Um fenômeno político está invadindo o comportamento do brasileiro sem que a maioria perceba. É a normalização da violência.
Como a sociedade define seus cidadãos pelo critério da utilidade, o comportamento violento tende a tornar-se regra, em vez de exceção. É o inverso da ética: se pessoas valem pela sua capacidade de uso, tornam-se então descartáveis.
Neste domingo, em Rio Branco, o assassinato de Ana Eunice Moreira Lima evidenciou mais uma vez este fenômeno. Convido o leitor a conferir não a matéria em si, mas os comentários dos internautas logo abaixo das matérias jornalísticas sobre o – horrendo – assassinato, aqui, aqui e aqui.
A maioria dos comentários traz uma reivindicação em comum: assassinar o assassino, com as mais diversas justificativas.
Pergunto: não é precisamente este o comportamento assassino? Se a atitude ética é considerar todo indivíduo humano um ser integral, portador de potencialidades e capacidades ilimitadas, a atitude violenta é justamente aquela que viola este homem ao considerá-lo uma coisa. Algo que precisa ser eliminado ao "funcionar mal".
Foi por isso que o assassinato ocorreu. Para o assassino a vítima era menos que nada, era um objeto, deu o azar de estar no lugar errado e na hora errada. E só.
Reivindicar a eliminação do que nos contraria demonstra pouca capacidade de lidar com frustrações. Esse fenômeno está criando uma sociedade não só imediatista e intolerante, mas também tendencialmente fascista, pela absoluta incapacidade de lidar com a contrariedade - daí a necessidade de eliminar tudo aquilo que "dá errado", mesmo que sejam pessoas, não objetos.
Estou convencido que a origem dessa prática é a proliferação de discursos triunfalistas, disseminados na forma de “afirmação da vitória”, da “determinação”, do “poder da vontade” no corpo social.
A pretexto da afirmação da autonomia individual, esses discursos cegam a sociedade para as suas próprias contradições, imunizam as pessoas contra o potencial de sublimação existente no sofrimento, jogam uns indivíduos contra os outros e criam uma sociedade legalista, excludente.
Se quisermos ser uma sociedade livre, precisamos antes de tudo resolver o problema da violência. Mas não se pode resolver o problema da violência, sem a entender como o resultado direto da impossibilidade de realização da ética. Numa sociedade marcada por contradições reais, a ética é um belo discurso e geralmente uma ótima desculpa para diversas atrocidades, desde o assassinato de marginais - no sentido estrito desse termo - a golpes de Estado.
À família do meu colega de profissão Tião Maia, bem como a todos os cônjuges, mães, pais, irmãos, primos e amigos que têm ceifadas as vidas de seus entes mais próximos, minhas sinceras condolências.
Às famílias e amigos de desajustados sociais, que insurgem-se contra a ética numa sociedade de privilégios, castas e desiguais, minhas sinceras condolências.
Mais sobre o assunto aqui.
Um comentário:
Olha só quem eu encontrei pelos blogs da vida... bj
Postar um comentário