sábado, 30 de agosto de 2008

SURPLUS

ROUPA SUJA

Deparei-me nesta semana com dois panfletos anônimos que circulam na Universidade Federal do Acre (UFAC) contendo acusações sérias - e que deveriam ser investigadas, na minha opinião - sobre três pessoas: um reitor, um pró-reitor e um professor.

Entre denúncias de orgias sexuais e consumo de drogas nos espaços da instituição até o uso da máquina nas eleições para reitor, os panfletos tentam convencer o leitor de que a única instituição pública de ensino superior do Acre virou um balaio de gatos onde o público e o privado se misturam como partes indissociáveis de um duplo processo de aparelhamento: o carreirista e o político.

Não quero entrar na análise do mérito sobre a solidez das denúncias, nem da tremenda euforia que os tais panfletos vêm despertando nos corredores. Um dos motivos é a segurança pessoal, minha e do blog. Segundo amigos da Polícia Federal – que, sim, já entrou no caso, acionada exatamente pelo professor citado – reproduzir conteúdo ofensivo e anônimo é crime na atual legislação.

Direi apenas que o qüiproquó foi tão grande que, ontem, a Associação dos Docentes da Ufac (Adufac) fez um ato de desagravo ao professor citado. Assim, como o desagravo foi público, amplamente noticiado e a existência dos tais documentos foi reconhecida e divulgada inclusive pelo ofendido, dei-me o direito de rabiscar essas mal-traçadas.

A quem interessar possa, fica o registro.

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

DISPOSITIVO ANTIFURTO



Avançadíssimo dispositivo antifurto elaborado e instalado pelos técnicos do Departamento de Filosofia e Ciências Sociais da UFAC.

Chama-se Corrente Com Cadeado (CCC).

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

MÍDIA PRODUZ MEDO, DIZ PESQUISA

Pessoas associam a violência a locais específicos e ao contato com grupos marginais

As relações entre indivíduo e meio mudaram através dos tempos. Os gostos, afetos e os corpos diversificaram. Isto é o que mostra Layne Amaral no artigo “Mídia e violência urbana: o corpo contemporâneo e as suas afetações em uma cultura de risco” publicado na revista “Logos” em 2007. Segundo a autora, a partir do que a mídia divulga – principalmente sobre violência – as pessoas começam a adotar diferentes comportamentos.

“A mídia costuma tratar esse tema com um grau de veiculação exagerada”, afirma. Ela acrescenta, ainda, baseada em trabalhos do teórico da comunicação norte-americano George Gerbner, que essa veiculação exagerada nos da uma sensação de insegurança e uma ansiedade crescente em relação ao mundo.

Layne explica que não é preciso ser vítima da violência para temê-la, pois todos sabem que esta pode acontecer com qualquer um, aleatoriamente. Segundo a professora da Faculdade de Comunicação Pinheiro Guimarães, os meios de comunicação não explicam as dinâmicas da violência e as pessoas acabam associando a mesma a locais específicos e ao contato com grupos marginais, que muitas vezes são relacionados às populações mais pobres.

Movida por essa “cultura do medo”, a sociedade é “forçada” a adotar medidas de segurança e permanecer em eterna vigilância. A professora esclarece que a mídia pode não ser culpada pelo estabelecimento dessa cultura do medo, mas isso não a exime de contribuir para a formação desse sentimento. Significa dizer que para Layne, assistir uma quantidade suficiente de brutalidade na televisão pode fazer uma pessoa começar a acreditar que está vivendo em um mundo cruel e sombrio, em que se sente vulnerável e inseguro.

Ela afirma que mesmo não sabendo qual o grau de veracidade do que se veicula na mídia, o público pode acreditar que os índices de criminalidade estão aumentando e superestimar o medo de serem vítimas de crimes violentos. O medo gerado leva à tomada de certas atitudes como novas formas de deslocamento pela cidade, como não passar por áreas “perigosas”, não parar em cruzamentos; buscar espaços seguros como shopping centers, edifícios comerciais e condomínios; e até a implantação de chips de identificação no corpo.

O estudo mostra ainda que as narrativas midiáticas exageradas sobre violência estão contribuindo para o aparecimento de um distúrbio psiquiátrico na população chamado estresse pós-traumático, que era relacionado somente a eventos catastróficos, como guerras e erupções vulcânicas, mas passou a ser considerado também a partir de eventos urbanos.

“Numa sociedade onde as tecnologias de comunicação são cada vez mais presentes e as narrativas midiáticas adquirem grande importância na construção de nossa visão de mundo, torna-se urgente reavaliar as conexões que fazemos a fim de entender o fenômeno da violência urbana, ainda mais quando se percebe que tais temores começam a se deslocar do imaginário e passam a afetar as materialidades de nossos próprios corpos”, diz Layne.

Fonte: Agência UERJ

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

A MILITARIZAÇÃO DAS PERIFERIAS URBANAS

As periferias urbanas dos países do terceiro mundo transformaram-se em cenários de guerra, onde os Estados tentam manter uma ordem baseada no estabelecimento de um tipo de “cordão sanitário” que consiga isolar os pobres da sociedade “normal”.


“Fontes do Exército confirmaram que as técnicas empregadas na ocupação da favela Morro da Providencia são as mesmas que as tropas brasileiras utilizam na missão de paz das Nações Unidas no Haiti” (1).

