Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP) é o nome da instituição fundada em 1960 por Plínio Corrêa de Oliveira, jornalista cristão e deputado federal constituinte de 1934. Sua linha de ação fundava-se na preocupação com a desagregação das famílias brasileiras e o aumento da violência urbana na época. Diagnóstico: falta de fé em Deus.
Para a TFP, questões de ordem política, socioeconômica, nascidas da organização material da sociedade, têm soluções religiosas. A falta de fé em Deus seria a origem de tais dificuldades.
De acordo com o jornalista Alberto Dines, no Observatório da Imprensa, Plínio Corrêa "opunha-se a qualquer iniciativa modernizadora do Vaticano, combatia a infiltração progressista na igreja católica, lutava contra o divórcio e o aborto".
A TFP foi um dos principais eixos da mobilização contra o governo João Goulart, resultando no Golpe Militar de 1964.
Por que isso ocorreu?
Porque a essência do conservadorismo político é a ordem. O crime, os problemas sociais, os desajustes, tudo isso seria desordem, cabendo aos homens de bem refundar a verdadeira paz advinda da ordem social.
Na verdade, o problema é justamente a ordem. A sociedade não é um organismo que, em estado de paz, funciona de forma equilibrada. A sociedade, tal qual existe hoje, é fundada na contradição: há indivíduos donos dos meios de produção social (porque toda a sociedade precisa consumir) e indivíduos que são donos apenas da sua própria capacidade de trabalhar.
Esta contradição, que não é religiosa, mas material, é que funda o que os conservadores vêem como "desordem". Isso não ocorre - apenas - porque os pobres, rebelados, resolvem cometer crimes porque não têm os mesmos bens que os ricos. Ocorre fundamentalmente porque, nesse tipo de organização social, as pessoas pobres e ricas são estimuladas a perceber o outro ser humano (de novo, pobre ou rico) como meio, isto é, como coisa, como objeto a ser utilizado para se chegar a algum nível de satisfação "superior" ou "melhor".
É este fenômeno que funda, na vida social, o princípio da violência. Violência significa, ao pé da letra, "violação", ato pelo qual se viola a integridade de outrem.
Propor a solução dos problemas sociais - que existem, são oriundos deste processo - por meio da fé, isto é, por meio de normas religiosas aplicáveis a toda a sociedade, é outra forma de exercer a violência contra a sociedade. O motivo é muito simples: a concepção religiosa do mundo não é suficientemente democrática para fazê-lo. A religião é um sistema particular de valores, cujo exercício a nossa Constituição garante, mas no âmbito religioso. Como nem todos compartilham os mesmos valores religiosos, a versão cristã dos problemas sociais terá que extirpar as demais visões de mundo, tão válidas quanto ela mesma, para fazer-se regra.
Isso ocorre porque o cristianismo não se compreende como mais uma religião. O cristianismo se compreende como a Palavra de Deus revelada à Humanidade.
Estender esta visão para a vida social, como se os problemas derivados da política tivessem origem e solução religiosa, é defender uma ordem que é, na verdade, o verdadeiro problema. Daí porque soluções conservadoras tendem sempre ao erro, e pior, ao agravamento do quadro social. Pela mesma razão, os defensores da ordem social (por isso chamam-se conservadores) sempre têm enorme sintonia com a religião cristã, em todas as suas vertentes.
Falta de fé não é um problema social. É um problema religioso, cuja solução aplica-se aos seguidores desse grupo religioso. Estender a falta de fé para a sociedade exige, no mínimo, entender a desigualdade humana como natural (convertidos e não-convertidos) e com isso manter intocada a verdadeira origem do problema.
O que há que se reformular é a ordem, criar uma ordem democrática, verdadeiramente democrática, que extinga a exploração do homem pelo homem e garanta o exercício da vida religiosa pelos mais diversos grupos religiosos, sem que um necessite "converter" o outro.
É somente assim que a cultura da tolerância, da convivência mútua e da democracia plena poderá florescer entre nós. Sem esses elementos vamos continuar chafurdando em discursos que exigem "ordem", "hierarquia", "tradição" e coisas similares.
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