esta sociedade, temos é que modificá-la. Profundamente. O retorno do nazismo aponta claramente que só uma mudança radical, paradigmática, poderá extinguir a ameaça da concentração de poder exercido pela mistificação da história e o enorme retrocesso político que tal fenômeno representa.
PS - Acabo de encontrar mais um site nazista, na verdade um blog, de um cidadão que se identifica como Siegfried Ellwanger Castan. Em um dos seus textos mais recentes, ele apresenta argumentos jurídicos para fundamentar a "inconstitucionalidade da proibição do nazismo no Brasil". Leia clicando aqui.
PS2 - O blog do Siegfried Ellwanger Castan citado no texto foi retirado do ar após a morte do autor, em 11 de setembro do ano passado. Agora os textos nazistas são publicados no blog Verdade Histórica e no site AAARGH (Associação dos Antigos Amadores de Recitais de Guerra e Holocausto), que se apresenta como uma instituição internacional, com textos em vários idiomas (inclusive o hebraico).
PS 3: A Wikipedia publicou um verbete sobre Siegfried Ellwanger Castan e outro sobre a Editora Revisão, de sua propriedade, especializada em livros nazistas. Clique nos links e confira.
PS2 - O blog do Siegfried Ellwanger Castan citado no texto foi retirado do ar após a morte do autor, em 11 de setembro do ano passado. Agora os textos nazistas são publicados no blog Verdade Histórica e no site AAARGH (Associação dos Antigos Amadores de Recitais de Guerra e Holocausto), que se apresenta como uma instituição internacional, com textos em vários idiomas (inclusive o hebraico).
PS 3: A Wikipedia publicou um verbete sobre Siegfried Ellwanger Castan e outro sobre a Editora Revisão, de sua propriedade, especializada em livros nazistas. Clique nos links e confira.
domingo, 16 de maio de 2010
OS PAIS DA CRIANÇA
Editado em 23.05.2010, acatando sugestões - geniais - da minha querida orientadora, professora e amiga, Eurenice de Oliveira. Pensei em fazer um novo texto, mas vou deixar os vários adendos geniais destacados em vermelho.
Nos Estados Unidos, uma arraigada tradição política de culto à personalidade cunhou a expressão "pais fundadores" para designar a bravura, audácia, perspicácia e capacidade de liderança dos primeiros presidentes daquele país. Trata-se de algo com repercussões diversas na vida política, responsável inclusive pela personalização do poder político - como se a democracia não fosse um processo coletivo.
No Acre, esta experiência geopolítica conduzida em grande parte de sua história pelo capital internacional, vamos na mesma direção.
Bastou por exemplo terminar a greve dos professores para pipocarem, aqui e ali, vários candidatos ao elevado cargo de "pai da criança" (entendida como tal o acordo entre governo e grevistas que encerrou o movimento de 29 dias).
Assim é que no dia seguinte ao fim da greve - dia 15 - o deputado estadual Moisés Diniz correu à imprensa para ponderar, com toda a gravidade, nos seguintes termos: "Os operadores do governo estavam tendo muitas dificuldades de conduzir o encerramento da greve. Os líderes sindicais estavam perdidos, inclusive, alguns brigando entre si e sem controle junto à base. Resolvi fazer uma ação atípica que foi me despir do papel de líder do Governo e ir dialogar com as lideranças dos trabalhadores que não se entendiam". Ou seja: quando tudo parecia perdido, quando não restava mais qualquer esperança, eis que de repente ele - El Gran Rojo! - surge e salva a lavoura.
(“Salva a lavoura” prestando um servicinho de desqualificar as lideranças que conduziram a mobilização “indicando” sua desorganização, seus conflitos e sua falta de representatividade. Técnica totalmente conhecida e esperada.)
A Secretaria de Estado de Educação (SEE) também fez circular, no mesmo dia 15, uma nota nos meios de comunicação acusando o movimento de ter apresentado uma espécie de clarão de bom-senso nos últimos minutos do segundo tempo, caindo nas graças do governo por ter suspendido a greve para obter o acordo. A mesma nota, que pode ser lida na íntegra no site da SEE, aponta o papel fundamental de núcleos municipais do Sinteac "na construção da proposta de suspensão do movimento" - o que soa algo estranho, uma vez que a suspensão ou continuidade da greve depende de votação geral da categoria, não do protagonismo deste ou daquele grupo.