Este reconhecimento das forças armadas do Brasil, explica em grande medida o interesse que tem o governo de Lula da Silva em que as tropas do seu país se mantenham na ilha do Caribe: trata-se de pôr à prova estratégias de contenção nos bairros pobres de Port-au-Prince (capital do Haiti), as quais foram desenhadas para sua aplicação nas favelas do Rio de Janeiro, São Paulo e outras grandes cidades.

Mas a notícia publicada pelo diário “O Estado de São Paulo” vai mais longe ao revelar a forma de operar dos militares. O general que dirige a ocupação da favela Morro da Providencia por 200 soldados, William Soares, comandou a 9ª Brigada de Infantaria Motorizada no Haiti. Os soldados instalaram metralhadoras “na única praça da comunidade, transformada em base militar”, as quais foram posteriormente retiradas para facilitar o diálogo com a população. Na reunião com a Associação de Moradores, o general Soares “prometeu obras, festa de Natal com distribuição de prendas para as crianças, colónia de férias, projecção de filmes, cuidados médicos e sanitários.”

Segundo informou o diário, “em contrapartida o Exército está recolhendo informações sobre a favela e seus habitantes. Os militares filmaram e fotografaram a reunião e todo o movimento das tropas”. O general Soares realizou todas essas promessas para “aplacar a revolta dos líderes comunitários contra o projecto social previsto para a favela”.


Os pobres urbanos considerados como ameaça

O urbanista estado-unidense Mike Davis analisa as periferias urbanas a partir do seu compromisso com a mudança social. Uma só frase sintetiza a sua análise: “Os subúrbios das cidades do terceiro mundo são o novo cenário geopolítico decisivo” (2). Assegura que os estrategas do Pentágono estão dando muita importância ao urbanismo e à arquitectura, já que essas periferias são “um dos grandes desafios que o futuro colocará às tecnologias bélicas e aos projectos imperiais.”

Com efeito, um estudo das Nações Unidas estima que mil milhões de pessoas vivem nas favelas periféricas das cidades do terceiro mundo e que os pobres das grandes cidades do mundo atingem dois mil milhões, um terço da humanidade. Estas cifras se duplicarão nos próximos 15 a 20 anos já que o crescimento da população mundial se produzirá fundamentalmente nas cidades e que um 95% se registrará nos subúrbios das cidades do sul (3).

A situação é ainda mais grave do que mostram os números: a urbanização, como assinala Mike Davis, se desconectou e se autonomizou da industrialização e do crescimento económico, o que implica uma “desconexão estrutural e permanente de muitos habitantes da cidade com respeito à economia formal.” Por outro lado, observa que “na última década os pobres (e refiro-me não só aos dos bairros clássicos que mostravam já níveis altos de organização mas também aos novos pobres das periferias) se foram organizando em grande escala, seja numa cidade iraquiana como Sadr-city seja em Buenos Aires.”

Na América Latina os principais desafios ao domínio das elites surgiram do coração dos bairros pobres: desde o Caracazo de 1989 até a comuna de Oaxaca em 2006. Prova disso são os levantamentos populares de Assunción em Março de 1999, Quito em Fevereiro de 1997 e Janeiro de 2000, Buenos Aires em Dezembro de 2001, Arequipa em Junho de 2002, Caracas em Abril de 2002, La Paz em Fevereiro de 2003 e El Alto em Outubro de 2003, para mencionar somente os casos mais relevantes.

Mais ainda: as periferias urbanas se transformaram nos espaços a partir dos quais os grupos subalternos lançaram os mais formidáveis desafios ao sistema, até se configurarem numa espécie de duplos poderes populares. Mike Davis tem razão: o controle dos pobres urbanos é o objectivo mais importante que se traçaram tanto os governos como os organismos financeiros globais e as forças armadas dos países mais importantes.

Muitas grandes cidades latino-americanas parecem por momentos à beira da explosão social e várias delas tiveram efectivamente explosões sociais nas duas últimas décadas por motivos os mais diversos. O temor dos poderosos parece apontar numa dupla direcção: adiar ou tornar inviável a explosão social ou a insurreição e, por outro lado, evitar que se consolidem esses buracos negros fora do controle estatal de onde surgem os principais desafios às elites.


As novas estratégias militares

As publicações dedicadas ao pensamento militar bem como as análises dos organismos financeiros, dedicam nos últimos anos amplos espaços a abordar os desafios que representam os grupos organizados e a debater os novos problemas que colocam a guerrilha urbana. Os conceitos de “guerra assimétrica” e de “guerra de quarta geração” são respostas a problemas idênticos aos que colocam as periferias urbanas do terceiro mundo: o nascimento de um tipo de guerra contra inimigos não estatais, no qual a superioridade militar não joga um papel decisivo.

Willian Lind, director do Centro para o Conservadorismo Cultural da Fundação do Congresso Livre assegura que o Estado perdeu o monopólio da guerra e as elites sentem que os perigos se multiplicam. “Em quase todos os lugares o Estado está perdendo” (4). Apesar de ser partidário de abandonar o Iraque o quanto antes possível, Lind defende a “guerra total” que pressupõe enfrentar os inimigos em todos os terrenos: económicos, culturais, sociais, políticos, comunicacionais e também militares.

Um bom exemplo desta guerra de espectro total é a sua crença de que os perigos para a hegemonia estado-unidense se escondem em todos os aspectos da vida quotidiana. Como exemplo, considera que “na guerra de quarta geração, a invasão mediante a imigração pode ser tão perigosa como a invasão que emprega um exército de Estado”. Os novos problemas que nascem à raiz da “crise universal da legitimidade do Estado” colocam no centro os “inimigos não estatais”. Isto o leva a concluir com uma dupla advertência aos comandos militares: nenhuma força armada logrou êxito perante um inimigo não estatal.

