Não é de estranhar. Na sexta-feira, jornais, TVs e rádios alardearam a “intervenção” do Ministério Público Federal (MPF) na greve. O motivo: “pequenos” empresários que alegaram não poder pagar suas dívidas, apesar do funcionamento dos Correios, bancos populares, casas lotéricas e internet não ter sido afetado.
A greve é nacional, mas no Acre tem a liderança incontestável da jovem sindicalista Edjane Batista, reeleita, com 91% dos votos, presidenta do Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários do Acre (Seeb/AC) em 2006. Edjane firma-se como uma das lideranças orgânicas dos trabalhadores acreanos na luta contra a crise sistêmica que se avizinha, de acordo com o último Global Europe Anticipation Bulletin (em francês. Veja aqui em português).
Confira, a seguir, a entrevista que a sindicalista me permitiu.
Como é organizada uma greve nacional?
No nosso caso temos um grupo de negociação com os banqueiros localizado em São Paulo, formado pelo Conselho Nacional dos Trabalhadores no Ramo Financeiro (Contraf). Os sindicatos ficam mobilizados e em contato constante com esse grupo. Quando há discussão, como a rodada de ontem quando veio a proposta que rechaçamos, os sindicatos se reúnem e cada categoria delibera se mantém ou paralisa a greve. Mas a categoria está muito unida, nós avisamos aos banqueiros que aquela proposta é discriminatória e os sindicatos do país inteiro homologaram a decisão.
Por que não aceitaram?
Porque não é o que a gente quer. Nós estamos pedindo a valorização do piso, chegando a R$ 1.547 nesse ano, com reajuste de 25% no ano que vem e outro reajuste de 25% em 2010. E é pouco, porque segundo o Dieese o nosso piso deveria estar em R$ 2.074. Hoje ele é apenas 920 reais. Então para repor queremos valorizar aos poucos até 2010, uma flexibilidade fora do comum. Também queremos aumento da Participação nos Lucros e Resultados (PLR) correspondente a três salários mais R$ 3.500, mas os patrões não aceitaram.
Não seria por causa da crise?
Não estamos caindo nessa desculpa esfarrapada, pois os bancos brasileiros estão sólidos. Eles têm uma grande credibilidade e são bancos que não emprestavam para pessoas com risco de não pagar, o famoso subprime. A lucratividade deles é tão alta que isso que pedimos pode ser cumprido sem o menor problema mesmo em plena crise mundial.
Você não acha que os trabalhadores em geral deveriam aproveitar a crise para se manifestar, para exigir que os preços não consumam os seus salários, para lutar contra a exploração dos patrões, enfim... você não acha que é um momento propício para todas as categorias, e não só para os bancários?
Gostaríamos muito que todos os trabalhadores estivessem se manifestando, com certeza, inclusive temos discutido muito sobre essa crise com a categoria. Afinal temos uma crise globalizada e com certeza isso vai atingir a todos os trabalhadores em geral. E com certeza vamos ter que lutar para manter direitos conquistados com muito sacrifício.
O presidente Lula já disse que reajustes para o setor público podem ser sacrificados para atender à economia, além de algumas obras previstas no PAC. Isso com certeza deve atingir algumas categorias, será que vai atingir vocês?
Eu vi, mas não creio que essas ações mencionadas pelo Lula vai afetar a ponto de não atender às reivindicações bancárias, que são tão poucas. Por isso queremos fechar logo esse acordo para que os bancos trabalhassem normalmente e eles possam ver o que podem fazer para contornar e tornar a crise no Brasil mais fraca. Por isso, se os banqueiros fechassem esse acordo ganhariam muito mais.
Qual o tamanho da categoria dos bancários no Acre hoje?
Temos 730 servidores. É uma categoria pequena, já que o nosso banco estadual fechou e reduziu muito o efetivo de trabalhadores, mas essa redução foi também um fenômeno nacional. Hoje temos 450 mil servidores no Brasil inteiro e há 15 anos tínhamos 1 milhão. Ou seja, foi o inverso do que os empresários prometeram. Vários bancos estaduais também fecharam, dando lugar à privatização. E há outro fenômeno danoso para a categoria, que são as fusões. Elas ajudaram a reduzir o quadro funcional, inclusive aqui no Acre. Lembra do BBV que foi vendido para o Bradesco? O Finasa que também foi para o Bradesco e outros? Pois é, essas fusões trouxeram demissões como “inovação”, antes de tudo.
