Esses anúncios estavam em completa oposição às análises então dominantes; a sequência dos acontecimentos mostrou, no entanto, que elas estavam corretas.
Na mesma lógica de antecipação o LEAP/E2020 estima que hoje o mundo está entrando numa nova sequência da Fase 4 da crise sistêmica mundial (a fase dita de "decantação"), ou seja, a sequência de uma insolvência da economia global.
As graves consequências da insolvência mundial são antecipadas neste Global Europe Anticipation Bulletin (GEAB) Nº 31. Baseado nisso, este comunicado apresenta elementos que permitem observar o que está ocorrendo na nova sequência da crise. Assim, o GEAB Nº 31 apresenta 29 "altos e baixos" do ano 2009, segundo a equipe do LEAP/E2020. São 15 tendências em alta e 14 em baixa, que oferecemos como ferramentas de auxílio à análise e decisão àqueles a quem este ano inquieta.
Ao contrário do que os líderes mundiais, a exemplo dos seus banqueiros centrais, parecem pensar, o problema de liquidez que eles tentam resolver com baixas históricas das taxas de juros e com injeções cavalares de dinheiro, não é uma causa, mas uma consequência da crise atual. Na verdade, é um problema de solvência que cria os "buracos negros" nos quais desaparece a liquidez, quer na forma de balanços dos bancos [1], endividamentos das famílias [2], falências de empresas ou déficits públicos.
Com uma estimativa conservadora de que os "ativos fantasmas" mundiais estejam a mais de US$ 30 trilhões [3], a nossa equipe considera que a partir de agora o mundo enfrentará uma insolvência generalizada que evidentemente atinge em primeiro lugar aos países e às organizações (públicas ou privadas) mais endividadas e/ou muito dependentes dos serviços financeiros.
Como distinguir uma crise de solvência de uma crise de liquidez
Essa distinção entre crise de liquidez e crise de solvência pode parecer muito técnica e no final das contas pouco importante para a evolução da crise em curso. Mas ela nada tem de querela acadêmica se considerarmos que, dependendo de cada caso, a ação dos governos e dos bancos centrais pode ser útil ou totalmente inútil e até perigosa.
Um exemplo simples permite captar bem o que estamos passando. Se você, leitor, tiver um problema passageiro de equilíbrio nas receitas e o seu banco ou a sua família aceitar lhe emprestar os fundos necessários para atravessar essa má fase, esse esforço será benéfico para todos os agentes envolvidos: você continuará a sua vida econômica normal, se for empresário poderá pagar os seus funcionários ou recuperar o seu poder de compra, com o tempo o seu banco ou família serão reembolsados (com alguns juros, é claro, no que se refere ao banco) e a economia em geral será beneficiada com uma contribuição positiva.
Entretanto, se o seu problema não for de desequilíbrio temporário de receita, mas devido ao fato de que a sua atividade não é rentável nem pode tornar-se rentável nas condições econômicas do momento, então o esforço do seu banco ou da sua família torna-se perigoso para todos os atores envolvidos no empréstimo. Assim, conseqüentemente o seu primeiro pedido empréstimo será seguido por outros sempre recheados de promessas (honestas, suponhamos) de que a má fase logo será superada.
Nesse caso, seu banco ou a sua família serão praticamente obrigados a continuar lhe emprestando dinheiro, pois arriscam-se a perder tudo o que já lhe emprestaram se você quebrar ou suspender as suas atividades (isso explica os empréstimos cavalares dos governos às empresas, especialmente às maiores).
Mas se a situação continuar a piorar, o que acontecerá se for realmente um problema de rentabilidade, chegará um momento em que serão atingidos certos limites: por um lado o seu banco vai decidir que tem mais a perder continuando a sustentá-lo do que lhe deixando quebrar; e por outro a sua família simplesmente não terá mais dinheiro disponível, pois você sugou toda a poupança doméstica. Assim fica evidente para todos que você não só está falido e insolvente como também arrastou a sua família junto ou enfraqueceu o seu banco [4] .
Você desferiu um golpe terrível à economia em torno de si mesmo, incluindo os seus entes queridos [5]. É importante frisar que tudo isso pode acontecer mesmo com você agindo de boa fé quando uma mudança brutal do ambiente econômico perturbar as condições da sua rentabilidade sem que você tenha tomado consciência da amplitude das consequências da sua atividade.
Segundo o LEAP/E2020 o exemplo acima ilustra perfeitamente a situação mundial nesse começo de 2009 e é válido para todo o sistema financeiro mundial, uma parte importante da economia do planeta e todos os atores econômicos (Estados, inclusive) que fundamentaram o seu crescimento sobre o endividamento.
A crise traduziu e ampliou um problema de solvência global. O mundo está em vias de tomar consciência de que é muito mais pobre do que a última década o havia feito acreditar. Em 2009 obrigará todos os atores econômicos a tentar avaliar concretamente o estado da sua solvência, sabendo que numerosos ativos continuam perdendo valor.
Como se não bastasse, um número crescente de operadores do mercado já não confia mais nos indicadores e instrumentos de medida tradicionais. As agências de classificação perderam toda credibilidade. O dólar dos EUA não é senão uma ficção de unidade de medida monetária mundial do qual numerosos Estados já tentam se livrar o mais rápido possível [6]. Portanto, toda a esfera financeira é, com boa razão, suspeita de não ser senão um imenso buraco negro.
