quarta-feira, 3 de novembro de 2010

CONTRADIÇÕES

Alguns amigos do Centro de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Acre (UFAC) confessaram-me pessoalmente seu espanto com o posicionamento deste blogueiro nas últimas eleições, exposto nas últimas semanas, em contradição direta com críticas e análises acadêmicas sobre o Partido dos Trabalhadores (PT) e suas políticas, especialmente no Acre.

Quero reiterar a estes, meus amigos e conhecidos, que não sou petista, não dei uma "guinada" teórica e tampouco pretendo fazer lobby positivo - nem mesmo o acreaníssimo lobby negativo - para obter financiamento das minhas opiniões.

Um dos principais debates que travamos no âmbito das Ciências Sociais neste último quarto de século gira em torno do alcance da educação no processo de libertação do homem em duas frentes: na ampliação das suas possibilidades de escolha e na consequente intervenção ética, possibilitada pela objetivação desse conhecimento, no mundo e na sociedade.

Ora, o que vimos nesta eleição?

Uma tendência obscurantista, manifesta no horário eleitoral tucano, trouxe para o campo da política uma práxis reacionária, elitista, deslaicizante e, volta e meia, abertamente fascista. Como efeito direto dessas correntes, ressurretas dos antros mais baixos e retrógrados de uma geração subtraída pelo Golpe Militar de espírito crítico em relação ao mundo em que vive, mas com muita vontade de - como sempre - moralizar o mundo, o saldo não se fez demorar.

Xenofobia antinordestina, obscurantismo religioso, conservadorismo militante e outros tantos sinais de anulação do espírito iluminista - a que devemos todo o progresso, acordos, tratados, declarações, diplomacia etc do mundo moderno - surgiram, aos borbotões, na dita propaganda eleitoral.

O que vimos na última eleição, senhores, foi que, em nome da liberdade, práticas civis do arco-da-velha, banidas da convivência social por força do próprio progresso humano que vem engendrando formas cada vez mais solidárias e cooperativas de organização sociopolítica, voltaram com as mesmas prerrogativas que sempre reivindicaram: bastiões da verdade, da moralidade, dos bons costumes e dos homens de bem.

Vocês, que me conhecem, respondam: eu deveria permanecer impávido?

Se, sob os mesmos sinais, deu-se na Alemanha dos anos 20 a ascensão do Partido Nazista?

Se, ancorados nos temores e na mobilização de uma oligarquia milionária, os líderes dos Estados Unidos deram-se ao "luxo" de invadir o Chile de Allende, matar o presidente em plena sede do Governo e dar tutela a uma ditadura que assassinou milhares de militantes de esquerda em um campo de futebol?

Se, com idêntico ideário, produziu-se a marcha de homens e mulheres de bem que deram suporte civil e ideológico ao Golpe Militar que institucionalizou o terrorismo de Estado no Brasil?

Não.

Devo, evidentemente, confessar-lhes que esta decisão não foi fácil, nem foi o resultado de convicções pessoais há muito arraigadas. Ao contrário. A cada manifestação de ódio de classes, que necessita afirmar-se por meio da exclusão, da prepotência e de uma superficialidade que beira a incongruência, hesitei várias vezes antes de escrever algo oriundo de meu próprio fígado. Por isso, na maior parte do tempo, reescrevi textos de terceiros.

Entrementes, o que me felicita nesse momento é que pude compreender mais amplamente a origem do primitivismo argumentativo que rege as discussões sobre os assuntos mais pungentes da vida social. Em particular no Acre, a ausência de uma educação humanístico-filosófica, uma longeva trajetória política ausente de democracia e a inexistência de um projeto político progressista capaz de alinhavar as reivindicações históricas do proletariado urbano, marginalizado e feliz, e o rural, transmutado hoje em - quando muito - mercador de grifes ecologicamente corretas, engendraram um tipo pernóstico e novo de autoritarismo.

Esse autoritarismo dito pernóstico é amante do paulistismo way of life, consumidor inveterado de brastemps e mitsubishis, chama Folha, Estadão e O Globo de "grande imprensa", acredita no Jornal Nacional e na revista VEJA, estratifica livros, blogs e pessoas tal e qual estratifica classes sociais, jura de pés juntos que o livre mercado resolverá a exclusão social e, por tudo isso, votou em Serra 45! porque era "mais preparado"...

Alguém se identifica?

Pois descobri mais: uma das chaves localizadoras do autoritarismo pernóstico é a sua notável incapacidade de diálogo direto, ou, pelo menos, não-oblíquo.

Mas esta, mes amis, é uma outra história...

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