quinta-feira, 11 de novembro de 2010

OBAMA, O COMUNISTA



Ou a insustentável idiotia do ser, lá e cá


Faz parte da pregação ideológica de direita a identificação entre socialismo e desenvolvimento de medidas de proteção social, muitas delas relacionadas à afirmação de direitos básicos garantidos na Constituição e na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Que a afirmação de direitos, como alimentação, habitação e saúde, dentre outros, seja uma necessidade para a reprodução do modo de produção capitalista, é uma uma informação totalmente irrelevante. Igualmente dispensável é notar que tais direitos, garantidos por meio dos modernos sistemas de tributação, comércio, indústria etc, fortalecem o mercado interno e acabam por criar uma demanda formidável que garante o consumo em tempos de crise.

Ou seja, as medidas acusadas de implantarem - insidiosamente - o socialismo são apenas concessões de direitos básicos, garantidos na legislação básica, que visam a cidadania política dentro do capitalismo por meio da criação de uma demanda interna para o mercado, como vem provando, aliás, as políticas econômica e social do governo Lula.

Não é por outro motivo que as críticas dos partidos socialistas aos programas de transferência de renda, como de resto a todas as políticas de assistência social do governo, são precisamente aos seus efeitos evidentemente antissocialistas. O hiato é: se a afirmação dos mais básicos direitos de cidadania se dá visando o mercado e por dentro dele, logo as possibilidades de perceber o modo de produção capitalista como um sistema excludente e socialmente desagregador tornam-se nulas, ou, pelo menos, mais difíceis.

Em outras palavras, o desenvolvimento de políticas de assistência social que visam o mercado atua fundamentalmente contra as linhas-mestras daquela percepção do capitalismo como um modo de produção (de riquezas, para ser academicamente correto) a ser superado.

A crítica que coloca, portanto, medidas de afirmação do capitalismo como medidas de implantação do socialismo, para além da óbvia ignorância sobre um e outro, evidencia um papel ideológico na realidade concreta. Esse papel é claramente a desestabilização de governos ou Estados que têm na afirmação desses direitos a prioridade das suas políticas.

Não é de se estranhar que esse movimento não tenha nascido no Brasil. Nos Estados Unidos, um dos motivos da derrota do Partido Democrata nas últimas eleições legislativas foi justamente a campanha poderosa, plantada nos grandes meios de comunicação pelo Partido Republicano, que identificou o presidente Barack Obama como "socialista".

Este argumento chegou ao nosso país também pela imprensa, acostumada a "repercutir" (leia-se, repetir) os "temas de relevância" da vida política ianque. Entre os pecados de Obama no país da privataria galopante está, por exemplo, a criação de um sistema público de saúde e o fortalecimento de leis ambientais.

No Brasil deu-se o mesmo com as duas gestões do governo Lula. Políticas de fortalecimento do mercado interno são "confundidas" com a transição para o socialismo (o que, conceitualmente, graças à ausência de movimentos sociais organizados e de consciência de classe, mostra a total ignorância sobre o que significa tal coisa).

A questão que deve saltar aos olhos dos cientistas sociais e políticos durante o governo Dilma, para além da questão em torno do papel político-ideológico desse argumento, é o seu funcionamento social. É a "extensão do estrago", para usar um termo da roça. O cerne do debate não deve ser a confusão entre "implantação" do socialismo com estímulo interno ao capitalismo, mas a coalizão de forças que tentará minar a concessão de direitos básicos aos trabalhadores brasileiros.

Isso sim deve ser motivo da mais elaborada crítica. Desde o pós-guerra, pelo menos, sabe-se que determinados processos da vida social devem ser garantidos pelas nações. Acordos, congressos, cúpulas e tratados de alcance internacional foram elaborados visando a sofisticação de tais dispositivos, que na prática são pouco eficazes graças precisamente à doutrina ideológica do Consenso de Washington que prevê a primazia dos mercados a despeito da malchamada "questão social".

Não é por acaso que países que seguiram os receituários neoliberais e adotaram tal modelo viram uma explosão de violência e desagregação social. Indivíduos, tratados como mercadorias, tendem obviamente a relativizar a ética (que é social), os valores coletivos, em nome do próprio bem-estar pessoal.

Logo, se não quisermos ser uma geração de psicopatas, temos o imperativo ético de lutar contra tais tendências nefastas. E suas manifestações pseudocríticas.


Leia também: um balde de chá frio nos Estados Unidos

Um comentário:

Unknown disse...

Ótimo texto!

Eu acho o mais engraçado como utilizam o discurso do Obama capitalista para alinhar a classe baixa trabalhadora para uma política de total falta de solidariedade.
A lógica é falar: "Veja, está vendo esse imigrante ilegal? Ele está sugando dinheiro do país, então VOCÊ terá que pagar por ele".
Aí a própria classe trabalhadora, encarnada no "Joe, the Plumber", toma uma postura completamente individualista e identifica o seu problema de exploração não com a companhia, não com a burguesia, mas com o fato de ter uma "ilegal", um estranho, um forasteiro, o INIMIGO, que por ser menos qualificado e precisar trabalhar por menos, tira empregos, diminui a média salarial e ainda faz aumentarem impostos porque "esses imigrantes vem aqui se reproduzir" e elevam o custo do Estado para "sustentar" um bando de vagabundos (ainda que trabalham mais e com menos direitos do que o americano médio).

Tem um artigo engraçadíssimo da Le Monde Diplomatiqué sobre o TEA PARTY dos EUA e a volta do argumento anti-comunista, chegando ao TEA PARTY afirmar que o terrorismo e o jihadismo são secundários em relação à ameaça vermelha. Vale a pena ver!