Pular para o conteúdo principal

DIREITA, EU?

Chega a ser engraçado essa coisa de, no Brasil, ninguém ser de direita. Por aqui, alguém só se diz de direita quando quer chocar ou demonstrar certa ferocidade política e pessoal do tipo “sou de direita mesmo, vai encarar?”. Coisa de cabo eleitoral da TFP e bestas-feras do gênero. Mas a regra é diferente. Quem é de direita só abre a boca quando percebe receptividade no ambiente. Mais ou menos como quem é racista. Normalmente, para se identificar alguém de direita é preciso observar o conjunto dos atos e o tom do discurso, uma mistura de falsa simulação ideológica que inclui, necessariamente, a negação das divisões políticas ou, no limite, a própria negação da política. Dessa forma, ao ser questionado sobre pendores ideológicos, o indivíduo de direita se sai sempre com o clichê da queda do muro de Berlim – embora a maioria apenas desconfie, ligeiramente, do verdadeiro significado do evento e do processo que o deflagrou. Depois da queda do muro de Berlim, portanto, não tem mais direita nem esquerda, é tudo muito relativo. Outra saída é dizer que odeia política, que é apolítico (?), que político é tudo canalha, que não vai mais dar o voto para ninguém. Mentira: vai votar na direita.

No Brasil, há casos clássicos de políticos e intelectuais que migraram para a direita, um pouco pelo desencanto do comunismo, pela perda natural dos ideais que a idade provoca, mas muito pela oportunidade de ficar rico ou fazer parte da elite nacional que toma uísque escocês e freqüenta balneários de luxo, ainda que forma subalterna e humilhante. Não é preciso citar nomes, mas muitos pululam pelos parlamentos, partidos políticos e redações de jornais. Pergunte a qualquer deputado ou senador se ele é de direita, e não vai aparecer nenhum. Todo mundo tem uma desculpa para não ser de direita, mesmo os mais conservadores e reacionários, mesmo as viúvas da ditadura militar, mesmo os risíveis neodemocratas de plantão. Todos vão dizer que esquerda e direita não existem mais. Que depois da queda do muro de Berlim, etc,etc,etc.

A verdade é que ninguém quer se admitir de direita porque, no Brasil, ou em qualquer outra nação latino-americana que tenha sido submetida a regimes neofascistas comandados por generais, ser de direita tem pouco a ver com a clássica postura liberal econômica ou com a defesa das leis de mercado. Tem a ver é com truculência, violência, racismo, fundamentalismo religioso, obscurantismo político, coronelismo, ódio de classe e, é claro, golpismo. Por isso há tão poucos direitistas assumidos. Assim, de cabeça, aliás, não lembro de nenhum. Ah, de repente me lembrei de uma confissão antológica do ex-deputado Wigberto Tartuce, o Vigão, parlamentar do PTB brasiliense, de riquíssimo prontuário policial, temeroso de ser confundido na multidão: “Eu sou de direita, mas sou honesto”. Até agora, a única confirmação das autoridades policiais é a de que Vigão é mesmo de direita.



Texto do jornalista e escritor Leandro Fortes, do blog Brasília, eu vi.

Publicado originalmente na revista Carta Capital.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A XENOFOBIA NOSSA DE CADA DIA

Deixem-me entender. Em 11 de setembro passado houve uma tentativa de golpe civil na Bolívia, perpetrada pelos dirigentes de vários departamentos - equivalentes aos "estados" no Brasil - opositores ao presidente Evo Morales. Em Pando, departamento fronteiriço com o Brasil pelo Acre, cerca de 18 pessoas foram assassinadas e o número de desaparecidos ainda hoje é incerto. Por isso ainda em setembro a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) enviou ao local uma comissão de investigação composta por advogados, antropólogos, peritos criminais, jornalistas e outros profissionais de várias áreas e de vários países. A comissão visitou Cobija, Brasiléia e Epitaciolândia, conversou com os refugiados, com as famílias das vítimas e sobreviventes, visitou os locais de confronto, coletou provas materiais e depoimentos. Conclusão: houve mesmo uma tentativa de golpe (clique aqui para baixar o relatório final da Unasul). Estupros, torturas, assassinatos a sangue frio, racismo, houve de tudo um...

OS DEMÔNIOS DESCEM DO NORTE

Os movimentos autônomos de cunho religioso, notadamente os de cunho pentecostal e neopentecostal surgidos nos EUA desde meados do século XIX até a atualidade, são subprodutos de um capitalismo que necessitava de uma base ideológica para se sustentar em seus desatinos de exploração e criação de subsistemas para alimentar os mecanismos de dominação ideológica e manutenção de poderes da matriz do grande capital - os Estados Unidos. Na década de 70 praticamente todos os paises da América Latina estavam sob o domínio de sanguinárias ditaduras militares, cuja ideologia de cunho fascista era a resposta política à ameaça da Revolução Cubana que pretendia se expandir para outros países do subcontinente. Era o tempo da Teologia da Libertação, que, com seu viés ideológico de matriz marxista, contribuiu de forma efetiva para a organização dos trabalhadores e dos camponeses em sindicatos e movimentos agrários que restaram depois na criação do PT e do Movimento dos Sem-Terra (MST). A ação dess...

AINDA SOBRE CRISTIANISMO E PAZ SOCIAL

A propósito da postagem " Por que o Cristianismo não produz paz social " recebi o seguinte comentário do leitor Marcelino Freixo: Me permita fazer uma correção. Pelo Evangelho, a salvação do homem é um ato de graça, e não o resultado do amor ao próximo ou mesmo a Deus. O amor a Deus e ao próximo é o resultado de ter a certeza dessa salvação, conforme está escrito em Efésios 2:8-9: "Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie". Acho que isso invalida o argumento central do seu texto, que o cristianismo ensina que o amor é condição para se ter algo.