Talvez porque seja uma prática difundida demais entre blogs e intelectuais, talvez porque tenha pego muita gente inteligente de surpresa. Não importa o motivo, passou em brancas nuvens no Acre a inclusão do livro "Por uma vida melhor" no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC). A obra reconhece o que deveria ser óbvio, mas continua extremamente dificultoso para alguns e até meio conspiratório para outros: a língua pertence aos falantes.
Na sequência de vários estudos - e até de uma ciência nova, a Sociolinguística - sobre língua e linguagem, o MEC passa a admitir, oficialmente, a fala e até a grafia "errada", isto é, fora da norma culta. Por uma razão simples: sendo o idioma uma construção social que visa a comunicação, a escrita e a pronúncia fora dessa norma não podem ser consideradas erradas. Pelo contrário: normatizar a língua para criar um "padrão de comunicação" é não só errado, como ainda herança de uma tradição social autoritária.
Aliás, é essa tradição autoritária a responsável por tornar indispensável a norma culta em determinados espaços da sociedade: documentos oficiais, jornalismo, enfim, espaços de poder em geral - a norma culta, nesse caso, serve para confirmar o mito de que esses espaços têm alguma autoridade política simbólica sobre os cidadãos, ou que estão acima de qualquer processo de transição ou construção social. Alguns, como o Judiciário, especializaram-se em pavonear tal mito.
Logo, é claro e evidente que quem quiser "ascender socialmente" deverá dominar e usar a norma culta (exatamente pela necessidade de seu uso). Isso não se discute.
Discutível, e sociologicamente relevante, é considerar o domínio da norma culta um critério para mensurar inteligência. Assim como é também bizarro exigir a nulidade de um argumento a partir dos seus erros de português - prática bastante comum entre nós.
A questão é que quem escreve ou fala (quem se expressa, de forma geral) sempre o fará de acordo com o seu "horizonte histórico", ou seja, pelo quadro de referencialidades que possui e que é absolutamente pessoal porque está ligado ao meio em que aprendeu a se comunicar. O que a postura normativa, tirânica, em relação à gramática exige é que apenas uma forma seja imposta e todas as outras lhe sejam inferiores - o que, aliás, não muda em nada o processo de transformação do idioma pelo próprio uso - para que com isso seus adeptos, discípulos, defensores etc, possam disciplinar os espaços públicos e determinar quem pode e quem não pode se expressar.
Logo, se a normatização da linguagem é uma forma de controle social, a disseminação dessa prática, para além da estreiteza intelectual de quem a pratica, demonstra o enorme desprezo exatamente pelos valores que costuma cultuar ou prescrever: a liberdade, a pluralidade, a democracia etc.
Falando nisso, vamos esperar para ver até quando blogs e blogueiros, esses seres ultra-desenvolvidos da comunicação social, continuarão dando lições de gramática e passar isso como contestação de argumentos. Como dizem os mais jovens, "oremos..."
Quem quiser se inteirar mais sobre o assunto, sugiro uma visita ao ótimo site do professor Marcos Bagno, da UnB, gramático que já escreveu vários livros sobre o assunto (entre eles, "Preconceito linguístico: o que é, como se faz", cuja capa ilustra a postagem de hoje): clique aqui.
Pode ainda visitar o verbete "Preconceito linguístico" na Wikipedia, clicando aqui.
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