Nas empresas também não se confia mais em encomendas [7], uma vez que em todos os setores os clientes anulam maciçamente as compras [8] ou não compram mais, mesmo quando os preços são rebaixados como se observa com a forte queda das vendas no varejo destas últimas semanas [9]. Para os Estados (e outras instâncias do poder público) daqui em diante só haverá queda das receitas fiscais, o que leva ao temor de uma alta repentina dos déficits e que pode também implicar falências.
Além disso, desde os milionários russos [10] até as petromonarquias do Golfo passando pelo Eldorado comercial chinês [11], todas as "galinhas dos ovos de ouro" das empresas e dos estabelecimentos do planeta (nomeadamente, europeus, japoneses e norte-americanos [12]) estão hoje insolventes ou simplesmente em estado de solvência.
A questão da solvência dos EUA e seus estados [13] (assim como a da Rússia ou do Reino Unido) já começa igualmente a ser colocada nos principais meios de comunicação do mundo; assim como certamente a questão dos grandes fundos de pensão por capitalização, grandes atores da economia globalizada nesses últimos 20 anos.
Para o LEAP/E2020 a tendência é clara: a sequência que começa nesse princípio de 2009 é realmente a da insolvência global.
Notas
(1) Eis uma lista muito útil dos bancos americanos prestes a falirem, apresentada no sítio LewRockwell.com e elaborada a partir do Texas Ratio, que permite medir a sua exposição ao risco.
(2) Este mapa dinâmico dos cartões de crédito e dos empréstimos imobiliários não pagos nos Estados Unidos (2º trimestre de 2008), realizado pelo Federal Reserve de Nova York, permite julgar a extensão da crise que afectam os rendimentos das famílias e o seu nível de endividamento. Fonte: NewYorkFed , 12/2008
(3) A evolução dos valores bursáteis mundiais é um bom indicador deste desaparecimento dos "activos fantasmas", mesmo que seja preciso acrescentar todas as perdas de valor imobiliário e em outras espécies de activos à estimativa, assim como deveriam ser deduzidos pequenos aumentos (varridos pela actual tormenta mas a serem restaurados uma vez ultrapassada a crise).
(4) Não falamos aqui sequer dos empregados, fornecedores, clientes, ...
(5) E, uma tal situação, repetida à escala de todo um país, conduz a um caos social. O próprio exército americano certamente considera que a instabilidade social criada pela crise possa levar a uma intervenção militar. Fonte: ElPasoTimes , 29/12/2008
(6) A este respeito, o LEAP/E2020 emite uma recomendação destinada às instituições financeiras internacionais e sobretudo aos seus responsáveis dos serviços estatísticos: é urgente estabelecer um contabilidade internacional alternativa, fundamentada num cabaz de divisas (por exemplo: 25% USD, 25% Euro, 25% Yen e 25% Yuan até que os dirigentes políticos decidam um cabaz global) pois a cessação de pagamentos dos Estados Unidos [da sua dívida] e a ruptura do sistema monetário mundial que antecipámos no Verão de 2009 vai imediatamente provocar uma catástrofe em matéria de contabilização dos valores e dos fluxos financeiros mundiais. Portanto é urgente, mesmo que isto resulte de discussões oficiosas e de contabilidade "no negro", duplicar as estatísticas actuais feitas essencialmente em dólares dos EUA por uma versão de "salvaguarda" efectuada num cabaz de divisas. Isto permitirá assegurar uma continuidade das estatísticas quando chegar o tempo de uma reconstrução do sistema monetário mundial.
(7) Uma série de artigos da revista Spiegel (18/12/2008), intitulada "A calma antes da recessão mundial", ilustra muito bem a crise vista da Alemanha. E a queda generalizada do transporte de mercadorias na zona Euro ilustra bem este facto. Fonte: Libération , 12/01/2009
(8) Um dos indicadores avançados da economia mundial é inegavelmente o mercado de máquinas-ferramenta, pois são elas que servem para produzir os objectos manufacturados. As encomendas de máquinas-ferramenta permitem antecipar com um avanço de 6 meses a um ano o estado da indústria manufactureira mundial. Os dois grandes fabricantes e exportadores mundiais de máquinas-ferramentas sendo a Alemanha e o Japão, a evolução da sua produção e exportação neste sector é portanto um índice fiável do futuro da indústria manufactureira mundial. No caso, este verifica-se muito sombrio para 2009 uma vez que, tal como a Alemanha, em Novembro de 2008 o Japão registou uma queda vertiginosa de 16,2% das suas encomendas em relação a Outubro de 2008, ou seja, a pior baixa desde 1987 quando estas estatísticas principiaram a estar disponíveis. Fonte: MarketWatch }, 15/01/2009
(9) Nos Estados Unidos, em 2009 há o risco de que 25% dos estabelecimentos comerciais a retalho fechem as suas portas. Fonte: ClusterStockAlleyInsider , 27/12/2008
(10) Os "milionários russos" estão reduzidos a implorar a esmola do Kremlin, o qual também vê as suas reservas financeiras fundirem-se a olhos vistos. Fonte: Spiegel , 08/01/2009
(11) Um "El Dorado chinês" que em 2009 está em vias de se transformar em atoleiro socioeconómico. Fonte: Janelanaweb , 25/12/2008; Yahoo/Reuters , 07/01/2009; Guardian , 13/01/2009
(12) A muito recente falência da Nortel, líder norte-americana da indústria das telecomunicações, é um exemplo flagrante.
(13) Fontes: USAToday , 28/12/2008; Reuters , 02/01/2009
O original, em francês, encontra-se em www.leap2020.eu
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