sexta-feira, 17 de setembro de 2010

PSEUDOCIÊNCIA


Além de derrubarem presidentes democraticamente eleitos, promoverem o arrocho salarial e o empobrecimento dos trabalhadores, detonarem os recursos naturais do planeta, implantarem regimes de exceção com a institucionalização da tortura no Brasil, Chile, Argentina, Venezuela, Colômbia, El Salvador e outros países, as direitas mundiais sempre contaram com máquinas extremamente poderosas e eficazes de desinformação.

Na base dessa desinformação está a manipulação de números, estatísticas e produção científica, com erros tão sutis que só se revelam após uma minuciosa revisão e análise dos argumentos apresentados. É a metodologia ensinada pelo ministro e amigo de Hitler, Joseph Goebbels, que em um dos seus artigos no jornal nazista Der Angriff (O Ataque) afirmou, peremptório: "Uma mentira cem vezes repetida torna-se verdade".

Numa época e região em que o conhecimento é ainda escasso e o apelo à tradição conservadora é ainda tomado, equivocadamente, como meio de equilíbrio social, tais arranjos têm o efeito de verdadeiras bombas no senso comum.

Felizmente, quando devidamente analisadas, tais "verdades bombásticas" mostram-se como meros traques ou ainda menos. A euforia com que são recebidas mostram muito mais sobre a necessidade pessoal de auto-afirmação dos direitistas que teorias corretas.

É o caso de O Livro Negro do Comunismo (clique aqui para baixar e aqui para comprar), insuspeitamente lançado nas comemorações dos 80 anos da Revolução Russa, isto é, em 1997. A obra chegou ao Brasil dois anos depois, em 1999, e no Acre ganhou as rodas de discussão "acadêmicas" há algumas semanas, com direito a espasmos pseudo-intelectuais de antissocialistas e antipetistas.

Ocorre que o livro é uma falácia.

Além de ter sido desmentido e duramente criticado, dois anos depois, por O Livro Negro do Capitalismo, lançado no Brasil pela Ed. Record, em 1999 (clique aqui para visualizar e aqui para comprar) o Livro Negro do Comunismo inventou dados, misturou números e forçou estatísticas para chegar a uma cifra alucinante: 100 milhões de mortos nos processos revolucionários ao longo do século XX.

Só que o livro não faz a dissociação estatística das mortes ocorridas após o regime comunista com as ocorridas na era pré-comunista, até para saber se houve aumento do percentual de mortalidade. Misturou todas. Também não trouxe correção estatística das mortes para outros fatores de causa mortis como epidemias, guerras civis, fome (erradicada no regime comunista) etc.

Não cita que a expectativa de vida na Rússia e na China duplicaram em 20 anos de regime comunista (Relatório de Desenvolvimento HUmano da ONU - Curva Comparativa entre as décadas - http://www.un.org ). Ora, sem esse tipo de estatística é impossível fazer as afirmações do livro sobre a "mortalidade" nas guerras travadas pelos países comunistas.

Mas "O Livro Negro do Comunismo" fez. E isso é considerado ciência!

Em segundo lugar, na comparação dos supostos números de mortos pelos comunistas e pelos nazistas (Courtois, editor da obra, cita aí os 100 milhões dos mortos pelos comunistas versus 25 milhões dos nazistas) há um erro fatal: o autor não põe na conta dos nazistas os 22 milhões de soviéticos assassinados pela Alemanha na campanha de defesa à Operação Barbarossa, campanha essa que não só salvou a URSS da barbárie nazista como também derrotou a Alemanha Nazista. Pelo contrário, o editor joga os mortos nazistas e comunistas na conta do próprio Exército Vermelho.

Só aí já temos 1/4 dos 100 milhões como sendo uma fraude descarada. Com isso, aumenta-se os mortos pelo nazismo em 100%.

Ridículo? Tem mais.

Os próprios autores dos capítulos sobre a China e a Rússia (Margolin e Werth) denunciaram Courtois por ter inflado os números para chegar aos 100 milhões de mortos.

Courtois comete outra omissão associada a um erro histórico: acusa Stalin de ter feito um pacto de não-agressão com os nazistas em 1939 e classifica isso de crime. Só não cita que os mesmos pactos foram assinados também pela Polônia (1934), Inglaterra e França (1938).

Todos esses pactos só tinham uma função: ganhar tempo para os exércitos se armarem, já que a invasão nazista era inevitável na Europa. O tempo que a URSS ganhou (2 anos) foi fundamental para a sua vitória. E se esse tratado fosse um crime, não deveria ter sido cometido por todos os que assinaram tais pactos?

A obra não cita ainda os acordos dos EUA com os nazistas (IBM, GM, GE) em 1936. Não cita que toda a logística nazista foi feita usando o maquinário vendido pela IBM (conf. A IBM e o Holocausto, Ed. Record, 2001). Não cita que nos bombardeios à Alemanha os ingleses e americanos mataram mais de 300 mil civis, mas pouparam as fábricas onde investiram suas valiosas libras (fábricas da GM, GE, Ford, Mercedes, I.G. Farben etc).

No capítulo dedicado à China, outro equívoco: afirmam que na última província da Grande Marcha de Mao (Ahhui), houve a pior mortalidade de todas, com aumento da mortalidade em 68% e queda da natalidade de 30 para 11%. Como resultado, a população caiu em 2 milhões (6% do total) num único ano. Só que a mortalidade não foi de 68%, e sim de 68 por dez mil habitantes, o que gerou, naquele ano de conflito, mortalidade total aumentada em 6%, e não em 68%! Com isso, o autor aumentou em 10 vezes e o número de mortos (por várias causas) na Grande Marcha, que saltaram de 6% para 68%, gerando o absurdo número de 43 milhões de mortos.

Em consequencia disso, o Movimento Maoísta Internacional ganhou na justiça direito de resposta contra os autores e suas editoras. Nos EUA, por exemplo, a Harvard University Press foi obrigada a colocar errata nas edições corrigindo a informação.

Não estou aqui tentando reduzir o horror das guerras e revoluções, quaisquer que sejam, ao longo de todo o século XX e também antes. Aliás, não se critica o genocídio da Revolução Francesa, Inglesa, Americana, não se leva em conta os mortos das várias revoluções burguesas no Brasil Império. Não se estampa uma revista semanal com o rosto de D. Pedro I, chamando-o de assassino, para reclamar os brasileiros mortos para realizar a tal "independência ou morte".

No esforço "imparcial" de criticar as insurreições dos trabalhadores, esquece-se o óbvio: guerra é estado de exceção. É a violência institucionalizada. Nessas condições comete-se muitos erros, obviamente, mas estes erros não podem ser inflacionados, nem de um lado nem de outro, mesmo a pretexto de promover ou resgatar os direitos das vítimas.

A informação correta ainda é o pressuposto da ação correta.

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