Por fim o próprio Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Acre (Sinteac), por meio de Manoel Lima, seu presidente, surgiu como um terceiro pai. Lima, após dizer que a imprensa estava atrapalhando o diálogo com o governo, afirmou em entrevista que a proposta de reajuste teria partido dos grevistas. Não partiu. A proposta original, votada pela categoria um dia antes, tinha quatro itens. O governo só admitiu um, criando assim uma outra proposta e levando os grevistas, já exauridos pelos 29 dias de manifestações, a pensar que a mudança fora provocada "no processo de diálogo".
(Ao governo interessa a gestão democrática das mobilizações sociais, o que inclui o paternalismo de afirmar que somente o governo sabe o que é melhor para os grevistas, muito mais que a sua liderança. Continua a desqualificação da direção do movimento...Por outro lado, afirmar que só concedeu uma reivindicação fica antipático politicamente. O diálogo e o consenso são politicamente corretos).
Pois não foi. A proposta dos servidores foi alterada pelo governo, aceita pela categoria e daí sim carimbada pelo governo. Se isso ocorreu antes ou após a suspensão da greve - votada por volta das 11 horas do dia 14 - é algo de um profundo e cósmico mistério...
Vou abstrair propositalmente todas as falhas que podem e devem ser esperadas de mobilizações sociais desse tipo - especialmente em ano eleitoral - para lançar reflexão sobre a manifestação de uma velha prática herdada dos antigos seringais: a tentativa de tutelamento da sociedade. Em uma publicação pouco conhecida, o cientista político Marcos Inácio Fernandes revela que os primeiros seringalistas acreanos utilizavam os jornais de Manaus e Belém para criticar acidamente a política da recém-nascida República do Brasil em relação ao Acre. Queriam autonomia, mas só a defendiam porque tinham interesse em estabelecer a sua própria política tarifária sobre a borracha.
Nos anos de chumbo, quando a rede Diários Associados, de Assis Chateaubriand, criou o primeiro jornal diário no Acre - O Rio Branco, existente até hoje -, as páginas foram logo utilizadas pelos empresários locais como meio de lobby em relação aos nazifascistas tupiniquins. Construtoras famosas ergueram verdadeiros impérios às custas de obras faraônicas implantadas na Amazônia graças à constante e implacável pressão dessa imprensa "imparcial".
Hoje, quando o velho ciclo da borracha é somente uma lembrança e a Ditadura Militar ainda é chamada de "revolução" em alguns jornais, uma característica desses dois períodos permanece: a tentativa insidiosa de controlar, mapear, zonear e frear o ímpeto das necessidades materiais dos trabalhadores em luta. Isso ocorre numa dupla direção: estabelecendo agentes do Estado como heróis mediadores de imensa capacidade de liderança e também criminalizando ou relativizando a importância de mobilizações trabalhistas, reivindicatórias e potencialmente transformadoras.
Na esquerda, esse processo é auxiliado por uma leitura enviesada de Antonio Gramsci, o intelectual da sociedade civil. No submundo do cárcere, num momento em que militantes de esquerda eram perseguidos, torturados e punidos pelo fascismo italiano, Gramsci elaborou várias estratégias de conquista do poder político por parte dos trabalhadores organizados em sindicatos e partidos. Em outras palavras, Gramsci pretendia que o protagonismo político fosse feito pelos próprios trabalhadores, que deveriam criar seus partidos - logo, partidos de trabalhadores ou trabalhistas - e lutar dentro das regras da democracia representativa para desfascistizar a sociedade, tornando-a realmente democrática.
(Não aguentei e mexi no parag. Não mexi na idéia!)
Na esquerda, esse processo é auxiliado por uma leitura enviesada de Antonio Gramsci, o intelectual da sociedade civil. Este autor elaborou várias estratégias de conquista do poder político por parte dos trabalhadores organizados em sindicatos e partidos. No momento em que militantes de esquerda eram perseguidos, torturados e punidos pelo fascismo italiano, Gramsci analisava o protagonismo político dos próprios trabalhadores, que deveriam criar seus partidos - logo, partidos de trabalhadores ou trabalhistas - e lutar dentro das regras da democracia representativa cujo fortalecimento poderia se contrapor ao fascismo na sociedade, tornando-a realmente democrática.
