O ex-secretário do Trabalho de Bill Clinton Robert B. Reich diz que o movimento de responsabilidade corporativa é uma farsa.
Em entrevista para revista Exame, edição de 7-11-2007, Reich comenta que “há 35 anos era possível que uma companhia fosse socialmente responsável porque seus presidentes tinham muita autonomia. Hoje eles não têm mais”.
Eis a entrevista.
Na economia que prevalece hoje no mundo, que o senhor batizou de supercapitalismo, não há empresa socialmente responsável ou virtuosa?
Não. Empresas não são pessoas. Elas não têm uma bússola moral e existem para um único propósito: oferecer boas oportunidade para os consumidores como forma de maximizar o lucro para os acionistas. Esperar que elas façam qualquer coisa que não seja isso é acreditar numa ilusão.
Estamos então sendo enganados pelas empresas?
É claro. As empresas gastam milhões em relações públicas e passamos a acreditar que elas têm personalidade, que são boas ou más, que são instituições criadas para atingir fins públicos. Elas não são. Na prática, elas estão dando passos muito pequenos e não vão sacrificar o retorno aos acionistas em prol de um bem social.
Então o movimento de responsabilidade social é uma falácia?
Esse movimento distrai as pessoas do problema real e mais difícil, que é limpar e aperfeiçoar a democracia. Shows de responsabilidade corporativa levam os cidadãos a acreditar que os problemas sociais estão sendo endereçados e que eles não precisam se preocupar em fazer com que a democracia funcione e dê respostas para os dilemas. Eu não tenho objeções às ONGs pressionarem uma ou outra empresa para agir de certa maneira. O que elas não devem fazer é achar que essas pressões são substitutos para leis e regulamentações. As doações e os serviços sociais prestados pelas empresas, por exemplo, não devem substituir aqueles que os governos de nações que se julgam avançadas devem prover à população. Quando políticos louvam ou culpam companhias, eles dão ainda mais fôlego para essa noção equivocada.
Como assim?
Google, Microsoft e Yahoo! tiveram de se apresentar a um comitê parlamentar no ano passado por terem ajudado a China a reprimir os direitos humanos. Os deputados criticaram ferozmente em público os executivos, mas não fizeram nada mais. A população foi levada a acreditar que alguma coisa aconteceria. O que os políticos deveriam e poderiam fazer, se realmente quisessem mudar o comportamento dessas empresas, era passar uma lei proibindo as companhias americanas de cooperar com a China.
Apesar das críticas de hoje, o senhor já foi um entusiasta da responsabilidade social corporativa. O que o fez mudar?
Pregava essa doutrina antes de o mundo entrar no supercapitalismo. Há 35 anos era possível que uma companhia fosse socialmente responsável porque seus presidentes tinham muita autonomia. Hoje eles não têm mais. Empresas que lá atrás eram reconhecidas por sua ação socialmente responsável, como The Body Shop e Levi's, foram atropeladas pelo acirramento da competição e perceberam que não podiam se dar ao luxo de sacrificar o lucro em prol de uma causa social.
E hoje o senhor defende empresas como o Wal-Mart...
O Wal-Mart já foi alvo de muitas críticas, porque paga salários baixos, espreme fornecedores e destrói o pequeno varejo. Mas a empresa está simplesmente sendo conduzida por consumidores - que querem pagar o menor preço possível pelos produtos - e por investidores - que querem ganhar mais a cada trimestre. O Wal-Mart segue as regras do jogo.
No Brasil, de acordo com pesquisas, há muita expectativa dos cidadãos em relação às empresas resolverem questões sociais. Qual sua opinião sobre isso?
É um mito perigoso esse de que as companhias vão resolver problemas sociais por conta própria. A não ser que elas sejam induzidas ou forçadas. Por que o fariam? Elas fazem apenas o mínimo para garantir sua reputação. Se os brasileiros estão desiludidos com a falta de habilidade do governo em fazer o que precisa ser feito, eles precisam concentrar seus esforços diretamente no governo. As empresas não vão preencher as lacunas sociais do país.
Fonte: Instituto Humanitas Usininos.
A foto é da revista estadunidense Newsweek.
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