Este problema está no núcleo do novo pensamento militar, que deve ser reformulado completamente para assumir desafios que antes correspondiam às áreas “civis” do aparelho estatal. A militarização da sociedade não é suficiente para recuperar o controle das periferias urbanas como o demonstra a experiência militar recente no terceiro mundo.

Os comandos militares envolvidos no Iraque parecem ter uma consciência clara dos problemas que devem enfrentar. O general de divisão Peter W. Chiarelli, com base na sua recente experiência em Bagdad, no subúrbio de Sadr-city, defende que a segurança é o objectivo a longo prazo, mas isso não se consegue com acções militares. ”As operações de combate proporcionariam as vitórias possíveis a curto prazo (…) mas a longo prazo, seria o começo do fim. No melhor dos casos, causaríamos a expansão da insurreição” (5).

Isto implica que as duas linhas de acção tradicionais das forças armadas, as operações de combate e a preparação das forças de segurança locais são insuficientes. Propõe-se portanto assumir três linhas de acção “não tradicionais”, ou seja, aquelas que antes correspondiam ao governo e à sociedade civil: dotar a população de serviços essenciais, construir uma forma de governo legítimo e potenciar o “pluralismo económico”, ou seja, a economia de mercado.

Com as obras de infra-estrutura buscam melhorar a situação da população mais pobre e ao mesmo tempo criar fontes de emprego que sirvam para enviar-lhes sinais visíveis de progresso. Em segundo lugar, criar um regime “democrático” é considerado um ponto essencial para legitimar todo o processo. Para os comandos dos Estados Unidos no Iraque, o “ponto de penetração” das suas tropas foram as eleições do 30 de Janeiro de 2005. No pensamento estratégico, a democracia fica reduzida à emissão do voto.

Por último, mediante a expansão da lógica do mercado, que busca “aburguesar” os centros das cidades e criar concentrações de empresas que se transformem num sector dinâmico que impulsione o resto da sociedade, tenta-se reduzir a capacidade de recrutamento dos insurgentes (6). Em seguida, a população pobre das periferias urbanas será, em jargão militar, “o centro de gravidade estratégico e operacional”.

Este conjunto de mecanismos é o que hoje as forças armadas da principal potência global consideram como a forma de obter “segurança verdadeira a longo prazo”. Desse modo, a “democracia”, a expansão dos serviços e a economia de mercado deixam de ser direitos de cidadania ou objectivos moralmente desejáveis para transformar-se em engrenagens de uma estratégia de controlo militar da população ou de uma região do mundo e, obviamente, dos seus recursos.


Segurança e cooperação: duas caras de uma estratégia

Depois dos atentados terroristas de 11 de Setembro de 2001, a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) “desempenhou um papel cada vez mais proeminente na Guerra Contra o Terrorismo” (7). Os programas estado-unidenses para o desenvolvimento, não se dirigem à população que mais os necessita mas às “populações e regiões consideradas de alto risco” segundo a estratégia do Pentágono.

Para os estrategas militares, os programas da USAID jogam um papel destacado “em negar refúgio e financiamento aos terroristas ao diminuir as condições subjacentes que são a causa de que as populações locais sejam vulneráveis ao recrutamento por parte do terroristas.” Do mesmo modo, “os programas de USAID destinados a fortalecer a governabilidade efectiva e legítima são reconhecidos como instrumentos chave para tratar com a contra-insurgência.”

A estratégia do Pentágono é buscar a segurança para os Estados Unidos e para isto utiliza a “democracia” e a “ajuda para o desenvolvimento” como meios complementares da acção militar. O coronel Baltazar defende que “o desenvolvimento reforça a democracia e a defesa, reduzindo assim as ameaças de longo prazo à nossa segurança nacional ao ajudar o processo de fortalecer sociedades estáveis, prósperas e pacíficas.”

Parece necessário enfatizar que a cooperação internacional, a ajuda ao desenvolvimento e o combate à pobreza - alguns dos slogans predilectos do Banco Mundial e de outras agências financeiras - são apenas estratégias de controlo e subordinação da população “potencialmente” rebelde ou resistente aos objectivos das multinacionais estado-unidenses. A análise do Pentágono sobre a realidade africana, identificou segundo o coronel Baltazar, “as causas do extremismo”, destacando entre elas a existência de “grandes populações marginalizadas ou privadas do direito de voto e a exclusão do processo político, como as causas chave da instabilidade na região.”

A democracia eleitoral e o desenvolvimento são necessários como forma de prevenir o terrorismo, mas não são objectivos em si mesmos. Nas circunstâncias de países com estados débeis e altas concentrações de pobres urbanos, as forças armadas são as que ocupam durante um certo tempo o lugar do soberano, reconstroem o Estado e põem em marcha - de modo absolutamente vertical e autoritário - os mecanismos que asseguram a continuidade da dominação.

No Iraque estas políticas têm a sua outra face e o seu complemento na edificação de grandes muros para separar dezenas de bairros de Bagdad. Segundo o escritor e arabista Santiago Alba Rico, a construção de muros em dez bairros da capital iraquiana pretende que cada vizinhança se transforme num “armário couraçado cujos habitantes são classificados ou abandonados em espaços fechados e recintos estanques” (8).