Da leitura de Gramsci surgiram várias correntes partidárias que abandonaram a idéia de revolução, ou tendem a ver como uma revolução essa luta institucional dos trabalhadores e seus partidos representativos.
O problema - e aí vem o equívoco de várias esquerdas, dentre outras - é que o próprio Gramsci desenvolveu sua extraordinária teoria tendo como base a crítica da economia política. Na teoria gramsciana a luta institucional é uma luta "contra hegemônica" precisamente porque os espaços de sociabilidade política são representações da luta de classes, não de uma democracia em sentido estrito. Numa democracia o povo não manda, ao contrário do que diz o dicionário. O poder do trabalhador é reduzido ao ato do voto, a uma transferência de poder. Essa transferência de poder é o pressuposto básico da luta de classes: uma sociedade de dominadores e dominados.
(Aqui talvez coubesse dizer as filiações partidárias “desses meninos” para qualificar o “não entendem ou não leram” e a penúria intelectual ou o afastamento do ideário de esquerda dessas lideranças mencionadas. Presumo que para elas, seja um elogio dizer que não são de esquerda. São evangélicas?)
Este é o ponto que Moisés Diniz, Manoel Lima e o próprio governo do Estado do Acre não entendem ou não leram. Luta institucional dos trabalhadores requer primeiro trabalhadores organizados, não a criminalização dos movimentos dos trabalhadores. Requer a crítica da economia política, não o estabelecimento do Estado como agente produtor da paz e glória eterna para sempre amém... numa sociedade capitalista, Estado é um Estado de classe mesmo que em sua condução esteja um partido trabalhista nos moldes atuais.
(Substituir luta institucional por “luta social dos trabalhadores” . Aqui, talvez o mais interessante fosse indicar a prática política do governador diante de mobilizações sociais. Como ele agiu diante das várias manifestações. Por outro lado, esses caras lendo a Crítica...sei não! É bom para você mencionar esses textos. Indica sua proximidade com o pensamento socialista fundante. Por outro lado, para eles, que importância tem isto? E para o leitor?)
Há aqui um desvio notável entre teoria e prática política - em benefício, evidentemente, da prática desprovida de teoria. O governo que se propõe ser o dos trabalhadores é o governo que se coloca como o grande pai de todos os trabalhadores e burgueses, aquele que os conduz, que os pacifica, "com todos e para todos". É obviamente um processo de tutelamento e submissão da classe trabalhadora a um processo político-partidário, mas é também o resultado histórico e inevitável de uma herança política nazifascista.
(Não concordo que haja desvio. O PT há muito deixou de ser um partido de esquerda. Antes, até de ganhar as eleições presidenciais. O Estado burguês resolve crises criminalizando, tutelando e jogando a polícia sobre as lideranças, ao mesmo tempo em que apela para medidas jurídicas que penalizam o exercício da liberdade de organização e manifestação pública. Simultaneamente joga uma parte da sociedade contra a outra parte e assume a responsabilidade pelo bem-estar geral da sociedade. Isto é feito, também, através da tecnologia da comunicação organizada na imprensa falada e escrita. Os empresários (da comunicação?) sempre participam da greve como generais de todas as guerras, a lutar nas guerras de movimento e posição para reposicionar os grupos no poder. Penso que o governo seguiu a cartilha em todos os pontos.) Mas será que o sindicato seguiu? Já houve avaliação sobre os alcances e os limites dessa greve? E as principais forças desse sindicato, como atuaram? Essa mobilização permitiu o crescimento da solidariedade entre este segmento de trabalhadores? Quais as formas de solidariedades manifestadas pelos outros trabalhadores organizados? Quem vai fazer o registro dessa mobilização? Esta é uma sugestão de pauta sintética para os intelectuais orgânicos dos trabalhadores em educação. Quem se habilita?
Gramsci para nós faria todo o sentido, se não fosse a tentativa insidiosa de colocar a política acima dos interesses históricos das classes trabalhadoras. Acima da própria luta de classes! Quem se beneficia disso, a não ser as classes dominantes, incrustadas no próprio aparelho estatal?
Tal qual os seringalistas do primeiro ciclo da borracha e os nazistas do Regime Militar, vivemos um momento que não foge do velho processo que sempre marcou a trajetória política acreana: estabelecer interesses particulares como se fossem os de uma classe.
