segunda-feira, 30 de maio de 2011

HEGEMONIA EM DECLÍNIO E SUBVERSIVISMO NA FPA

Por Israel Souza, via e-mail

Título original: Hegemonia em declínio e subversivismo no Governo da FPA

Do mesmo autor: Eleições 2010: um olhar a partir "dos de baixo"



As urnas nos deram “um recadinho”, disse Jorge Viana recentemente, num comentário sobre o resultado das últimas eleições. A nosso ver, porém, as urnas mostraram algo mais sério: o declínio da hegemonia do Governo da Frente Popular do Acre (FPA).

Como se sabe, a FPA chega ao poder estatal quando, por força do acirramento dos conflitos sociais, os representantes políticos das oligarquias já não podiam assegurar a manutenção de seus interesses. Os “conturbados” governos de Edmundo Pinto (1991-1992), Romildo Magalhães (1992-1994) e Orleir Camely (1995-1998) davam claros sinais disso.

À testa das forças progressistas que foram gestadas durante os “anos de chumbo”, eleição após eleição, o PT foi crescendo e se consolidando como um grande partido. Bem articulado no âmbito da “sociedade civil” (grêmios estudantis, associação de moradores, sindicatos, ONGs, CEBs etc.), chegou, enfim, ao governo estadual liderando a FPA. Dessa forma, ele pôde aliar a influência que exercia sobre a “sociedade civil” com o poder estatal recém-conquistado. Contudo, contrariando a esperança daqueles anos, ele opta por fazer o que as antigas forças políticas, sozinhas, não podiam fazer. Garantiu a manutenção dos interesses das oligarquias - e de capitais estrangeiros - em condições favoráveis.

Fundamental foi a influência sobre a “sociedade civil”. Dela, o governo estimulou e cooptou vários setores. Os recalcitrantes foram isolados ou submetidos a um contínuo e ostensivo patrulhamento. Durante alguns anos, as forças governistas foram relativamente bem-sucedidas nesta empresa. É bem verdade que nunca suplantaram as resistências, nem poderiam, mas também nunca passaram susto ou aperto. Nesse sentido, o atual quadro político traz algumas novidades.

Em dias recentes, vimos o paralelismo de protestos e reivindicações na saúde, na segurança e na educação, áreas vitais das políticas de governo e que envolvem amplos segmentos do funcionalismo público. Tais mobilizações se somam a outras, como a dos movimentos do interior do estado. Estes envolvem a luta dos índios (não-apadrinhados do governo) pela demarcação de suas terras e por saúde; a luta de seringueiros e campesinos pelo apoio à produção e pela suspensão dos famigerados projetos de manejo.

Por certo, essas manifestações não são de hoje. Todavia, elas estão se tornando cada vez mais comuns e intensas. Ousamos afirmar que estamos em face de ensaios de outra “cultura política” em nosso estado. Mobilizações e protestos não apenas sem o PT, mas contra o PT. Ou, mais precisamente, contra os interesses e projetos que hoje ele encarna no governo.

É prematuro dizer se isso vai vingar e em que direção vai seguir. Afinal, trata-se de um rico e diverso conjunto de movimentos cuja “radicalidade” ou “moderação” varia caso a caso. Movimentos fragmentados, pouco articulados e sem coloração ideológica precisa. Daí a opção por chamá-lo “subversivismo”, expressão colhida em Gramsci e usada a nosso modo. Importa destacar, no entanto, que ele emerge na cena histórica com certa força, expressando e se alimentando do declínio da hegemonia da FPA. Coisas de antropofagia política. A força de uns se alimenta da fraqueza de outros.

O surgimento de canais de comunicação alternativos (sobretudo, blogs) faz parte e dá sustentação e visibilidade a esse subversivismo. Embora simples, são meios com significativa influência na sociedade. Chegam mesmo a pautar os meios de comunicação convencionais, apesar do autoritarismo governamental e do servilismo da imprensa.

A força de que hoje gozam esses meios é outra expressão daquele declínio. As pessoas que deles se servem são, em geral, formadoras de opinião. Procuram neles as notícias que a imprensa convencional não divulga. Buscam espaços para emitir opiniões e fazer denúncias.

“Uma mentira dita muitas vezes se transforma em verdade”? Sim. Mas somente onde e quando a realidade não grita, a plenos pulmões, coisa em contrário. Por isso o descrédito dos meios de comunicação convencionais no estado e, conseguintemente, a justificação cada vez mais limitada que podem dar ao governo. A quem ainda convencem as pesquisas que o governo divulga de si mesmo? Bem sabem da realidade aqueles que usam transporte coletivo, que recorrem à saúde pública, que precisam de segurança etc.