Mas é praxe existir demissões durante as fusões bancárias ou foram ações isoladas?
É de praxe, sim. Claro que os banqueiros não vão admitir isso jamais, eles dizem é que remanejam, que lotam os servidores em outros setores sei o que, mas o nível de demissões é alto, altíssimo. Aqui no Acre mesmo chegamos a ter 1,6 mil sindicalizados. Hoje temos entre 720 e 730 pessoas. Ou seja, essas privatizações só trazem melhorias mesmo para os empresários, que lucram mais e passam um serviço cada vez pior para a população. E demitem. Em vez de expandir as contratações o que houve foi demissões.
Conversando com servidores da Caixa eu soube que um dos grandes problemas de lá, além da superlotação, é o alto número de estagiários ou servidores provisórios. O que o Seeb/AC tem feito a esse respeito, até como forma de melhorar o atendimento à população?
Esse é um problema nacional da Caixa. A Contraf entrou na Justiça pedindo para acabar com a terceirização, porque é isso o que acontece. São servidores terceirizados de empresas prestadoras de serviço. Chegou ao absurdo de ter mais de 50% dos servidores terceirizados, mas devido a esta ação da Contraf eles foram substituídos por servidores efetivados por meio da realização de concursos públicos. Hoje, nessa greve, a realização de concursos públicos para os bancos estatais faz parte da nossa pauta de reivindicações que está sendo negociada em São Paulo. Nisso a população será beneficiada.
Essa prática de terceirização ocorre apenas na Caixa ou é generalizada?
Ocorre em todos os bancos, inclusive nos bancos privados, mas também lugamos contra esse tipo de medida causa uma enorme precarização do atendimento ao público. O banqueiro ao colocar uma pessoa assim para trabalhar deixa de pagar um bancário com todos os direitos trabalhistas garantidos e contrata um terceirizado ganhando bem abaixo do que nós ganhamos hoje.
Mas a maioria ainda é de servidores efetivos ou já foi ultrapassada?
Sim, ainda é de servidores efetivos, mas a terceirização não é o único problema. Temos ainda o problema da automação, dos caixas eletrônicos, que avança cada dia mais sobre o atendimento pessoal. Por isso é importante lutar contra as demissões porque mesmo com a automação do atendimento o que a prática mostra é filas imensas dentro dos bancos, o que todo mundo pode ver todos os dias. São filas tão grandes que mesmo com a lei estadual que fixou horário mínimo para o atendimento as pessoas não são atendidas no prazo. Quer dizer: está faltando bancário.
Quantos servidores participam dessa greve aqui no Acre?
Dos bancos públicos conseguimos a participação de 90% dos servidores. Lá dentro estão apenas os gerentes gerais e os demais que lotam cargos de confiança. Mesmo assim as compensações bancárias estão acontecendo. Na semana passada tivemos uma reunião com o Ministério Público Federal (MPF), que lembrou a necessidade de funcionamento dos 30%. Mas a nossa categoria não é irresponsável e todas as compensações estão acontecendo normalmente. Além disso temos a internet, banco popular, casas lotéricas, Correios, várias opções para pagamentos de dívidas.
Me parece que a reclamação partiu dos empresários.
Sim, é claro que que os empresários vão reclamar porque não podem obter empréstimos nesse período. Paciência. Esse serviço em particular está e vai continuar paralisado, porque não é um serviço essencial. A tomada de empréstimos poderá ser feita normalmente após a greve, eles que esperem. Nossa luta não é somente pela nossa categoria, é por toda a sociedade que merece ser atendida a tempo e com qualidade dentro das agências.
Para terminar, qual seria o número ideal de servidores nos bancos acreanos, hoje?
Isso depende porque cada agência tem a sua especificidade. Mas digamos que cada agência bancária do Acre atual deveria ter um incremento mínimo entre 10% e 20% do total de servidores. Acho que isso garantiria o funcionamento mínimo, na medida do possível. Naturalmente as agências maiores precisariam de mais servidores. Servidores efetivos e bem pagos, é claro.
A foto é do interior da agência central da Caixa e mostra aproximadamente metade de uma fila que se forma todos os dias.
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