Há, na Sociologia, um nome e uma classificação para um processo político que atua nos mesmos moldes. A ênfase no controle da sociedade, na única dinâmica que pode criar o possível, é a sua ambição fundamental. Outras são a mitologização da história e a febre do desenvolvimentismo tecnológico.
Dicas?
(A burguesia estabelece seus interesses particulares como se fossem os interesses da sociedade. Os interesses da sociedade estão acima dos interesses das classes e da política: “os alunos não podem perder o ano letivo, os pais estão contra a greve e pressionam o governo, é ano de política não podemos dar o aumento que pedem”, etc, etc, etc É eficiente em produzir a aparência de que o universal prevalece sobre o particular. Por isso está no poder até hoje).
Seu texto esta bom. Eu não conseguiria fazer nada igual. Sempre que a gente escreve um texto, quem lê encontra brechas para fazer várias observações. É bom para o debate. Desculpe se peguei pesado. Você pediu. Você teve.
Uma das suas orientadoras mais queridas. Lembra?
Eurenice de Oliveira
quarta-feira, 12 de maio de 2010
O CAJADO DE MOISÉS
O deputado estadual Moisés Diniz (PCdoB) chamou hoje a imprensa para dizer basicamente que não representava o governo ao receber, um dia antes, o Comando de Greve dos Trabalhadores em Educação (Sinplac e Sinteac). Disse que tratou-se de uma iniciativa pessoal, em consequencia de sua "posição política", que seria fruto do que ele, Moisés, pensa em relação à política.
A verdade é que o nobre parlamentar discutiu alternativas para pôr termo ao movimento grevista - algo que, por um desses acasos bem casuístas da terra-de-galvez-e-chico-mendes, é também a intenção assumida e declarada do governo, com direito inclusive a notas lamurientas, penosas, nos meios de comunicação.
Inobstante esta assombrosa coincidência, em seu blog o próprio Moisés admite: "Meu movimento foi aproximar-me dos líderes [da greve] para falar-lhes com honestidade. Dizer-lhe que, quando um método não funciona, você o substitui. Acho que os líderes entenderam". Ou seja, Moisés chamou o movimento grevista para "conversar", propôs uma "substituição do método" - da greve - e no dia seguinte chamou a imprensa também para "conversar".
Mas neste segundo diálogo, diante de uma categoria desmobilizada e sem comando de greve, trabalhadores que ralam tanto quanto os da educação, Moisés mostrou toda honestidade a que tem direito. Que a imprensa está atrapalhando o diálogo. Que os repórteres devem se retratar e expor a verdade dos fatos. Ora, como a imprensa teria agido de má-fé se duas propostas trazidas do diálogo - ou melhor, da "substituição de método" - foram expostas no mesmo dia aos servidores em greve?
A imprensa pode ter se equivocado ao sugerir que Diniz representava o governo na reunião?
A resposta é a mesma em relação à verdade numa sociedade de classes: depende do interesse em jogo, ou seja, depende de quem "olha". É uma questão filosófica clássica. A "verdade" existe para além dos fatos, como um fato puro a ser alcançado pela imparcialidade, ou é uma construção social e depende da classe social em que está o observador? Se o motor da história ainda é a luta de classes, é evidente que Diniz representava o governo ao discutir com o Comando de Greve. Ainda que não falasse pelo governo ele está investido desse cargo - nomeado, batizado e referendado líder do governo.
Por outro lado, é igualmente evidente que as propostas surgidas nesse encontro foram apresentadas pelo governo? Difícil saber. Sabe-se apenas que a "posição política" de Moisés Diniz é precisamente a "posição política" do governo e que as duas propostas encaminhadas ontem foram também precisamente "substitutivos" para um movimento grevista que perdura há quase um mês.
A questão fundamental é então de uma simplicidade franciscana. As propostas surgidas na reunião com Diniz, independentemente da sua origem, tiveram o efeito desejado: reabrir o cobiçado "canal de negociação" com o governo - do qual Moisés Diniz é líder na Aleac - que deve receber e responder à categoria. A reunião na manhã de terça-feira foi fundamental para a continuidade de um diálogo que havia sido rompido - algo que o próprio governo deixou claro em nota para os jornais.