Isso não seria supervalorizar o cenário atual? Não. O que estamos fazendo é apontar para o que subjaz a ele. Um exemplo para ilustrar.

Dê o governo um aumento salarial aos militares. Não precisa ser os 117% de reposição que eles reclamam. Que seja algo modesto, desde que eles o entendam como uma vitória substantiva. Feito isso, e os militares voltam às ruas, para vigiar os movimentos com que se aliançaram e para garantir a manutenção da ordem.

O mesmo vale para os demais segmentos do funcionalismo público. Ganham aumento, e já voltam à rotina e ao corporativismo de sempre. A atuação do sindicato da educação é exemplar a esse respeito. Faz greves, como de direito, e prejudica o ano letivo. Ganha algum e volta às aulas. Mas é incapaz de apoiar efetivamente a luta dos alunos pela diminuição do preço da passagem de ônibus, preferindo agir de acordo com os ditames do governo.

Dentre outras coisas, é isso que faz com que os movimentos do interior tenham uma luta potencialmente mais emancipatória que a destes grupos. Todavia, é mister ressaltar que, em luta, tais grupos desnudam e afrontam o despotismo estatal. Em suas manifestações, da dos militares à dos estudantes, é possível ver, ao lado das reivindicações pontuais e específicas, críticas mais gerais. Estas dizem respeito à corrupção, ao autoritarismo, à privatização e à devastação da floresta, para citar apenas algumas.

A visão que manifestam sobre essas coisas não cessará com a paralisação dos protestos. E, se a estes se seguir um silêncio, isso não se traduzirá em apoio ao governo. No caso dos militares, por mais que o governo assuma uma postura humilde e generosa, a oposição continuará por força da liderança do deputado estadual que representa a categoria, ainda que em outra escala e sob outras formas. Permanecendo as coisas como estão, não há motivos para duvidar que os militares sigam sua liderança no apoio às forças oposicionistas.

A difícil relação com a Assembleia e com o Judiciário pode significar mais problemas ainda. Grosso modo, na Assembleia, o governo conta hoje com uma bancada que não inspira confiança, bancada ruim de tribuna. O presidente do Tribunal de Justiça (desembargador Adair Longuini) disse recentemente que o Executivo não contaria com o Judiciário “ajoelhado nas escadarias do Palácio do Governo”. Nada de mais, é verdade. Mas também nada de menos.

Mais que qualquer um de seus companheiros e antecessores, Tião Viana está enredado em dificuldades. Tanto em relação às estruturas estatais quanto em relação à “sociedade civil”. No intuito de reverter o resultado desfavorável das últimas eleições e garantir uma vitória na capital ano que vem, ele faz um governo do tipo pragmático: o resultado é o que importa. E a coerção é a ferramenta mais à mão nesse momento. Tragicamente para ele, o uso de tal recurso tem por efeito deixar a dominação ainda mais explícita e intolerável, o que pode inflamar ainda mais o subversivismo.

Outro fator pesa negativamente na balança: a incógnita em torno do nome de quem concorrerá à prefeitura na capital ano que vem. Tendo crescido à sombra de três figuras, a FPA não viu surgir nenhuma liderança expressiva em seu seio nos últimos anos. Ademais, o debilitamento delas (das três figuras) nas últimas eleições mostra que já vai longe o tempo em que conseguiam eleger candidatos inexpressivos até para o Senado.

Por tudo isso, sustentamos que o resultado das últimas eleições expressou uma insatisfação difusa na sociedade - presente inclusive entre certos setores dominantes descontentes com a política ambiental do governo - e que hoje alimenta o subversivismo aqui apontado. Alguns o atribuem à oposição, desconsiderando que a antiga direita não tem espírito para tanto. Em verdade, é o cansaço que cede lugar à indignação combativa.

Destarte, tal subversivismo representa o declínio da legitimidade política da FPA, ainda que um declínio relativo, isto é, reversível. E talvez represente o crepúsculo de um domínio que já conta mais de uma década. Como dito em texto anterior (Eleições 2010: um olhar a partir “dos de baixo”), o perigo é a antiga direita - que tanto ou mais que o subversivismo tem crescido com o apequenamento da legitimidade da FPA - chegar ao poder estatal como salvação para os problemas que, sabemos, não serão resolvidos “por cima”.

