Pular para o conteúdo principal

SAINT-SIMON

Discípulo de Condorcet, Saint-Simon (ilustração) vê no grande Enclopedista o pensador ao qual "a ciência do homem deve seu último passo importante". Esta ciência do homem, apresentada como um ramo ora da física, ora da fisiologia, deve-se tornar positiva - S. Simon é o primeiro a empregar esse termo -, quer dizer, utilizar os métodos das ciências naturais, "pois não existe fenômeno que não possa ser observado do ponto de vista da física dos corpos brutos ou do ponto de vista da física dos corpos organizados, que é a fisiologia". A própria política "tornar-se-á uma ciência positiva quando os que cultivam este importante ramo dos conhecimentos humanos aprenderem a fisiologia e quando eles não mais considerarem os problemas a resolver apenas como questões de higiene".

Com toda essa fé ingênua do pensador do Iluminismo, S. Simon crê que esta ciência política positiva poderá ser neutra e objetiva, ultrapassando os diferentes pontos de vista, as "diversas formas de ver" contraditórias: "até aqui, o método da ciência da observação não foi introduzido nas questões políticas; cada um trouxe a sua maneira de ver, de raciocinar, de julgar, e resulta daí que ainda não se obteve nem precisões nas soluções, nem generalidades nos resultados. Chegou a hora de acabar esta infância da ciência..." Veremos como esta queixa sobre a "imaturidade" da ciência social, sobre o seu "atraso" para começar a ser como as outras (isto é, as ciências da natureza), seguida de exigência de que ela se curve ao método científico (natural), retornará constantemente sob pena dos autores positivistas (no século XX, inclusive).

S. Simon fala frequentemente d0 "corpo social" e define a ciência da sociedade como uma "filosofia social", "constituída pelos fatos materiais que derivam da observação direta da sociedade". Mas é importante sublinhar que esta "naturalização" da sociedade e da ciência social, esta utilização abusiva da analogia "orgânica" não tem neste autor - como terá nos positivistas posteriores - uma significação apologética conservadora em relação à ordem estabelecida; muito pelo contrário, ela tem uma função eminentemente crítica e contestadora. Apesar das repetidas garantias de S. Simon sobre o caráter "organizador" e não-revolucionário dos seus escritos, sua dimensão subversiva é inegável e não deixou de chamar a atenção das autoridades. Assim, é em nome das leis fisiológicas do organismo social e de sua "higiene" que ele apela abertamente pelo fim do absolutismo e por uma "mudança de regime" na França: "uma vez que a natureza inspirou aos homens, em cada época, a forma de governo mais conveniente, será exatamente de acordo com esse princípio que iremos insistir na necessidade de uma mudança de regime para uma sociedade que não mais se encontra nas condições orgânicas que puderam justificar o reino da opressão... por que conservaríamos hábitos higiênicos contraditórios com o nosso estado fisiológico?"

O combate para a ciência positiva do homem, está, em S. Simon, indissoluvelmente ligado à luta dos "produtores" (tanto empresários quanto operários) contra os parasitas, os "sanguessugas" clericais-feudais da Restauração. No momento em que S. Simon abandona este ponto de vista (que poderia designar como "burguês revolucionário") para reaproximar-se da classe que qualifica como "a mais pobre e a mais numerosa", é significativo que não mais fale em nome da ciência, mas sim da moral e da religião: ele o faz em seu "Novo Cristianismo" (1825), que já se situa no terreno do socialismo utópico.


BIBLIOGRAFIA


S. Simon, Cartas de um habitante de Genebra a seus contemporâneos (1803).

S. Simon, A parábola (1819).

S. Simon, Novo cristianismo (1825).

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A XENOFOBIA NOSSA DE CADA DIA

Deixem-me entender. Em 11 de setembro passado houve uma tentativa de golpe civil na Bolívia, perpetrada pelos dirigentes de vários departamentos - equivalentes aos "estados" no Brasil - opositores ao presidente Evo Morales. Em Pando, departamento fronteiriço com o Brasil pelo Acre, cerca de 18 pessoas foram assassinadas e o número de desaparecidos ainda hoje é incerto. Por isso ainda em setembro a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) enviou ao local uma comissão de investigação composta por advogados, antropólogos, peritos criminais, jornalistas e outros profissionais de várias áreas e de vários países. A comissão visitou Cobija, Brasiléia e Epitaciolândia, conversou com os refugiados, com as famílias das vítimas e sobreviventes, visitou os locais de confronto, coletou provas materiais e depoimentos. Conclusão: houve mesmo uma tentativa de golpe (clique aqui para baixar o relatório final da Unasul). Estupros, torturas, assassinatos a sangue frio, racismo, houve de tudo um...

OS DEMÔNIOS DESCEM DO NORTE

Os movimentos autônomos de cunho religioso, notadamente os de cunho pentecostal e neopentecostal surgidos nos EUA desde meados do século XIX até a atualidade, são subprodutos de um capitalismo que necessitava de uma base ideológica para se sustentar em seus desatinos de exploração e criação de subsistemas para alimentar os mecanismos de dominação ideológica e manutenção de poderes da matriz do grande capital - os Estados Unidos. Na década de 70 praticamente todos os paises da América Latina estavam sob o domínio de sanguinárias ditaduras militares, cuja ideologia de cunho fascista era a resposta política à ameaça da Revolução Cubana que pretendia se expandir para outros países do subcontinente. Era o tempo da Teologia da Libertação, que, com seu viés ideológico de matriz marxista, contribuiu de forma efetiva para a organização dos trabalhadores e dos camponeses em sindicatos e movimentos agrários que restaram depois na criação do PT e do Movimento dos Sem-Terra (MST). A ação dess...

AINDA SOBRE CRISTIANISMO E PAZ SOCIAL

A propósito da postagem " Por que o Cristianismo não produz paz social " recebi o seguinte comentário do leitor Marcelino Freixo: Me permita fazer uma correção. Pelo Evangelho, a salvação do homem é um ato de graça, e não o resultado do amor ao próximo ou mesmo a Deus. O amor a Deus e ao próximo é o resultado de ter a certeza dessa salvação, conforme está escrito em Efésios 2:8-9: "Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie". Acho que isso invalida o argumento central do seu texto, que o cristianismo ensina que o amor é condição para se ter algo.