Esse episódio sinaliza um fenômeno importante: trabalhadores de qualquer setor - imprensa, educação etc - partilham características em comum.
A principal delas é pagar com o lombo quando interesses pessoais são contestados ou colocados em xeque. No Acre, não é de hoje que a imprensa vive sendo chamada para fazer "desmentidos" em meio a situações nebulosas como a descrita acima. Ninguém protesta, nem o sindicato da categoria.
Hoje, em assembléia geral, os trabalhadores em educação decidiram fazer vários aditivos às propostas apresentadas pelo Sinplac. É outro posicionamento. Se o que move a sociedade é o trabalho, e se esta sociedade é cindida em classes sociais, nada nem ninguém está acima dos trabalhadores, que devem ser soberanos e tomar suas decisões de forma igualmente soberana. No entanto, cada acreano que tem TV ou rádio tornou-se conhecedor da contradição entre o discurso oficialesco do governo sobre a educação pública e a realidade nua e crua evidenciada pelos professores e pessoal de apoio na greve, com todas as ameaças de responsabilização dos trabalhadores pelos "prejuízos à educação".
Quando o poder constituído, qualquer forma de poder constituído, se intromete nas lutas emancipatórias dos trabalhadores em busca de dividendos - eleitorais ou de qualquer tipo - o resultado é funesto. Trabalhadores são a base do tecido social, e não têm nada a perder senão os seus próprios grilhões. No caso da imprensa, deve-se perder os interesses particulares que omitem e manipulam o noticiário; na educação, a liberdade deve ter como inimigo o poder coercitivo do Estado e seus asseclas.
Contra essas infestações parasitárias na classe revolucionária, as categorias precisam responder com união. Somente os trabalhadores unidos podem subverter as cadeias que impedem a instauração do reino da liberdade, do trabalho desalienado e do fim de todos os joguetes de interesses espúrios.
Trabalhadores do Acre, uni-vos!
A charge é do cartunista Braga.
A verdade é que o nobre parlamentar discutiu alternativas para pôr termo ao movimento grevista - algo que, por um desses acasos bem casuístas da terra-de-galvez-e-chico-mendes, é também a intenção assumida e declarada do governo, com direito inclusive a notas lamurientas, penosas, nos meios de comunicação.
Inobstante esta assombrosa coincidência, em seu blog o próprio Moisés admite: "Meu movimento foi aproximar-me dos líderes [da greve] para falar-lhes com honestidade. Dizer-lhe que, quando um método não funciona, você o substitui. Acho que os líderes entenderam". Ou seja, Moisés chamou o movimento grevista para "conversar", propôs uma "substituição do método" - da greve - e no dia seguinte chamou a imprensa também para "conversar".
Mas neste segundo diálogo, diante de uma categoria desmobilizada e sem comando de greve, trabalhadores que ralam tanto quanto os da educação, Moisés mostrou toda honestidade a que tem direito. Que a imprensa está atrapalhando o diálogo. Que os repórteres devem se retratar e expor a verdade dos fatos. Ora, como a imprensa teria agido de má-fé se duas propostas trazidas do diálogo - ou melhor, da "substituição de método" - foram expostas no mesmo dia aos servidores em greve?
A imprensa pode ter se equivocado ao sugerir que Diniz representava o governo na reunião?
A resposta é a mesma em relação à verdade numa sociedade de classes: depende do interesse em jogo, ou seja, depende de quem "olha". É uma questão filosófica clássica. A "verdade" existe para além dos fatos, como um fato puro a ser alcançado pela imparcialidade, ou é uma construção social e depende da classe social em que está o observador? Se o motor da história ainda é a luta de classes, é evidente que Diniz representava o governo ao discutir com o Comando de Greve. Ainda que não falasse pelo governo ele está investido desse cargo - nomeado, batizado e referendado líder do governo.
Por outro lado, é igualmente evidente que as propostas surgidas nesse encontro foram apresentadas pelo governo? Difícil saber. Sabe-se apenas que a "posição política" de Moisés Diniz é precisamente a "posição política" do governo e que as duas propostas encaminhadas ontem foram também precisamente "substitutivos" para um movimento grevista que perdura há quase um mês.