A lógica é muito simples: “Os bairros que não puderam ser dominados militarmente são amuralhados e abandonados à sua sorte. Zonas completas da cidade foram delimitadas e segregadas com os moradores confinados no seu interior, submetidos a controles tão férreos – de entrada e de saída – que podemos falar, sem vacilação, de uma política de guetto.”

Em outras partes do mundo, não fazem falta muros de cimento para isolar e separar os bairros periféricos. Levantam-se muros simbólicos criados com base nas diferenças de cor, forma de vestir e modo de habitar o espaço. Mas os resultados e os objectivos são idênticos. Os mecanismos de controlo – tenham roupagens militares, sejam ONGs para o desenvolvimento ou promovam a economia de mercado e a democracia eleitoral – aparecem entrelaçados e, em casos extremos como os bairros de Bagdad, as favelas do Rio de Janeiro ou as “barriadas” de Port-au-Prince no Haiti, estão subordinados a planos militares.

No Brasil, para dar apenas um exemplo, aplicam-se diversas formas de controle de modo simultâneo: o plano Fome Zero é compatível com a militarização das favelas.

Na sua reflexão sobre o nazismo no seu texto “Sobre o conceito de História”, o escritor alemão Walter Benjamin assegura que “a tradição dos oprimidos nos ensina que o estado de excepção em que vivemos é a regra”. A política dos Estados Unidos depois dos atentados de 11 de Setembro de 2001 se ajusta ao conceito de “estado de excepção permanente”. O “estado de excepção” – que suspende os direitos dos cidadãos e militariza zonas e países inteiros - se aplica de modo indistinto em situações e por razões muito diversas, desde problemas políticos internos até ameaças externas, desde uma emergência económica até um desastre natural.

Com efeito, o estado de excepção se aplicou em situações como a crise económico-financeira argentina que eclodiu em Dezembro de 2001 engendrando um amplo movimento social; aplicou-se também para enfrentar os efeitos do furacão Katrina em Nova Orleans e para conter a rebelião dos imigrantes pobres das periferias das cidades francesas em 2005. O que há de comum entre tais situações, mais além das circunstâncias e países, é que em todos os casos se aplicam as citadas medidas para conter os pobres das cidades.


(*) Raul Zibechi é analista internacional do semanário ‘Brecha’ de Montevideo, docente e investigador sobre movimentos sociais na Multiversidad Franciscana de América Latina e conselheiro de vários grupos sociais. É colaborador mensal do Programa de las Américas.


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NOTAS:

(1) Estado de São Paulo, “Exército admite uso de táctica do Haiti em favela do Rio”, 15 de Dezembro de 2007.

(2) Mike Davis em www.rebelion.org

(3) Mike Davis em www.sinpermiso.info

(4) Willian Lind, ob. cit.

(5) Military Review, Novembro-Dezembro de 2005,p.15.

(6) Idem, p. 12.

(7) Thomas Baltazar,citado em Military Review,ob. cit.

(8) Santiago Alba Rico, ob. cit.


Fonte: Revista O Comuneiro

A foto é do site Defesanet

terça-feira, 26 de agosto de 2008

A BARBÁRIE NOSSA DE CADA DIA

No programa "Gazeta Alerta" de hoje:

De Brasília (DF), o repórter Mariano Maciel informa por telefone que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) acatou um pedido do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Estado do Amazonas e enviará tropas do Exército Brasileiro para reforçar as eleições em Manaus.

De volta ao estúdio o apresentador e meu amigo Edvaldo Souza comenta:

- Evidentemente, aqui no Acre está tudo tranqüilo, o processo eleitoral está transcorrendo normalmente. Está transcorrendo normalmente. Cada candidato e cada cabo eleitoral está vendendo o seu produto e correndo atrás dos votos, e é assim que ocorre numa democracia, não é mesmo, Mariano?"

Maciel confirma. O tema se esgota.

O BG (música de fundo) muda e o apresentador dispara:

- Comunidade faz protesto contra violência no trânsito. Imagens!

Surge a repórter Lenida Cavalcante, ladeada por crianças e adultos segurando cartazes em um ato público no bairro Conquista. São moradores, gente simples que perdeu amigos, amores ou filhos em alguma tragédia automobilística. Um dos depoimentos é constrangedor:

- Já morreram crianças e adultos aqui. Nessa rua Padre Cícero [a câmera mostra a rua] passa caminhão pesado e eles não dispensam nada. A criança que estiver no meio eles atropelam mesmo, não estão nem aí!

A imagem corta para Edvaldo. Ruborizado, nervoso, o apresentador comenta a participação de crianças no ato público. Pede providências. Critica a falta de sinalização na via. E lembra de um projeto de lei em tramitação no Congresso Nacional que deve transformar o assassinato no trânsito em homicídio doloso (quando há intenção de matar).

Fim do bloco.

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Escolhi essa passagem de um programa de uma hora porque quero comentar algo que, se por um lado é muito próprio do Jornalismo, por outro é o seu maior problema: a natureza limitada da informação condicionada ao fato imediato.

No Jornalismo quanto mais se contextualiza, quanto mais se conecta um fato específico à realidade em que o mesmo está inserido, mais se descobre que o fato narrado não passa do efeito de outros fatos que lhe são anteriores. "O fato é um aspecto secundário da realidade", escreveu o poeta Mario Quintana.

