Ao longo de 12 anos de jornalismo uma das minhas editorias favoritas sempre foi "Cidade", hoje conhecida pelo insosso nome "Cotidiano".
Minha praia sempre foi o que tambem me impressionou ao longo da vida: a existência da miséria como uma consequência, quase um pressuposto, das mais diversas tentativas de desenvolvimento econômico - todas sempre caracterizadas como a última salvação da lavoura, com suas teorias "científicas" de suporte metodológico, Estado mínimo ou Estado "amigo", especialistas das mais diversas áreas, solenidades caras, imprensa festiva etc.
A editoria de "Cidade" sempre me foi cara por ser o registro fiel do impacto dessas ondas, algo intuído também pelos marqueteiros nas campanhas eleitorais. Em 2004, quando a Frente Popular do Acre (FPA) almejava a prefeitura de Rio Branco, uma onda de matérias sobre "o abandono da nossa cidade" invadiu os jornais da capital. O bombardeio midiático ajudou Raimundo Angelim a chegar ao primeiro mandato e também mostrou o poder da imprensa quando resolve priorizar a vida social, a dinâmica social real, em detrimento da falastronice dos políticos.
O discurso desenvolvimentista sempre foi peça-chave para se vencer uma eleição em Rio Branco, mas a prática desenvolvimentista sempre foi - não precisa ser cientista social para saber disso - a origem de todos os nossos problemas sociais. Não se trata, pelo menos inicialmente, de uma questão de má aplicação de recursos, gestão ou corrupção. A concepção de que o desenvolvimento econômico privado trará ordem e progresso, uma ideologia herdada do velho positivismo comteano, é que não se aplica - nunca se aplicou - em qualquer lugar do mundo. A razão é singela: desenvolvimento econômico, por ser privado, escolhe os atores que prioriza ao mesmo tempo em que animaliza, avilta, os trabalhadores que manipula.
Isso não significa que um país (um Estado, no nosso caso) não possa crescer. Pelo contrário. Se existe um princípio de análise histórica academicamente aceito é aquele segundo o qual o desenvolvimento produz miséria para refuncionalizá-la em seu favor. A miséria é o combustível do desenvolvimento: é o que lhe permite existir.
A questão é que não há projeto de desenvolvimento sem atores. E não há atores sem condições reais de existência: uns em condições de desenvolver suas potencialidades por meio da contratação de mão-de-obra. Outros que, instigados por suas necessidades físicas, são compelidos por estas a tornar-se mão-de-obra do processo de desenvolvimento: tornam-se então meios pelos quais outros enriquecem.
Toda a crônica social contemporânea deriva-se daí.
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