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ORIGENS


Plácido de Castro, no centro de Rio Branco: à direita, escola e espada; à esquerda, o Quartel da PM...


Na verdade a unidade dos seringalistas só foi possível enquanto permaneceu a luta contra o "inimigo comum" – os bolivianos. Vencida esta etapa, os patrões se dividiram em muitas facções com interesses conflitantes. Havia facções pró e contra Plácido de Castro e começou, também, a se fazer a classificação dos seringalistas entre "históricos" e "não-históricos", sendo os primeiros aqueles que haviam participado, efetivamente, da campanha "revolucionária".

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É desse período que o sentimento de "acreanidade" começaria a ser plasmado, constituindo-se num traço psico-cultural muito forte da população autóctone. Os "acreanos históricos", portanto, começavam a encarar com muitas reservas e desconfianças as autoridades nomeadas para o Território e, não poucas vezes, se insurgiram contra elas...

[...]

É nesse contexto de insatisfação crescente que os movimentos "autonomistas" se sucedem e se intensificam com o agravamento da crise da borracha, que já se fazia sentir desde o início da segunda década desse século. São criados "Partidos Autonomistas" nos Departamentos do Alto Acre, Alto Juruá e Alto Purus, agremiações estas que se caracterizaram pelo seu "elitismo e efemeridade" e que não guardavam entre si programas e objetivos comuns.

FERNANDES, Marcos Inácio. O PT no Acre: a construção de uma terceira via. Tese de mestrado. Ciências Sociais, UFRN, 1999. 153p.


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O discurso oficial da República oligárquica brasileira transformou a luta dos acreanos em "Revolução Acreana" e os que participaram desta são nomeados, numa linguagem eivada de simbolismos, de heróicos, bravos, destemidos, invencíveis, grandes na guerra, valores nobres...

E como expressão do ritual de unção do Acre brasileiro foram criados como símbolos o Hino Acreano, a Bandeira Acreana e o Escudo Acreano.

O nascimento do Acre institui um mundo de significações e, ao fazê-lo, institui a si mesmo instituindo um mundo de significações, as quais visam dar e manter a coesão do mesmo. O Acre não existiria sem ser instituinte e instituído. E sua instituição dependia das significações. E as significações se impõem pela linguagem, que é um código. Esses signos se constituem a tradição inventada, os quais têm como função não apenas cristalizar o momento de invenção do Acre brasileiro, mas incutir valores, crenças e normas de comportamento através seja da repetição, no caso do Hino Acreano, seja por meio de visualização reverenciosa nas condições de ícones sagrados do Acre.

[...]

O discurso cristão-católico e patriótico do Estado brasileiro republicano está presente na construção do Acre brasileiro. E, assim como o sangue de Cristo nos liberta de todo o mal, o derramamento do sangue dos acreanos os torna não só heróis, mais imunes ao mal, predestinados ao progresso. Os acreanos são divinizados por sua coragem, audácia e brasilidade.


BEZERRA, Maria José. Invenções do Acre - de Território a Estado – um olhar social... São Paulo: USP, 2005. 383 f. Tese (Doutorado em História Social) – Programa de Pós-Graduação em História. Instituto de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo – SP.


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Nessa construção do mito fundador do Acre, as diferenças nas relações sociais entre seringueiros e seringalistas são anuladas e colocadas sob o mesmo patamar de projetos. Desse modo, o índio, o seringueiro, o caboclo acreano, de um lado, e os seringalistas, de outro lado perdem suas características antagônicas e passam a ser concebidas valendo-se da mesma matriz, o combatente da revolução (Silva, 1996). Nessa anulação, parece até que os seringueiros tinham opção de aderir ou não à "guerra", quando os seus patrões se colocavam à disposição do comandante Plácido de Castro.

[...]

As oligarquias locais (acreana) desejavam que o Acre fosse elevado à condição de Estado, a fim de conformarem e exercerem o poder de uma maneira mais autônoma entre seus membros.

Prevaleceu a primeira alternativa, administração pela União, uma saída que antes de tudo beneficiava o poder federal no âmbito econômico e político, desagradando por sua vez tanto às oligarquias locais (acreana) quanto as regionais ligadas ao extrativismo do látex. A nova unidade administrativa, o Território Federal do Acre, teve como fonte matriz inspiradora os EUA, que adotavam no seu direito constitucional unidades federativas com essa denominação, mas como algo excepcional e não regular.

[...]

A modalidade Território Federal provocou descontentamento tanto dos seringalistas acreanos, que acreditavam na criação do Estado do Acre, quanto do governo do Estado do Amazonas, que tinha bastante interesse na área a ser incorporada a esse Estado, em detrimento das rendas oriundas do extrativismo do látex. Essa novidade agradou aos políticos do Pará que temiam a perda da hegemonia regional.


MORAIS, Maria de Jesus. "ACREANIDADE": invenção e reinvenção da identidade acreana. Rio de Janeiro: UFF, 2008. 301 f Tese. (Doutorado em Geografia). Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal Fluminense - UFF.

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