Entrevista conduzida por George Sylvester Viereck, publicada no jornal Liberty, de 9 de julho de 1932 e republicada no livro: ALTMAN, Fábio (org.) A arte da entrevista: uma antologia de 1823 aos nossos dias. São Paulo: Scritta, 1995.
Adolf Hitler (1889-1945), o ditador alemão, nasceu na Áustria, filho de um oficial de alfândega. Ainda estudante, sonhava em se tornar arquiteto ou artista - mas seu insucesso acadêmico o levou à política. Com a guerra mundial deflagrada, ele se alistou no Exército da Bavária. Condecorado por heroísmo, Hitler terminou os combates na condição de inválido: atingido por um ataque de gás, perdeu parte de sua visão. Frustrado com a derrota bélica, atribuída por ele aos judeus e aos socialistas, fundou o Partido Alemão Nacional-Socialista dos Trabalhadores.
Em 1923, ele participou do putsch da cervejaria, numa tentativa de golpe de Estado contra o governo republicano da Bavária. Encarcerado durante nove meses, Hitler aproveitou esse período para ditar seu credo político, o Mein Kampf (Minha Luta), para Rudolf Hess. Depois de sua liberação, ele começou a atrair o interesse popular para as idéias nazistas, manipulando a paranóia anti-semita, utilizando recursos de propaganda e construindo uma coalizão de trabalhadores, empresários e senhores do campo.
Em 1933, um ano depois de ter sido derrotado nas eleições presidenciais, foi nomeado chanceler da Alemanha. Novas eleições gerais foram convocadas e o partido de Hitler chegou ao poder. Hitler se suicidou com sua amante, Eva Braun em 1945, quando as tropas russas se preparavam para invadir seu bunker em Berlim.
George Sylvester Viereck já havia entrevistado Adolf Hitler em 1923, quando ele ainda era um obscuro personagem da vida política européia. Naquela oportunidade, Viereck anotou: "Este homem, se sobreviver, fará história, para o bem ou para o mal" .
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“Quando eu dominar a Alemanha, vou colocar um fim ao bolchevismo em nosso país e às homenagens a ele no exterior." Adolf Hitler bebeu todo o conteúdo da xícara como se não fosse chá, mas o sangue dos bolcheviques.
"O bolchevismo", continuou o chefe dos camisas-marrons, dos fascistas alemães, olhando-me ameaçador, “é a nossa grande ameaça. Quando o bolchevismo na Alemanha estiver morto, setenta milhões de pessoas voltarão ao poder. A França deve toda a força que tem não aos seus exércitos, mas às forças do bolchevismo e a dissensão entre nós."
"O Tratado de Versalhes e o Tratado de Saint Germain sobrevivem graças ao bolchevismo na Alemanha. O Tratado de Paz e o bolchevismo são duas cabeças do mesmo monstro. Temos que decapitá-las."
Quando Adolf Hitler anunciou esse programa, o advento do Terceiro Reich que ele proclamou ainda parecia distante. Com o tempo, o poder de Hitler foi crescendo a cada eleição. Embora incapaz de tirar Hindenburg da presidência, Hitler, no momento, lidera o maior partido da Alemanha. A não ser que Hindenburg instaure medidas ditatoriais ou que os acontecimentos tomem um rumo inesperado e frustrem todas as atuais previsões, o partido de Hitler irá conquistar o Reichstag e dominar o governo. Hitler não lutou contra Hindenburg mas contra o chanceler Bruening. Será difícil para o sucessor de Bruening manter-se no poder sem o apoio dos nacional-socialistas.
Muitos dos que votaram em Hindenburg estavam, no íntimo, do lado de Hitler, mas um senso de lealdade arraigado impeliu-os, entretanto, a votar no velho marechal-de-campo. A não ser que um novo líder apareça do dia para a noite, não há ninguém na Alemanha, com exceção de Hindenburg, capaz de derrotar Hitler - e Hindenburg tem 85 anos! Só o tempo, a.obstinação da luta francesa contra Hitler, algum erro cometido por ele próprio ou uma dissensão nas fileiras do partido pode privá-lo da oportunidade de desempenhar o papel de Mussolini da Alemanha.
