Vi no programa Gazeta Alerta de hoje uma matéria curiosa em que uma educadora do Instituto São José comentava a "importância da educação sobre a Copa do Mundo" para compreender esse momento de "confraternização entre as nações".
Muito importante, de fato.
Como ao invés de "confraternização" interna temos violência e péssima qualidade da educação (como se vê), projetar nossas necessidades nos outros, ou seja, no exterior, ajudará muito - na eliminação da pobreza, por exemplo.
Transcrevo a seguir um texto da filósofa Marilena Chauí sobre a origem e a função social desse tipo de alienação criada pela Ditadura Militar e que se chama verde-amarelismo (clique para saber mais). É o tipo de mito perfeito para sociedades com larga tradição de paternalismo estatal:
Na escola, todos nós aprendemos o significado da bandeira brasileira: o retângulo verde simboliza nossas matas e riquezas florestais, o losango amarelo simboliza nosso ouro e nossas riquezas minerais, o círculo azul estrelado simboliza nosso céu, onde brilha o Cruzeiro do Sul, indicando que nascemos abençoados por Deus, e a faixa branca simboliza o que somos: um povo ordeiro
Sabemos todos que somos um povo novo, formado pela mistura de três raças valorosas: os corajosos índios, os estóicos negros e os bravos e sentimentais lusitanos. Quem de nós ignora que da mestiçagem nasceu o samba, no qual se exprimem a energia índia, o ritmo negro e a melancolia portuguesa? Quem não sabe que a mestiçagem é responsável por nossa ginga, inconfundível marca dos campeões mundiais de futebol? Há quem não saiba que, por sermos mestiços, desconhecemos preconceito de raça, cor, credo e classe? Afinal, Nossa Senhora, quando escolheu ser nossa padroeira, não apareceu negra?
Aprendemos também que nossa história foi escrita sem derramamento de sangue, com exceção de nosso Mártir da Independência, Tiradentes; que a grandeza do território foi um feito da bravura heróica do Bandeirante, da nobreza de caráter moral do Pacificador, Caxias, e da agudeza fina do Barão do Rio Branco; e que, forçados pelos inimigos a entrar em guerras, jamais passamos por derrotas militares. Somos um povo que atende ao chamamento do país e que diz ao Brasil: “Mas se ergues da justiça a clava forte/ Verás que um filho teu não foge à luta/ Nem teme quem te adora a própria morte”. Não tememos a guerra, mas desejamos a paz. Em suma, somos um povo bom, pacífico e ordeiro, convencido de que “não existe pecado abaixo do Equador”.
Duas pesquisas recentes de opinião, realizadas em 1995, uma delas pelo Instituto Vox Populi e a outra pelo Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação Getúlio Vargas, indagaram se os entrevistados sentiam orgulho de ser brasileiros e quais os motivos para o orgulho. Enquanto quase 60% responderam afirmativamente, somente 4% disseram sentir vergonha do país. Quanto aos motivos de orgulho, foram enumerados, em ordem decrescente: a Natureza, o caráter do povo, as características do país, esportes/música/ carnaval. Quanto ao povo brasileiro, de quem os entrevistados se sentem orgulhosos, para 50% deles a imagem apresentava os seguintes traços, também em ordem decrescente: trabalhador/lutador, alegrei divertido, conformado/ solidário e sofredor.
Mesmo que não contássemos com pesquisas, cada um de nós experimenta no cotidiano a forte presença de uma representação homogênea que os brasileiros possuem do país e de si mesmos. Essa representação permite, em certos momentos, crer na unidade, na identidade e na indivisibilidade da nação e do povo brasileiros, e, em outros momentos, conceber a divisão social e a divisão política sob a forma dos amigos da nação e dos inimigos a combater, combate que engendrará ou conservará a unidade, a identidade e a indivisibilidade nacionais.
Eis por que algumas pesquisas de opinião indicam que uma parte da população atribui os males do país à colonização portuguesa, à presença dos negros ou dos asiáticos e, evidentemente, aos maus governos, traidores do povo e da pátria. Nada impede, porém, que em outras ocasiões o inimigo seja o “gringo” explorador ou alguma potência econômica estrangeira. A representação é suficientemente forte e fluida para receber essas alterações que não tocam em seu fundo.
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