Numa época em que a informação é mercadoria cuja circulação e consumo estão condicionados não só aos produtos que veiculam, mas ao interesse da empresa jornalística responsável por essa veiculação, não é de estranhar que as notícias sejam as mais factuais possíveis. É uma questão grave, mas que se torna incontornável ao somar-se a detalhes técnicos como tempos de exibição, anúncios de patrocinadores e melindres políticos, além, é claro, às cosmovisões e preferências pessoais de repórteres e apresentadores.

A complexa interação desses fatores é o que viabiliza o tipo de Jornalismo praticado em determinada comunidade.

Vamos tomar como exemplo as notícias veiculadas acima. No primeiro caso uma contextualização simples informaria que, além de Manaus, o Exército atuará - também a pedido das prefeituras - em Barcelos, Boca do Acre, Humaitá, Manacapuru, São Paulo de Olivença, Urucará e Itacoatiara. Acrescentaria ainda que das 62 cidades amazonenses, 49 pediram reforço das Forças Armadas. E que, ao todo, quatro dos sete Estados da Amazônia reivindicaram o mesmo (Amazonas, Amapá, Pará e Tocantins).

No Pará, o primeiro Estado atendido, haverá reforço militar em nada menos que 83 municípios.

Mas tudo bem se o Acre está bem, não é? Não, não é por aí...

A violência que levou prefeitos e governadores a requisitar a presença das Forças Armadas para garantir a realização da chamada "festa da democracia" é a mesma que, nas nossas ruas, mata crianças e adultos cujo único erro foi cruzar uma rua ou avenida no instante em que algum automóvel passava em alta velocidade (o leitor experimente cruzar uma faixa longe de um semáforo, em qualquer ponto de Rio Branco e a qualquer hora, e se sobreviver me conte a história).

Nos dois casos, uma imprensa analítica e livre de tantas amarras abordaria o fenômeno social da violência - Edvaldo de vez em quando parece tentar puxar essa discussão, mas, sem tempo e limitado pelas próprias determinações do jornalismo acreano, acaba incorrendo no mesmo equívoco de tantos apresentadores de programas policiais Brasil afora: apelar para o poder repressivo do Estado, um poder que tem como tática combater a violência com a própria violência.

É desnecessário dizer que essa medida é absurda, mas fundamental acrescentar que ela agrava as tensões de classe social das quais se origina a violência em sua acepção mais ampla: aquela que viola o ser humano, que o reduz à condição de objeto (o homem-voto, por exemplo) e que não vê na escalada da violência o resultado inevitável da coisificação do sujeito e da mercantilização da vida.

A imprensa precisa entender que a visão da sociedade como um ser meramente mercantil é o que gera a idéia estapafúrdia de que, mesmo na vida política, alguns naturalmente ganham e outros perdem. Raciocinar dessa forma não é só antidemocrático, é afirmar aquilo que a todo custo se nega: que o motor da sociedade é uma intensa e frenética luta de classes, raiz fundamental da sua divisão e da sua violência (e que somente com repressão é possível resolver ambas).

Na imprensa, meio de comunicação necessariamente coletivo, esse raciocínio da "cidadania capitalista" é bem mais danoso. Danoso a ponto de promover a própria violência como regra social, ao invés de denunciá-la e combatê-la - dever de todo repórter. Daí a escalada do crime. Daí os assombros dos apresentadores. Daí o rubor e a vergonha que agora mesmo toma as nossas faces, pois, de repente, nos damos conta de que esse ciclo que alimentamos nos fará conviver com a intensificação da violência até o fim dos nossos dias.

Fica a reflexão. Que ela não seja só minha, mas sua também.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

TEM QUE TOMAR MEMORIOL

O atual prefeito de Rio Branco e candidato à reeleição, Raimundo Angelim, aposta alto na crônica falta de memória do povo ao repetir no seu programa eleitoral o surrado chavão dos "quatro anos necessários para arrumar a casa".

A tática foi usada com sucesso por FHC, Lula e Jorge Viana para justificar suas reeleições.

Infelizmente para o prefeito petista, em 2004 a internet já estava a pleno vapor e alguns jornais mantêm na rede seus arquivos de edições anteriores. Portanto, é fácil descobrir o que de fato houve de tão errado na gestão Isnard Leite.

E como ninguém do PT exigiu, na época, que os jornais publicassem algum ERRAMOS! em suas capas (como fariam várias vezes mais tarde), é fácil deduzir que as narrativas dessa época tinham - no mínimo - a anuência do próprio PT.

Assim, quem investigar vai constatar, por exemplo:

- que Isnard foi o primeiro prefeito de Rio Branco impedido de deixar dívidas do seu mandato para o sucessor, por força da vigência da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF);

- que as únicas dívidas deixadas foram as dos precatórios, algo em torno de R$ 30 milhões. Os precatórios são dívidas trabalhistas que remontam à gestão de Jorge Kalume e nasceram dos planos econômicos dos anos 80.

- que não havia dívidas com "restos a pagar" (com fornecedores) nem com a folha de pagamento.

- que a entrega da prefeitura "saneada e com superávit de 1% no orçamento" foi reconhecida e até elogiada pelos próprios caciques do PT.

- que a oposição ao PT criticou densamente o ex-prefeito Isnard Leite pela medida, que consideravam um "tiro no pé" do já combalido Movimento Democrático do Acre (MDA).

Para saber mais clique aqui e aqui. Se "por acaso" algum desses links sair do ar, há dois locais em Rio Branco que mantêm acervos físicos dos jornais da época: o Centro de Documentação e Informação Histórica (CDIH) da Universidade Federal do Acre (Ufac) e o Museu da Borracha, no centro de Rio Branco.

