
A interpretação encaminha claramente a resposta do entrevistado na direção dos interesses de programação da instituição televisiva a que se vincula a pesquisadora. Seria a manifestação do desejo de um telespectador insatisfeito com a oferta habitual de conteúdos da televisão. O atendimento à demanda ratificaria as linhas gerais do juízo de função psicossocial que a organização televisiva costuma fazer sobre si mesma.
Entretanto, para melhor entender a natureza do fenômeno da televisão, começaremos tomando ao pé da letra a resposta do pequeno engraxate: ele desejaria ver a si mesmo enquanto indivíduo concreto - não como índice de uma abstrata média de telespectadores infanto-juvenis - no vídeo. Desejaria ver a sua própria imagem refletida nesse moderno espelho eletrônico e por ele multiplicada com tal intensidade que alguma modificação viesse a ocorrer no seu estatuto social de engraxate da Rocinha ou que algo pudesse compensar uma provável auto-imagem negativa.
É tão simples assim. A fala sincera de uma criança é capaz de apontar com mais clareza para as raízes profundas da fascinação que sobre o homem contemporâneo exerce o "espelho" televisivo.
Trecho de SODRÉ, Muniz. "A Máquina de Narciso: Televisão, Indivíduo e Poder no Brasil". Cortez, 145 p.
Comentários