terça-feira, 23 de julho de 2013

GÉRSON ALBUQUERQUE: A GREVE DA EDUCAÇÃO E A CRISE DOS SINDICATOS

A luta dos trabalhadores da educação sempre foi referência no Acre. Nos anos 90, muitos sindicatos surgiram como resultado das conquistas dos professores, fornecendo, inclusive, prestígio e lideranças para o projeto eleitoral do Partido dos Trabalhadores. Desde 1999 distribuídos entre o sindicato dos professores licenciados (Sinplac) e dos Trabalhadores em Educação (Sinteac), os professores vivem hoje uma crise de representatividade resultante exatamente dessa proximidade. Nesse artigo, Gerson Albuquerque, historiador e professor da Universidade Federal do Acre (UFAC), analisa um dos efeitos perversos dessa aproximação sindicato/governo: a contratação de seguranças para impedir a entrada de "indesejáveis" no local de uma assembléia, no auditório do CEBRB - e propõe a sua superação. Coerente com um fenômeno que o cientista político Israel Souza define como "hegemonia em declínio da FPA", Albuquerque lembra o caráter público das greves e dos sindicatos e desnuda o absurdo a que pode chegar a intromissão de interesses particulares (privados) na vida sindical.


“A volta do cipó de aroeira”

Gerson Albuquerque (*)

Acompanho, desde a Universidade Federal do Acre, os movimentos de colegas trabalhadores em educação acreanos, em luta por melhores condições de vida e de trabalho, por salários dignos e por respeito ao ofício que exercem. Infelizmente não tenho tido oportunidade de assistir às suas assembleias e reuniões, mas acesso, sempre que possível, aos vídeos postados em canais alternativos e uma ou outra reportagem de televisão e me solidarizo com sua greve e suas reivindicações, feliz por saber que o sindicalismo de “faz de contas” não mais manobra e engana a maioria desses trabalhadores, como fez na última década.

Nesse sentido, ao ouvir a fala do presidente do Sinteac, assumindo ter sido o contratante de “leões de chácara” para impedir o acesso de pessoas “estranhas à categoria” ao espaço público da quadra do Colégio Estadual Rio Branco, onde ocorreria a assembleia dos trabalhadores em educação, na última sexta-feira, 19 de julho de 2013, não pude deixar de perceber sua evidente e completa incapacidade para o cargo de presidente do maior sindicato de trabalhadores do estado do Acre.

Se tivesse o mínimo de compreensão sobre o que significa dirigir um sindicato desse porte, especialmente, de trabalhadores em educação, João Sandim, teria conhecimento que, para evitar qualquer tipo de dúvida, bastaria entregar um crachá de identificação aos integrantes da categoria, no momento de assinarem a lista de presença para a confecção da obrigatória ata de cada reunião.

Esse procedimento, além de facilitar a visualização e contagem de votos no momento de aprovação ou desaprovação das propostas, resolveria o problema do controle de quem pode ou não se expressar com voz e voto em cada assembleia, sem cercear o direito de ir e vir de qualquer cidadão, integrante de outra categoria, pais, mães e os próprios alunos interessados em acompanharem o ritmo das negociações e o desenrolar do movimento grevista.

Como historiador e militante de movimentos sociais na cidade de Rio Branco ignoro acontecimento como esse em que a direção de uma agremiação de trabalhadores, em greve, tenha impedido ou tentado impedir a entrada de pessoas “estranhas” aos locais de suas assembleias.

As diretorias de sindicatos de trabalhadores não podem transformá-los em congregações secretas e obscuras, assim como não podem impedir o acesso de não sindicalizados aos locais de reuniões e, principalmente, em assembleias de greve. Tal impedimento é equivocado não apenas por seu caráter antidemocrático e escuso, mas porque fere o estado de direito.

Não se pode esquecer que reuniões como essas decidem por toda uma categoria de trabalhadores, independente da totalidade de seus membros serem sindicalizados ou não. Logo, todos devem ter prévio conhecimento dos locais e horários onde serão realizadas e a garantia do livre acesso às assembleias, sem coerção ou qualquer forma de assédio ou constrangimentos.

Os diretores dos sindicatos que representam os trabalhadores em educação e os professores licenciados do Acre não devem esquecer a natureza pública dessas entidades, principalmente, porque se trata de agentes públicos, pagos com verbas públicas e vinculados a um serviço público essencial. Suas discussões, decisões e posicionamentos não podem ser fechados ao público porque atingem toda a sociedade.

Contratar e colocar “leões de chácara” em portões de um prédio ou escola pública para barrar a entrada de quem quer que seja é atitude ilegal; obrigar trabalhador a se sindicalizar é ilegal; impedir não sindicalizado de ter acesso a uma assembleia de greve é imoral e ilegal; obrigar um trabalhador a apresentar seu contracheque ou holerite ou carteira de associado a quem quer que seja para ter acesso a uma assembleia pública é um ato espúrio, imoral e ilegal.