Boa pesquisa!

A foto é do arquivo online do Página 20.

sábado, 23 de agosto de 2008

ZEITGEIST

NINGUÉM SABE, NINGUÉM VIU?

Declaração Final do Seminário “Internalização capitalista ou integração dos povos: para onde vai a América do Sul? Alternativas de integração regional"

Nós, representantes de organizações, redes e movimentos sociais da América Latina, nos reunimos nos dias 18 e 19 de setembro de 2006, em São Paulo, Brasil, no Seminário “Internalização capitalista ou integração dos povos: para onde vai a América do Sul? Alternativas de integração regional". Participaram do seminário mais de 70 pessoas representando organizações e movimentos sociais de vários Estados do Brasil, da Venezuela, Argentina, Uruguai, Paraguai, Colômbia, Equador, Peru, Bolívia, Honduras, Haiti, Guiana Francesa, EUA e Canadá. É importante ressaltar que o evento contou com uma participação diversa, não apenas em termos de nacionalidades e de gênero, mas também, de etnias, grupos de interesse, posições políticas e áreas de trabalho.

Durante o seminário, após várias exposições e debates, concluímos
que atualmente a América Latina vive um momento muito importante no que diz respeito às alternativas de integração regional. Isto se faz possível graças à luta dos movimentos sociais contra o avanço das políticas neoliberais, de projetos imperialistas como a ALCA e outros acordos de livre comércio, além da eleição, nos últimos anos, de vários governantes de países da região comprometidos, em diferentes escalas, com algumas das lutas que mais nos são caras.

Assim, concluímos que a atual conjuntura política regional possibilita novas articulações inter-governamentais importantes, baseadas na cooperação, solidariedade e complementaridade entre nossos países, além de abrir a possibilidade de várias de nossas organizações e redes dialogarem e proporem alternativas a esses governantes. Ao mesmo tempo em que se apresentam várias oportunidades para a transformação do modelo neoliberal, a questão do sobrendividamento externo e interno em que vive nossos países os tornam extremamente vulneráveis para imposições de políticas que tem aprofundado as desigualdades e disparidades entre povos e países. Não podemos permitir que nesta nova etapa em que se encontra a América do Sul as assimetrias intra-países permitam o estabelecimento de novas formas de dominação e novos ciclos de endividamento Sul-Sul.

Este momento exige uma maior autonomia, qualificação e articulação dos movimentos sociais para garantir a superação de iniciativas de integração aparentemente inovadoras, mas que podem vir a repetir um padrão de desenvolvimento com base na exploração dos recursos naturais e humanos para usufruto das porções enriquecidas da terra, assim reproduzindo o papel histórico da América Latina, de ser uma região meramente provedora de recursos naturais que vêm alimentando um padrão de consumo indutor de gravíssimos impactos sócioambientais.

Discutindo critérios mínimos que garantam uma integração regional sustentável, equânime, solidária, garantidora de direitos, e sem a hegemonia de determinadas economias sobre outras,

concluímos que uma alternativa de integração regional precisa se caracterizar por, pelo menos:

  • entender a América Latina com (o) unidade, mas respeitando as diferenças, as tradições e culturas, manifestando assim, as particularidades dos países. A integração precisa articular as diferenças: territórios distintos devem ser respeitados de formas diferentes. Somos um só continente, mas não somos iguais;

  • garantir equilíbrio com o meio ambiente diferentemente do processo de interconexão de mercados que vem se fazendo às custas da exclusão dos nossos povos e da fragmentação dos nossos territórios. Projetos de desenvolvimento e integração precisam respeitar nossa biodiversidade socioambiental e cultural, considerando-a como ponto de partida para fins de planejamento territorial;

  • desestimular por todos os meios a criação na América do Sul de unidades produtoras autônomas, desconectadas do território físico e institucional em que estão historicamente inseridas, que abarcam porções consideráveis de nosso território, extraem daí recursos naturais que recebem transformação básica e pouco agregadora de valor, sendo posteriormente exportados. Esse tipo de indústria desvincula essas porções de território do país em que estão instalados e operam sob a lógica dos mercados internacionais para os quais exportam. Um exemplo típico e dramático dessa indústria é o setor de papel e celulose;

  • levar em consideração os mais de 500 anos de colonização e controle por parte de um capital financeiro que tem gerado exclusão territorial, crise política e socioambiental. Dessa forma podemos nos preparar para as novas estratégias e instrumentos do capital tal como a Iniciativa de Integração da Infraestrutura Regional Sul-americana (IIRSA) e o Plan Puebla Panamá que representam tentativas de apropriação do nosso território e de recursos naturais estratégicos, como água, diversidade biológica e cultural e recursos energéticos;

  • considerar os territórios de resistência e espaços de articulação onde aparecem elementos que devem ser princípios de uma nova integração como soberania alimentar, autodeterminação dos povos e solidariedade. Reconhecer e potencializar as integrações fronteiriças já praticadas pelos povos como também a integração entre organizações sociais de luta;

  • garantir a autonomia dos movimentos e organizações sociais;

  • transformar as relações sociais de gênero, raça, etnia e geração e combater a mercantilização do corpo;

  • eliminar as assimetrias e disparidades entre nossos povos;

  • garantir a participação no sentido amplo, construída em escala regional;

  • incorporar uma divisão sexual do trabalho justa e igualitária;

  • garantir o protagonismo dos sujeitos sociais dentro de um espaço plural, democrático, sustentável e eqüitativo. A integração é um processo e não pode ser imposta, ela tem que ser sinalizada pela sociedade;

