quarta-feira, 4 de maio de 2011

A CONSCIÊNCIA E O OLHAR

Indagado por uma pesquisadora sobre o que gostaria de ver na televisão, um jovem engraxate da favela da Rocinha (Rio) responde: "eu". Isto é logo interpretado como uma reivindicação de espaço por parte de "meninos, como ele, na faixa dos 10 aos 18 anos, para os quais não existe nada em termos de teatro, lazer e cinema".

A interpretação encaminha claramente a resposta do entrevistado na direção dos interesses de programação da instituição televisiva a que se vincula a pesquisadora. Seria a manifestação do desejo de um telespectador insatisfeito com a oferta habitual de conteúdos da televisão. O atendimento à demanda ratificaria as linhas gerais do juízo de função psicossocial que a organização televisiva costuma fazer sobre si mesma.

Entretanto, para melhor entender a natureza do fenômeno da televisão, começaremos tomando ao pé da letra a resposta do pequeno engraxate: ele desejaria ver a si mesmo enquanto indivíduo concreto - não como índice de uma abstrata média de telespectadores infanto-juvenis - no vídeo. Desejaria ver a sua própria imagem refletida nesse moderno espelho eletrônico e por ele multiplicada com tal intensidade que alguma modificação viesse a ocorrer no seu estatuto social de engraxate da Rocinha ou que algo pudesse compensar uma provável auto-imagem negativa.

É tão simples assim. A fala sincera de uma criança é capaz de apontar com mais clareza para as raízes profundas da fascinação que sobre o homem contemporâneo exerce o "espelho" televisivo.

Trecho de SODRÉ, Muniz. "A Máquina de Narciso: Televisão, Indivíduo e Poder no Brasil". Cortez, 145 p.

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