É consenso entre os estudiosos (historiadores, críticos literários etc) que a qualidade da literatura em cada época é subproduto do seu posicionamento em relação à forma política predominante.
Por esse raciocínio, uma sociedade é mais criativa na medida contrária da subserviência de sua produção literária ao Estado, ao Poder. É algo bastante lógico, que serve para explicar desde a explosão criativa brasileira durante os Anos de Chumbo (1964-1982) até a insipidez da maioria das publicações atuais.
Essa tese ganha maior força especialmente se aplicada ao jornalismo. O historiador Nelson Werneck Sodré, por exemplo, explica nas páginas de "História da Imprensa no Brasil" como a causa abolicionista serviu de amálgama à intelectualidade republicana no último quartel do século XIX, criando um movimento poderoso de reflexão política por meio de artigos em jornais que serviu, inclusive, à Proclamação da República. Algumas páginas depois, o livro revela como o novo regime apropriou-se do capital intelectual angariado pelos jornais para patrocinar a burguesia intelectual emergente e fazer pregação de si, ao mesmo tempo em que mandava fechar as redações oposicionistas não dispostas a "colaborar".
Evidentemente esse comportamento de falsa busca pela "organicidade social" resultou numa antítese: pressionados contra seus interesses vitais, os primeiros republicanos criaram seus próprios jornais e correspondentes movimentos políticos, resultando nos vários golpes e contra-golpes que se constatam na história da "democracia" brasileira, do Florianismo ao Golpe de 64. Todos, sem distinção, venderam-se como arautos de sociedades ideais, orgânicas, verdadeiros paraísos de pertencimento social, ordem e progresso. E todos, sem distinção, compraram ou calaram as vozes dissonantes capazes de produzir novas formas políticas.
Mas, e hoje? O que fazer quando a higienização literária é uma regra do manual de jornalismo? Quando o interesse do Estado é confundido propositalmente com o "interesse social", tanto quanto foi em épocas passadas?
É evidente que as duas coisas não só estão ligadas, como também uma promove a outra. Em julho de 2009, quando o mundo comemorava a ascensão do Twitter entre as redes sociais, o escritor José Saramago, Prêmio Nobel de Literatura, deu uma entrevista ao jornal O Globo em que desancou: "Os tais 140 caracteres refletem algo que já conhecíamos: a tendência para o monossílabo como forma de comunicação. De grau em grau, vamos descendo até o grunhido".
Saramago captou aquilo que os intelectuais chamam de "movimento tendencial de uma época". A assepsia do jornalismo contemporâneo e o encartilhamento da política representativa, ambas resultantes da civilização industrial, tendem a criar uma sociedade na qual a pobreza cultural não só reina como é amplamente comemorada e incentivada. A título de "objetividade", "síntese" e outras armadilhas conceituais, estimula-se uma sociabilidade de palavras prontas e conceitos normativos. A ambição, em ambos os casos, é estimular a estagnação intelectual e a apatia política. Numa só tacada.
O Acre é talvez o melhor exemplo desse fenômeno, não só porque os jornais sempre foram os meios de barganhar com o poder, obtê-lo e fazê-lo funcionar a favor de alguns grupos e em detrimento de outros - essa prática, de tão disseminada é chamada hoje de "entrar no jogo" pelos jornalistas mais antigos.
É o melhor exemplo porque o processo de higienização jornalística, predominante no mundo desde a criação dos famosos "Manuais de Redação e Estilo" - ou seja, desde que os EUA resolveram uniformizar a escrita mundial para eliminar a concorrência vermelha - é utilizado como critério para avaliar a criatividade, o "grau de isenção" do jornalista. Especialmente em temas políticos!
É um caso raro de intercâmbio de dois fenômenos históricos: a higienização política por meio da miséria literária. Ou, para quem preferir, a miséria literária como saudável indicador da higienização política.
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