A questão fundamental é então de uma simplicidade franciscana. As propostas surgidas na reunião com Diniz, independentemente da sua origem, tiveram o efeito desejado: reabrir o cobiçado "canal de negociação" com o governo - do qual Moisés Diniz é líder na Aleac - que deve receber e responder à categoria. A reunião na manhã de terça-feira foi fundamental para a continuidade de um diálogo que havia sido rompido - algo que o próprio governo deixou claro em nota para os jornais.
Esse episódio sinaliza um fenômeno importante: trabalhadores de qualquer setor - imprensa, educação etc - partilham características em comum.
A principal delas é pagar com o lombo quando interesses pessoais são contestados ou colocados em xeque. No Acre, não é de hoje que a imprensa vive sendo chamada para fazer "desmentidos" em meio a situações nebulosas como a descrita acima. Ninguém protesta, nem o sindicato da categoria.
Hoje, em assembléia geral, os trabalhadores em educação decidiram fazer vários aditivos às propostas apresentadas pelo Sinplac. É outro posicionamento. Se o que move a sociedade é o trabalho, e se esta sociedade é cindida em classes sociais, nada nem ninguém está acima dos trabalhadores, que devem ser soberanos e tomar suas decisões de forma igualmente soberana. No entanto, cada acreano que tem TV ou rádio tornou-se conhecedor da contradição entre o discurso oficialesco do governo sobre a educação pública e a realidade nua e crua evidenciada pelos professores e pessoal de apoio na greve, com todas as ameaças de responsabilização dos trabalhadores pelos "prejuízos à educação".
Quando o poder constituído, qualquer forma de poder constituído, se intromete nas lutas emancipatórias dos trabalhadores em busca de dividendos - eleitorais ou de qualquer tipo - o resultado é funesto. Trabalhadores são a base do tecido social, e não têm nada a perder senão os seus próprios grilhões. No caso da imprensa, deve-se perder os interesses particulares que omitem e manipulam o noticiário; na educação, a liberdade deve ter como inimigo o poder coercitivo do Estado e seus asseclas.
Contra essas infestações parasitárias na classe revolucionária, as categorias precisam responder com união. Somente os trabalhadores unidos podem subverter as cadeias que impedem a instauração do reino da liberdade, do trabalho desalienado e do fim de todos os joguetes de interesses espúrios.
Trabalhadores do Acre, uni-vos!
A charge é do cartunista Braga.
sexta-feira, 7 de maio de 2010
TUDO ERRADO
Podem conferir: uma profusão de terminologias "democráticas" invade a sociedade acreana quando trabalhadores entram em greve. Especialmente se o setor paralisado localiza-se nas dependências do glorioso serviço público, que por meio de suas fartas e generosas tetas sustém o modus vivendi de alguns - sem que apareça, em algum recanto de jornal, o reclame dos impostos e tributos devidos à sociedade democrática de homens e mulheres de bem etc etc etc.
É evidente que trata-se de um equívoco. Tá todo mundo "canso" de saber: riqueza, no Acre, jamais foi derivativo de empreendimentos capitalistas. Riqueza sempre foi exclusividade do setor público. Vem, dentre outras fontes - do arco-da-velha -, do sucateamento de gráficas públicas, de lojas que pegam fogo "misteriosamente" (ou o zé foguinho as pega misteriosamente, sabe-se lá a ordem dos fatores), de reuniões que varam a madrugada nos finais de mandato, de alfandegamentos desalfandegados da Área de Livre Comércio de Brasiléia e Epitaciolândia, da "capação" de determinadas verbas...
Enfim... são muitos os varadouros que levam ao Barracão.
Pode algum cidadão de bem se preocupar, nesse contexto, com o impacto da greve dos professores sobre "os direitos da sociedade, os contribuintes"?
Óbvio que pode. Deve!
Desde, é claro, que leve em consideração a lógica: o Estado vive para a sociedade, não o contrário. Educação, saúde, transporte e outros "benefícios" concedidos pelo Estado não são mercadorias compradas por impostos e tributos. São direitos e como tais valem para todos. São obrigações do Estado, independentemente de quaisquer tributações. Sem eles o Estado sequer existiria, uma vez que não haveria também sentido para tal existência.
O Estado só existe na medida em que há determinadas tarefas e funções que indivíduos não conseguem realizar sozinhos - até conseguiriam se houvesse união desses indivíduos; mas, como tais indivíduos fazem parte de classes sociais e não abrem mão de tais, a intermediação entre eles requer o Estado como agente agregador.