  • promover a complementaridade entre os países da região no lugar de competição estabelecendo uma sociedade de bem - estar comum;

  • integrar não somente a América do Sul – precisamos recuperar a integração da América Latina onde os tratados de livre comércio estão avançados e também da idéia-força de América Latina, como bandeira de luta;

  • buscar a solução das desigualdades econômicas, políticas e sociais. Para isso precisamos de uma política de integração inclusiva;

  • valorizar os conhecimentos tradicionais, recuperar a história e dignidade dos povos;

  • ter a interculturalidade como motor de desenvolvimento – respeitar o fato de que as culturas se interagem, comportam valores, se complementam promovendo relações igualitárias;

  • superar a homogeneização das políticas atuais através da valorização dos mercados internos, o apoio à agricultura para garantir a segurança e soberania alimentar, promoção da diversidade produtiva; valorização da tradição, cultura, educação alimentar e o direito do povo de decidir;

  • estimular a reciprocidade desde o local, regional e o nacional;

  • criar espaços de diálogo permanente entre sociedade, governo e parlamento.

  • garantir o direito à informação e comunicação entre os povos para além dos meios tradicionais.

Os povos indígenas presentes no seminário ressaltaram a necessidade de união entre os movimentos indígenas e não indígenas em nível local, nacional e internacional colocando em prática a interculturalidade, fortalecendo as lutas reivindicatórias que os movimentos indígenas e sociais vem desenvolvendo. É necessário integrar os povos mutuamente. É fundamental que haja respeito e cumprimento das normas nacionais, regionais e internacionais que protejam os direitos territoriais dos indígenas e solicitar que os governos que ainda não o fizeram, ratifiquem o Artigo 169 OIT. Esses são direitos coletivos até então não valorizados pelos nossos governos.

Para os povos indígenas, as iniciativas de integração precisam reconhecer, respeitar e aplicar os conhecimentos ancestrais sobre o uso, manejo e conservação dos territórios e recursos naturais; gerar oportunidade de uma educação acadêmica intercultural que facilite a interlocução com os governos, ONG's, organismos multilaterais e empresas transnacionais e os prepare melhor para enfrentar a realidade; que haja consultas efetivas aos povos indígenas ameaçados pelos grandes projetos de integração da infra-estrutura; garantir, através de normas nacionais e internacionais, a intangibilidade dos territórios habitados por povos indígenas em isolamento voluntário na Bacia Amazônica para evitar que as atividades energéticas e projetos de integração de infra-estrutura afetem suas vidas; e mais especificamente que haja divulgação de informações e prestação de conta da proposta “análise sociocultural e mapeamento dos povos indígenas e a IIRSA” liderada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento. Não houve processo de consulta participativa conforme exigem políticas do próprio banco e legislações nacionais internacionais.

Para garantir a integração que queremos, precisamos lutar pela superação do sistema capitalista, mudar o paradigma da sociedade baseada no consumismo e individualismo. Precisamos alterar o regime econômico e o modo de produção, lutar para mudar o padrão de consumo reconhecendo os limites dos recursos naturais.

É necessário construir projetos nacionais transformadores para garantir a integração que queremos. No entanto, enquanto sociedade civil, temos que ir além do Estado Nação, fortalecer nossas articulações não somente nos nossos países como também com movimentos de outros países. A criminalização dos movimentos ocorre em nível regional e nossas bandeiras de luta são iguais. Precisamos buscar mecanismos de solidariedade e fortalecer os já existentes, criar novas formas de organização social a partir da base dos movimentos respeitando a diversidade e autonomia.

Reconhecemos a importância de algumas iniciativas sendo propostas pelos nossos governos como a Alternativa Bolivariana para as Américas (ALBA), Comunidade Sul-americana de Nações (CASA) e o Tratado de Comércio dos Povos (TCP) principalmente no que diz respeito à solidariedade. No entanto, consideramos necessário garantir uma maior participação da sociedade civil e transparência em relação às decisões sendo tomadas para garantir uma integração efetivamente dos povos e que não sejam incentivados projetos meramente de integração física do continente.

Dito isso, as propostas relacionadas à integração física como a IIRSA e energética como o Gasoduto do Sul levantam várias preocupações entre as organizações presentes e movimentos sociais ameaçados pelos impactos como indígena, camponês e quilombola. Preocupa-nos que as demandas locais por infra-estrutura e energia não estão sendo analisadas e que os megaprojetos de infra-estrutura sendo propostos são dirigidos às grandes empresas, na sua maioria voltadas à exportação.

Para esses movimentos, a IIRSA se apresenta como uma iniciativa criada pelas Instituições Financeiras Multilaterais e o grande capital com o objetivo de garantir uma maior liberalização econômica do continente e a negociação de tratados de livre comércio. Os eixos de integração e desenvolvimento da IIRSA concentrarão investimentos para aumentar o comércio e criar cadeias produtivas conectadas aos mercados internacionais, perpetuando assim a fragmentação espacial do desenvolvimento. O conjunto dos eixos cruza zonas onde se encontra a maior concentração de recursos naturais, não somente os tradicionais como minério e hidrocarbonetos, mas principalmente os recursos da biodiversidade e de água, além de outros recursos energéticos.