A falar a verdade, não cremos que Jorge Viana ache mesmo que o resultado das últimas eleições seja apenas um “recadinho das urnas”. Acreditamos que, como sempre, apenas quis aparecer de moço bom e humilde. Se ele realmente crê nisso, tanto melhor para as forças que lutam por mudanças. A poesia diz o mais.



Aurora



Ferido pelos homens,


O tempo - antes tão sábio e paciente,


Tão impávido a seguir seu rumo e ritmo -


Anda instável e demente.


Ultimamente, escurece em hora qualquer.


O calendário caducou,


Seguido pelos relógios de pulso,


De parede e biológico.






Parece aproximar-se o crepúsculo.


Em tempos assim, aos que, ansiosos,


Aguardamos a aurora, não convém


Apenas encantar-se com o


Balé das chamas.


Ou simplesmente ter o fogo ao pé de si,


De modo a aquecer-se em seu calor fraternal.


Importa deitar lenha à fogueira.


Vigiemos. E venha o que vier.

2 comentários:

lindomarpadilha.blogspot disse...

Caro Josafá,

Os dois textos do Israel são importantíssimos e apontam para uma necessidade de fazermos uma reflexão mais profunda sobre o significado desse vácuo de ideais, de militância, de rumo.

Se fizermos essa leitura poederemos, quem sabe, entender como o grande capital conseguiu perceber a ilegitimidade do PSDB, logo após o governo FHC, em continuar representando seus interesses. Ao mesmo tempo viu no governo Lula, infelizmente, o meio pra dar uma sobrevida e novo impulso ao neoliberalismo.

Se é verdade que Lula não criou nada novo, também é verdade que não conseguiu concluir nenhum dos programas deixados pelo governo anterior. E a FPA ?

Bom trabalho.

Lindomar Padilha

Jozafá Batista disse...

Padilha, creio que as questões colocadas pelo Israel são válidas, inclusive a problematização sobre o que nos aguarda com esta antropofagização do declínio da FPA.
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Pra lhe ser sincero, a forma como isso está ocorrendo me assusta. É que nesse momento de legitimidade descendente, brilhantemente captada pelo Israel, surgem cada vez mais "soluções morais" típicas da parte mais reacionária do pensamento político conservador.
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Ontem vi o Edvaldo Souza, no seu programa policial, ao comentar uma manifestação contra a violência em Rio Branco, chamar de "imbecil" um deputado federal que propôs a descriminalização da maconha.
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Dois dias antes, os deputados estaduais rejeitaram o kit anti-homofobia do MEC alegando que a escola pública não poderia fazer propaganda de opção sexual. A justificativa: isso poderia estimular grupos heterossexuais a também fazerem vídeos para defender a heterossexualidade, contrapondo-se assim à defesa da homossexualidade e transformando a questão em um cabo-de-guerra.
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Aparentemente parece só dois absurdos totalmente divorciados entre si. Mas não creio que sejam, ambos são resultados práticos de princípios morais sobre aplicados ao poder, que forçosamente resulta na defesa de um projeto de purificação moral ou na ascensão de um projeto moral purificador ao poder.
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E isso é assustador.
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Adorno escreveu que toda experiência fascista nasce no rescaldo de uma revolução frustrada. É o que está ocorrendo no Acre, aos poucos. E a culpa é exclusivamente da FPA.
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A proposta de controlar o capital por meio de categorias "sustentáveis" não funcionou porque necessita do próprio capital para se realizar. Como resultado, o PT está sendo forçado a integrar o Acre às grandes redes do capital oligopolizado, o que, somado ao novo Código Florestal, à nova lei de Concessão de Florestas Públicas e este lobby moralizante que ganha cada vez mais espaços na vida pública, a tendência é de uma TRAGÉDIA sem precedentes para o Acre.
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Um desses efeitos é intensificação da violência, resultado do funcionamento da estratificação social própria de sociedades integradas ao capitalismo global.
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Enfim, esta questão é bem complicada, os efeitos são muito mais complexos e a busca por uma solução não deve se restringir aos problemas da nossa taba. É preciso olhar para essa questão numa perspectiva sócio-histórica, incluindo especialmente o processo de crise estrutural do capital, captado por Meszáros.
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De qualquer forma, veja como é grave: crises estruturais e fortalecimento de soluções moralizantes na política. Já vimos este filme antes, não?
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Abraços!