Se fossem mercadorias, aí sim os direitos da sociedade dependeriam de retribuição financeira. Mas não dependem. A contribuição financeira que todos pagamos serve para o Estado tentar corrigir a gigantesca distorção social existente no país. É simples entender: uma democracia exige igualdade de direitos, mas a prática impõe a pobreza porque é da pobreza que se produz riqueza - e com ela a democracia para meia dúzia de bem-nascidos, aqui incluídos os parasitas do setor público.
A concepção de que os direitos de cidadania são mercadorias, obtidas a título de contraprestação financeira, diz muito sobre a mitologia política pessoal de quem a designa como tal. Trata-se de uma "janela" para qualquer leitor arguto interessado em compreender a mentalidade tacanha, reacionária, conservadora, oriunda de décadas de toma-lá-dá-cá entre representantes da burguesia estatal e burguesia privada.
Sob tais condições tudo vira mercadoria: se tudo é vendível e comprável no mercado, até dignidade pessoal, então os direitos consagrados na Constituição também são! Por que não seriam?
Como dizem os antigos: o costume do cachimbo é que entorta a boca.
Dinheiro de impostos e tributos serve para corrigir uma distorção na democracia criada precisamente pela existência de uma realidade antidemocrática: as classes sociais.
Logo, os tais "direitos dos contribuintes" - se é que não se resumem ao próprio ato de contribuir para a eliminação de uma realidade insana - devem ser cobrados do Estado, não dos grevistas. É o Estado que deve, por meio da organização orçamentária, conceder os direitos a quem realmente de direito: os trabalhadores, aqueles que criam as riquezas.
Ou então que exijam o fim da luta de classes...
PS - Há cerca de um mês sou assessor de imprensa do Sindicato dos Professores Licenciados do Acre (Sinplac), que conduz a atual greve dos trabalhadores em educação. É só pra constar. Quero deixar isso público antes que me acusem de escrever algo sociologicamente correto só para "defender o meu", como é comum por aqui - como se o meu blog pudesse ter algum efeito sobre o movimento grevista...
É evidente que trata-se de um equívoco. Tá todo mundo "canso" de saber: riqueza, no Acre, jamais foi derivativo de empreendimentos capitalistas. Riqueza sempre foi exclusividade do setor público. Vem, dentre outras fontes - do arco-da-velha -, do sucateamento de gráficas públicas, de lojas que pegam fogo "misteriosamente" (ou o zé foguinho as pega misteriosamente, sabe-se lá a ordem dos fatores), de reuniões que varam a madrugada nos finais de mandato, de alfandegamentos desalfandegados da Área de Livre Comércio de Brasiléia e Epitaciolândia, da "capação" de determinadas verbas...
Enfim... são muitos os varadouros que levam ao Barracão.
Pode algum cidadão de bem se preocupar, nesse contexto, com o impacto da greve dos professores sobre "os direitos da sociedade, os contribuintes"?
Óbvio que pode. Deve!
Desde, é claro, que leve em consideração a lógica: o Estado vive para a sociedade, não o contrário. Educação, saúde, transporte e outros "benefícios" concedidos pelo Estado não são mercadorias compradas por impostos e tributos. São direitos e como tais valem para todos. São obrigações do Estado, independentemente de quaisquer tributações. Sem eles o Estado sequer existiria, uma vez que não haveria também sentido para tal existência.
O Estado só existe na medida em que há determinadas tarefas e funções que indivíduos não conseguem realizar sozinhos - até conseguiriam se houvesse união desses indivíduos; mas, como tais indivíduos fazem parte de classes sociais e não abrem mão de tais, a intermediação entre eles requer o Estado como agente agregador.
Se fossem mercadorias, aí sim os direitos da sociedade dependeriam de retribuição financeira. Mas não dependem. A contribuição financeira que todos pagamos serve para o Estado tentar corrigir a gigantesca distorção social existente no país. É simples entender: uma democracia exige igualdade de direitos, mas a prática impõe a pobreza porque é da pobreza que se produz riqueza - e com ela a democracia para meia dúzia de bem-nascidos, aqui incluídos os parasitas do setor público.