O Primeiro Império alemão chegou ao fim quando Napoleão forçou o imperador austríaco a renunciar à coroa imperial. O Segundo Império terminou quando Guilherme II, a conselho de Hindenburg, procurou refúgio na Holanda. O Terceiro Império está emergindo aos poucos mas com firmeza, embora talvez dispense cetros e coroas.
Encontrei Hitler não em seu quartel-general, a Casa Marrom em Munique, mas no seu próprio lar - a residência de um almirante reformado da Marinha alemã. Discutimos o destino da Alemanha bebendo chá.
Por que o senhor se diz um nacional-socialista, já que o programa do seu partido é a própria antítese do que geralmente se acredita ser o socialismo?
O socialismo - replicou ele agressivo, deixando de lado a xícara de chá - é a ciência de lidar com o bem-estar geral. O comunismo não é o socialismo. O marxismo não é o socialismo. Os marxistas roubaram o termo e confundiram seu significado. Vou tirar o socialismo dos socialistas. O socialismo é uma antiga instituição ariana e alemã. Nossos ancestrais alemães tinham algumas terras em comum. Cultivavam a idéia do bem-estar geral. O marxismo não tem direito de se disfarçar de socialismo. O socialismo, diferentemente do marxismo, não repudia a propriedade privada. Diferentemente do marxismo, ele não envolve a negação da personalidade e é patriótico. Poderíamos ter chamado nosso partido de Partido Liberal. Preferimos chamá-lo de Nacional-Socialista. Não somos internacionalistas. Nosso socialismo é nacional. Exigimos o atendimento das justas reivindicações das classes produtivas pelo Estado com base na solidariedade racial. Para nós, o Estado e a raça são um só.
O próprio Hitler não é um alemão puro. Os cabelos escuros denunciam a presença de algum ancestral alpino. Durante anos, ele se recusou a ser fotografado. Era parte de sua estratégia - ser conhecido apenas pelos amigos para que, em um momento de crise, pudesse aparecer em qualquer lugar sem ser descoberto. Hoje em dia, ele não poderia mais passar despercebido pela mais obscura das aldeias da Alemanha. Sua aparência cria um contraste estranho com a agressividade de suas opiniões. Nenhum outro reformista de maneiras tão suaves afundou um navio do Estado ou cortou gargantas na política.
Quais são os princípios fundamentais da sua plataforma?
Acreditamos em uma mente sã em um corpo são. A nação tem que ser sadia para que a alma também o seja. Saúde moral e física são sinônimos.
Mussolini, interrompi eu, disse-me a mesma coisa. Hitler sorriu.
Os bairros miseráveis, acrescentou, são responsáveis por nove décimos, e o álcool por um décimo, de toda a depravação humana. Nenhum homem saudável é marxista. Os homens saudáveis reconhecem o valor da personalidade. Lutamos contra as forças da desgraça e da degeneração. Se fizermos uma comparação, a Bavária é saudável porque não está completamente industrializada. No entanto toda a Alemanha, incluindo a Bavária, está condenada à industrialização intensiva pelo tamanho reduzido do nosso território. Se quisermos salvar a Alemanha, temos que nos assegurar de que os fazendeiros continuem fiéis à terra. Para tanto, eles precisam ter espaço para respirar e para trabalhar.
Onde o senhor encontrará espaço para trabalhar?
Precisamos manter nossas colônias e expandir em direção ao leste. Houve um tempo em que podíamos dividir o domínio do mundo com a Inglaterra. Agora, só podemos expandir-nos em direção ao leste. O Báltico é necessariamente um lago alemão.
A Alemanha não poderia reconquistar o mundo do ponto de vista econômico sem expandir seu território?