A atitude do presidente do Sinteac evidencia o fundo do poço da desmoralização de um tipo de representação sindical que passou a viver da barganha, subordinação e busca de obter vantagens pessoais frente ao Poder Executivo acreano. Cinismo, despreparo e autoritarismo estão estampados no rosto do presidente do Sinteac ao anunciar que contratou os seguranças para impedir que pessoas “estranhas” à categoria, tais como “professores da Ufac” e o “pessoal da telexfree” tivessem acesso ao local da malograda assembleia.

Não sei e não me interessa saber quem é o “pessoal da telexfree”, mas, dentre os professores da Ufac, onde trabalho desde 1989, tenho certeza de que não tem nenhum colega interessado em tumultuar greve ou assembléia de greve de outros trabalhadores, principalmente, da área da educação. No ano passado, fizemos uma greve de quatro meses e sabemos muito bem os riscos, custos e os significados de um movimento paredista. Durante nossa greve, nunca tivemos tumulto em assembleias porque a dirigimos de forma democrática, respeitando as divergências cumprindo literalmente tudo o que a categoria decidia.

Nunca impedimos alunos e nem qualquer outra pessoa de participar e falar em nossas reuniões. Muito pelo contrário, posto que esse é um tipo de movimento que ganha força com a solidariedade e o apoio daqueles que o honram com suas presenças.

Lamentavelmente João Sandim e outros que lhe dão sustentação (anti)política deixaram de compreender o que significa a justa e solidária luta dos trabalhadores em defesa de seus direitos, com independência e autonomia frente aos patrões ou a gestores públicos autoritários, ardilosos e incompetentes. Sua fala titubeante, bem ao modo dos serviçais de plantão, atinge, de forma leviana e covarde, a todos nós que nada temos com os problemas que enfrenta; com sua falta de credibilidade junto à categoria que deveria representar. Seus atos e palavras são uma tentativa desesperada de transferir para outros sua incapacidade e isso é algo absolutamente inaceitável.

No mais, a histérica cantilena conservadora e reacionária sempre retorna à boca dos autocratas de plantão e seus sequazes nesses momentos em que a sociedade ou setores da sociedade não mais se deixam enganar pela retórica vazia daqueles que controlam o aparelho estatal e – no contexto da greve da educação – os atordoados diretores do Sinplac, Sinteac e CUT.

Estes, incapazes de enfrentar o debate franco e aberto no campo das ideias, passam a utilizar a estrutura sindical e/ou governamental para difamar e tentar desmoralizar seus críticos rotulando-os de “baderneiros”, “anarquistas”, “terroristas”, “marginais” ou coisa desse gênero. O próximo passo é fazer uso da força bruta e chamar a polícia para conter os “baderneiros”. Esse pífio desfecho todos nós já conhecemos.

A “nota de repúdio” assinada pela CUT – Acre e publicada no final da semana passada, tem como única finalidade tentar desqualificar e criminalizar os integrantes da categoria de trabalhadores em educação que não aceitam um simulacro de negociação na qual aos trabalhadores resta voltar para seus locais de trabalho, satisfeitos com as promessas vazias e o engodo do jargão de tecnocratas empenhados na impossível tarefa de ocultar o “sol com a peneira” e dizer amém às ordens de um chefe de estado que nos deve muitas explicações sobre as denúncias e inquéritos policiais acerca dos escandalosos desvios de verbas públicas destinadas a projetos fáusticos, tipo o “cidade do povo” e o “ruas do povo”, sob o invólucro do malfadado cartel G-7.

Com sua “nota de repúdio” a direção da CUT – Acre, deixa cair a máscara e passa a atuar como uma espécie de “capitão do mato” a perseguir, difamar e criminalizar todos aqueles que levantam suas vozes contra as ordens do barracão/sede do executivo estadual/municipal acreano.

É dever de todos nós, trabalhadores de outras categorias, nos solidarizar à justa greve de professores e demais trabalhadores em educação que não recuam e não se deixam enganar na luta por seus direitos. Essa greve, apesar das diretorias sindicais, “é a volta do cipó de aroeira no lombo de quem mandou dar”, como dizia o poeta. É um espectro zunindo nos ouvidos de sindicalistas pelegos, sanguessugas da categoria e de governantes ilegítimos porque autoritários; autoritários porque incompetentes; e incompetentes porque
não sabem que a coisa pública não pode ser gerida como a cozinha ou a privada de suas casas.

(*) Professor Associado do Centro de Educação, Letras e Artes - Universidade Federal do Acre - UFAC.

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