Pular para o conteúdo principal

QUEM É O "ESTADO-MAIOR"?



A prisão de Martini Martiniano está repercutindo no Acre não exatamente pelo que revela, mas pelo que omite. A existência de um grupo de extermínio incrustado nas altas esferas da sociedade acreana, criado e mantido para eliminar fisicamente qualquer resistência ao seu processo de acumulação primitiva, contraria integralmente o discurso pseudo-civilizatório adotado pelo petismo acreano.

Quem não lembra dos arroubos jorge-vianistas sobre o fim do Esquadrão da Morte e do crime organizado no Acre? Quem não lembra das reportagens imensas, melosas, que trombeteavam o encarceramento do crime organizado e com ele do "passado recente do Acre", esse alegado espinho na carne cuja simples menção a tantos desagrada?

Talvez por isso, mas não somente, a existência de um grupo de empresários com o mesmo modus operandi do antigo Esquadrão da Morte tenha sumido da imprensa local.

A expressão Estado-Maior, nome da suposta organização criminosa montada por empresários - e que seria a verdadeira interessada no assassinato do médico Abib Cury - desapareceu misteriosamente de todos os jornais, agências de notícias e blogs acreanos logo após ter sido mencionada com a prisão do empresário Luiz Figueiredo, ex-presidente da influente Associação Comercial do Acre (Acisa).

Medo? Rabo preso? Mau jornalismo?

Não há como responder. O jornalismo acreano atual é um baú de segredos inconfessáveis. Segredos de alcova, a ponto de levar alguns jornalistas, pressionados entre o dever de informar e o risco de morte, a optar pelo silêncio. É o caso de Roberto Vaz, por exemplo, e vários outros que preferem as brumas do anonimato de assessorias de imprensa.

Já escrevi uma vez aqui e vou repetir: essas relações de produção inviabilizam o trabalho jornalístico. A origem obscura de praticamente todas as empresas de comunicação do Acre, que criaram e determinam essas relações (das quais também se alimentam) só será denunciada, esclarecida e superada quando todos os repórteres e demais trabalhadores de imprensa resolverem superá-la como categoria.

São os profissionais de jornalismo que movimentam as empresas. É o trabalho deles que se submete a péssimas condições de existência, por um lado, e por outro mantém inamovível o atual estado de bovinização do leitor, telespectador e ouvinte em benefício do status quo dos patrões (o que faz todo o sentido diante do silêncio abrupto em torno do "Estado Maior").

Não é à toa que a maioria das empresas de comunicação do Acre conviva com sérias - ainda que surdas e mudas - denúncias de assédio moral ou sexual. Uma vez que a indignidade e a passividade com a própria exploração se estabelecem como normas aparentemente inescapáveis, escancara-se a porta para todos os demais abusos.

A imprensa acreana precisa ser livre, mas essa liberdade não virá como um presente. Ela terá que ser conquistada, exatamente como foram todas as liberdades ao longo da História, inclusive a liberdade de imprensa.

Toda a infra-estrutura das empresas de comunicação, seus equipamentos, seu status, seu patrimônio líquido e bruto, seus investimentos, sua folha de pagamento, seu prestígio, sua influência política, sua "linha editorial" e tudo o mais que lhes possa designar, só é possível pela venda da força de trabalho do jornalista. É pelo esforço diário do repórter e demais trabalhadores em comunicação que todas as empresas se mantêm funcionais.

Os patrões são pouco mais que parasitas: seres que se apropriam dessa força de trabalho para, dizem, "investir": em casas, carros, chácaras, iates, bebedeiras e coisas que o valham.

Portanto, nada mais justo que os profissionais associados expulsem os parasitas e ocupem as fábricas de notícias que mantêm e enriquecem com o seu suor diário. Esta será, em suma, a independência do jornalismo e dos jornalistas do Acre.

Somente uma imprensa livre, formada por trabalhadores de imprensa associados e sem patrões, trataria de investigar a fundo e denunciar quem é o tal Estado Maior - este ser bizarro que desapareceu tão rapidamente quando apareceu nas páginas dos nossos jornais.

Somente uma imprensa livre voltaria a ser, na acepção mais clara e limpa do termo, um Contra-Poder.


O infográfico é da agência virtual ac24horas. Clique aqui e aqui para conferir as matérias que abordam, timidamente, o envolvimento do grupo de empresários no assassinato de Abib Cury.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A XENOFOBIA NOSSA DE CADA DIA

Deixem-me entender. Em 11 de setembro passado houve uma tentativa de golpe civil na Bolívia, perpetrada pelos dirigentes de vários departamentos - equivalentes aos "estados" no Brasil - opositores ao presidente Evo Morales. Em Pando, departamento fronteiriço com o Brasil pelo Acre, cerca de 18 pessoas foram assassinadas e o número de desaparecidos ainda hoje é incerto. Por isso ainda em setembro a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) enviou ao local uma comissão de investigação composta por advogados, antropólogos, peritos criminais, jornalistas e outros profissionais de várias áreas e de vários países. A comissão visitou Cobija, Brasiléia e Epitaciolândia, conversou com os refugiados, com as famílias das vítimas e sobreviventes, visitou os locais de confronto, coletou provas materiais e depoimentos. Conclusão: houve mesmo uma tentativa de golpe (clique aqui para baixar o relatório final da Unasul). Estupros, torturas, assassinatos a sangue frio, racismo, houve de tudo um...

OS DEMÔNIOS DESCEM DO NORTE

Os movimentos autônomos de cunho religioso, notadamente os de cunho pentecostal e neopentecostal surgidos nos EUA desde meados do século XIX até a atualidade, são subprodutos de um capitalismo que necessitava de uma base ideológica para se sustentar em seus desatinos de exploração e criação de subsistemas para alimentar os mecanismos de dominação ideológica e manutenção de poderes da matriz do grande capital - os Estados Unidos. Na década de 70 praticamente todos os paises da América Latina estavam sob o domínio de sanguinárias ditaduras militares, cuja ideologia de cunho fascista era a resposta política à ameaça da Revolução Cubana que pretendia se expandir para outros países do subcontinente. Era o tempo da Teologia da Libertação, que, com seu viés ideológico de matriz marxista, contribuiu de forma efetiva para a organização dos trabalhadores e dos camponeses em sindicatos e movimentos agrários que restaram depois na criação do PT e do Movimento dos Sem-Terra (MST). A ação dess...

AINDA SOBRE CRISTIANISMO E PAZ SOCIAL

A propósito da postagem " Por que o Cristianismo não produz paz social " recebi o seguinte comentário do leitor Marcelino Freixo: Me permita fazer uma correção. Pelo Evangelho, a salvação do homem é um ato de graça, e não o resultado do amor ao próximo ou mesmo a Deus. O amor a Deus e ao próximo é o resultado de ter a certeza dessa salvação, conforme está escrito em Efésios 2:8-9: "Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie". Acho que isso invalida o argumento central do seu texto, que o cristianismo ensina que o amor é condição para se ter algo.