terça-feira, 21 de setembro de 2010

INDIVÍDUO OU COLETIVIDADE?

Uma das grandes questões da Sociologia é saber quem veio primeiro, a galinha ou o ovo: o indivíduo ou a sociedade?

Para pensadores positivistas como Comte e Durkheim, dentre outros, a primazia é claramente da sociedade. São relativamente conhecidas as concepções de ambos de que a soiedade seria um "organismo" e que desajustes sociais deveriam ser buscados e corrigidos nos indivíduos pouco afetos a um ordenamento, uma organização sistêmica.

Teóricos da economia como David Ricardo e Adam Smith esforçaram-se para desenvolver seus estudos nesta direção. Acabaram descobrindo que não há como dissociar uma coisa da outra, muito menos definir onde uma começa e a outra termina: estamos todos, segundo Smith, envolvidos em sociedade e se a liberdade individual é uma necessidade que se impõe para o bem-estar, a própria sociedade deve organizar uma nova ordem social que tenha na liberdade o seu pressuposto.

Smith vai além. Depois de compreender, no seu "Riqueza das Nações", que os indivíduos nascem em contexto históricos específicos, inserindo-se nos sistemas de valores e conflitos existentes em sua época, conclama as classes para encontrar, por meio do diálogo, as condições de organização ou trabalho ideais. O objetivo de Smith com esse arranjo é que a sociedade produza riquezas, cresça e se desenvolva.

A tradição marxista segue a mesma linha. Para Marx, o indivíduo não é uma mônada, um ser cujos interesses pessoais surgem ex nihilo. Se indivíduos não existem fora do contexto social a ponto de não conseguirem ativar o processo de produção de riquezas sem mobilizar trabalho alheio, então a idéia de que o indivíduo é "livre para realizar seus interesses" é não somente ilusória, mas apologética - ou seja, serve para ocultar os interesses de uma classe no processo de apropriação do trabalho alheio visando enriquecimento privado.

É evidente que isso não anula a ocorrência dos interesses individuais. É possível a qualquer indivíduo mobilizar seus esforços para amealhar a quantidade de riquezas que bem lhe apetecer. O que não é possível é fazê-lo por fora do processo geral de acumulação de riquezas, ou seja, por fora do mundo do trabalho, da mobilização das pessoas que buscam satisfazer necessidades físicas, intelectuais e sociais.

Isso ocorre porque para acumular riquezas é necessário mobilizar trabalho vivo. O trabalho humano, organizado, disciplinado, é o único fenômeno capaz de gerar riqueza porque ao transformar a natureza o faz para atender necessidades dos seres humanos: calçados, alimentação, informática, automobilismo etc. A capacidade de alguém enriquecer está diretamente ligada à sua perspicácia para convencer outras pessoas de que o trabalho delas, organizado numa empresa, pode ser trocado por salários mediante uma determinada jornada diária de trabalho.

Acossadas pela própria necessidade de sobrevivência, essas pessoas aceitam tais termos e passam a trabalhar em troca de uma quantia suficiente para atendê-la.

Vem daí o verdadeiro caráter apologético, ideológico, da expressão "indivíduo livre": nem mesmo o indivíduo que pretende enriquecer é livre, já que não pode fazê-lo sem mobilizar, sugar e a rede social de produção de mercadorias. Os demais, que trabalham em troca de salários, não podem ser livres porque ganham o suficiente para reproduzir, a cada dia, a sanidade física e mental necessária para criar mercadorias novas.

A liberdade individual na nossa ordem é, por isso, um mito.

Não podem existir indivíduos livres se a sociedade não for livre.

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