Hitler moveu a cabeça, negando com veemência - O imperialismo econômico, assim como o imperialismo militar, depende de poder. Não pode haver comércio mundial em larga escala sem poder mundial. Nosso povo não aprendeu a pensar em termos de poder e comércio mundiais. Entretanto a Alemanha não pode expandir o seu comércio e o seu território até reconquistar o que perdeu e encontrar-se. Estamos na mesma situação de um homem que perde a casa em um incêndio. Ele precisa ter um teto antes de entregar-se a planos mais ambiciosos. Conseguimos criar um abrigo de emergência que nos mantinha protegidos da chuva. Não estávamos preparados para o granizo. Entretanto, infortúnios caíram sobre nós. A Alemanha vive sob uma verdadeira tempestade de catástrofes nacionais, morais e econômicas. Nosso sistema partidário desmoralizado é um sintoma da nossa desgraça. As maiorias parlamentares flutuam ao sabor do vento. O governo parlamentarista abre as portas para o bolchevismo."
O senhor não é a favor de uma aliança com a União Soviética como alguns militares são, não é verdade?
Hitler esquivou-se de uma resposta direta a essa pergunta. Há pouco tempo, ele esquivou-se outra vez quando o “Liberty” pediu que respondesse à declaração de Trotski de que a tomada do poder por Hitler na Alemanha envolveria uma batalha de vida ou morte entre a Europa, liderada pela Alemanha, e a Rússia Soviética. Hitler talvez não tenha interesse em atacar o bolchevismo na Rússia. Talvez ele até mesmo considere uma aliança com o bolchevismo como a última cartada se estiver perdendo o jogo. Se, como ele insinuou certa vez, o capitalismo recusar-se a reconhecer que os nacionais-socialistas são a última trincheira da propriedade privada, se o capital impedir a luta deles, a Alemanha pode ser obrigada a jogar-se nos braços tentadores da Rússia Soviética. Mas ele está determinado a não permitir que o bolchevismo se estabeleça na Alemanha. No passado, ele respondeu com cuidado às tentativas de negociação do chanceler Bruening e de outros que desejavam formar uma frente política unida. Não é provável que o mesmo ocorra no momento, em vista do crescimento constante aos votos dos nacional-socialistas. Hitler estará propenso a fazer acordos sobre quaisquer princípios básicos com outros partidos.
As alianças políticas das quais depende uma frente unida são muito instáveis. Elas tomam quase impossível uma política claramente definida. Vejo, por toda a parte, o caminho tortuoso dos acordos e concessões. Nossas forças construtivas são detidas pela tirania dos números. Cometemos o erro de aplicar a aritmética e a mecânica do mundo econômico ao modo de vida. Somos ameaçados pelo constante crescimento dos números e abandono dos ideais. Meros números não têm importância.
Mas vamos supor que a França faça retaliações contra o senhor, invadindo suas terras mais uma vez? Ela já invadiu o Ruhr. Poderia invadi-lo de novo.
Não importa - respondeu Hitler, exaltado - quantos quilômetros quadrados o inimigo pode ocupar se o espírito nacional estiver vigilante? Dez milhões de alemães livres, prontos para morrer para que o país sobreviva, são mais fortes do que cinqüenta milhões cuja força de vontade está paralisada e cuja consciência de raça está infectada por estrangeiros. Queremos uma Alemanha maior, que una todas as tribos germânicas. Mas a nossa salvação pode começar em uma pequena região. Mesmo se tivéssemos apenas dez acres de terra mas estivéssemos determinados a defende-los com nossas próprias vidas, os dez acres iriam se tornar o foco da regeneração. Nossos trabalhadores têm duas almas: uma é alemã e a outra é marxista. Temos que acordar a alma alemã. Temos que extirpar o tumor do marxismo. O marxismo e o germanismo são antíteses. Nos meus planos para o Estado alemão, não haverá lugar para os estrangeiros, os perdulários, os usurários, os especuladores ou qualquer um que não seja capaz de fazer um trabalho produtivo.
Hitler franziu o cenho ameaçador. Sua voz dominou a sala. Ouvimos um barulho na porta. Seus seguidores, que estão sempre por perto como guarda-costas, lembraram ao líder o seu compromisso de falar em uma reunião. Hitler bebeu o chá às pressas e levantou-se.
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