A concepção de que os direitos de cidadania são mercadorias, obtidas a título de contraprestação financeira, diz muito sobre a mitologia política pessoal de quem a designa como tal. Trata-se de uma "janela" para qualquer leitor arguto interessado em compreender a mentalidade tacanha, reacionária, conservadora, oriunda de décadas de toma-lá-dá-cá entre representantes da burguesia estatal e burguesia privada.
Sob tais condições tudo vira mercadoria: se tudo é vendível e comprável no mercado, até dignidade pessoal, então os direitos consagrados na Constituição também são! Por que não seriam?
Como dizem os antigos: o costume do cachimbo é que entorta a boca.
Dinheiro de impostos e tributos serve para corrigir uma distorção na democracia criada precisamente pela existência de uma realidade antidemocrática: as classes sociais.
Logo, os tais "direitos dos contribuintes" - se é que não se resumem ao próprio ato de contribuir para a eliminação de uma realidade insana - devem ser cobrados do Estado, não dos grevistas. É o Estado que deve, por meio da organização orçamentária, conceder os direitos a quem realmente de direito: os trabalhadores, aqueles que criam as riquezas.
Ou então que exijam o fim da luta de classes...
PS - Há cerca de um mês sou assessor de imprensa do Sindicato dos Professores Licenciados do Acre (Sinplac), que conduz a atual greve dos trabalhadores em educação. É só pra constar. Quero deixar isso público antes que me acusem de escrever algo sociologicamente correto só para "defender o meu", como é comum por aqui - como se o meu blog pudesse ter algum efeito sobre o movimento grevista...
sábado, 1 de maio de 2010
LIBERDADE DE IMPRENSA
A imprensa livre é o olhar onipotente do povo, a confiança personalizada do povo nele mesmo, o vínculo articulado que une o indivíduo ao Estado e ao mundo, a cultura incorporada que transforma lutas materiais em lutas intelectuais, e idealiza suas formas brutas.
É a franca confissão do povo em si mesmo, e sabemos que o poder da confissão é o de redimir.
A imprensa livre é o espelho intelectual no qual o povo se vê, e a visão de si mesmo é a primeira condição da sabedoria.
A função da imprensa é ser o cão-de-guarda público, o denunciador incansável dos dirigentes, o olho onipresente, a boca onipresente do espírito do povo que guarda com ciúme sua liberdade.
A imprensa censurada, com sua hipocrisia, sua falta de caráter, sua linguagem de eunuco, seu rabo de cachorro constantemente em movimento, personifica somente as íntimas condições da sua existência.
Karl Marx - Debates sobre a liberdade de imprensa e comunicação. Publicados no jornal Rheinische Zeitung ao longo do mês de Maio (isso mesmo) de 1842.
Decidi republicar um trecho acima - o original possui 107 páginas - neste modesto blog por três motivos:
- Primeiro porque o texto é pouco conhecido. Até onde sei há somente uma versão em português, publicada pela Ed. L & PM, de Porto Alegre (RS), que reúne este e outros artigos do revolucionário alemão, um dos pais do socialismo científico.
- Segundo porque esta é minha forma de homenagear os trabalhadores nesse cinzento maio de 2010, quando a luta de classes continua sendo o motor da história tanto quanto há um século e meio. O problema hoje não é mais comida, água, pão e circo. Hoje o problema é alienação.
- Terceiro porque pretendo expor o que eu mesmo penso sobre a função do jornalismo numa sociedade de classes, que vive nesta contradição de ser democrática e ter um profundo abismo social. A questão é: se a democracia pressupõe igualdade de direitos, a existência de classes sociais indica desigualdades no acesso a esses direitos. A função da imprensa, de uma imprensa livre, é então fundamental. Mas daí surge a questão: como pode a imprensa ser livre, se, como o restante da sociedade, está igualmente submetida às lutas de classes? Que tipo de sociedade estamos ajudando a construir, uma sociedade livre ou uma sociedade cheia de dependências em relação a interesses patronais, sejam eles públicos ou privados - ou ambos?
A propósito: Karl Marx passou grande parte da vida trabalhando como jornalista, embora fosse filósofo por formação. O livro da L&PM (na minha opinião indispensável a qualquer profissional em comunicação, especialmente se acreano, especialmente se em atividade hoje) está disponível por R$ 15 no site da editora.
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