Sendo assim, o benefício à população local pode se limitar a um trabalho temporário com péssimas condições. Isso ocorreu com a construção do Gasoduto Bolívia-Brasil, que além de gerar impactos ambientais, violou muitos direitos trabalhistas. O complexo do Rio Madeira proposto pelo governo brasileiro, que também faz parte da IIRSA (com duas hidrelétricas: Jirau e Santo Antônio na fronteira Brasil/Bolivia; uma hidrelétrica binacional Brasil-Bolívia; uma hidrelétrica Cachuera Esperanza em Madre de Díos, na Bolívia e uma hidrovia), não está sendo pensado com base nas necessidades da região. Se implementado, o complexo terá impactos irreversíveis ao meio ambiente e povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos enquanto não vai levar energia a quem realmente precisa. Além disso, por causar impactos na Bolívia, o projeto, sendo de integração, deveria, no mínimo contar com a participação das autoridades e sociedade civil bolíviana na elaboração de estudos de impacto socioambiental, o que não está ocorrendo.

Acreditamos que a integração energética da forma como está sendo planejada não vai trazer o desenvolvimento prometido. Toda a comunidade Andina já está integrada energeticamente, o Brasil já esta integrado energeticamente à Bolívia, mas não existe bem-estar social em várias das regiões impactadas por esses projetos.

A integração física e energética tem que ser baseada nas necessidades locais e não no atual modelo explorador dos nossos recursos naturais por grandes empresas de exportação. Assim sendo, muitos dos presentes acreditam que caso a ALBA e a CASA reproduzirem a lógica da IIRSA, essas iniciativas também precisam ser reavaliadas enquanto alternativas de integração.

Preocupa-nos também a imposição do endividamento como resultado desses megaprojetos de infra-estrutura como consequência do papel das Instituições Financeiras Internacionais (IFIs). Questionamos até que ponto esses projetos que são financiados pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Banco Mundial e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) não são impostos por essas próprias instituições.

As iniciativas de integração promovidas pelas IFIs, são muito mais uma articulação das necessidades da globalização neoliberal, que aumentam a marginalização dos povos e não têm uma perspectiva integradora - ao contrário, caracteriza-se por desconectar importantes porões de nossos territórios. Para essas IFIs, a integração regional, principalmente a física, representa outra fase das reformas de ajuste estrutural.

Criticamos o papel do BNDES em outros países da América Latina, que através de seus empréstimos supostamente para a integração, está objetivando a exportação do capitalismo brasileiro, já que financia a contratação de serviços e produtos brasileiros, a custo do endividamento financeiro e ecológico dos países da América Latina. Preocupa-nos também a estratégia do Brasil de conquistar liderança regional através da indução a um tipo de integração que submete as economias vizinhas à sua própria economia. O Brasil deve, dentro do Mercosul e em outros espaços, trabalhar para reduzir as assimetrias e desigualdades entre os países.

É importante ressaltar que não nos opomos às iniciativas de integração física, desde que elas sejam dedicadas a, primeiro, ajudarem a desenvolver de forma equilibrada ecologicamente e justa socialmente as populações das áreas de implantação desses projetos, dessas áreas com as demais regiões dos países em que estão inseridas e desses países entre si.

Consideramos a integração física e energética importante, mas precisamos sempre avaliar para quê e para quem são esses projetos, quem e o que vai ser integrado – os povos ou as empresas transnacionais?! É importante requalificar o conceito de integração como também outros como desenvolvimento e solidariedade que foram apropriados pelo neoliberalismo e não mais representam o que desejamos.

Repudiamos ainda o processo de militarização por que passa toda a América Latina e o Caribe e exigimos que os governos da região dediquem todos os esforços possíveis para a imediata retirada dos efetivos e instalações militares dos EUA e da França que atualmente ocupam a região além de tropas estrangeiras que ocupam o Haiti, tendo em vista que estes fatos constituem grande perigo ao processo de integração entre os povos sul americanos bem como aos princípios de soberania dos mesmos.

Apoiamos as iniciativas e atividades desenvolvidas pelo povo uruguaio na luta contra a aprovação de um tratado de livre comércio Uruguai-EUA e contra a possível instalação de bases militares norte-americanas e outras instalações do Comando Sul no território sul-americano e a erradicação do Plano Colômbia por ser uma política dos EUA colonizante, degradante que viola a soberania nacional da Colômbia.

Lembramos a existência de um documento que foi elaborado por várias organizações e movimentos sociais do continente através da Aliança Social Continental “Alternativas para as Américas” que deve ser considerado pelos governos na elaboração de qualquer iniciativa de integração. Sugerimos ainda a realização de referendos e plebiscitos para a construção de uma outra integração como também a transformação dos processos de consultas à sociedade civil para que às preocupações e demandas das populações ameaçadas pelos projetos sejam de fato consideradas e atendidas.

As entidades participantes deste seminário seguirão promovendo iniciativas de formação, participação, articulação, incidência e mobilização como estratégias por uma integração dos povos.

ÁGUA, AR, TERRITÓRIO E FOGO, PACHAMAMA!

QUEREMOS INTEGRAÇÃO FÍSICA SIM, MAS HARMONIZADA COM AS DIVERSIDADES LOCAIS.

POR UMA INTEGRAÇÃO ENTRE OS POVOS.

São Paulo, 18 e 19 de outubro de 2006



Participantes do seminário:

Ação Política e Água Viva

Action Aid – Brasil

Aliança Social Continental – Canadá e Brasil

Articulação de Mulheres Brasileiras - Brasil

Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste (APOINME) - Brasil

Asociación Interétnica de Desarrollo de la Selva Peruana (AIDESEP) – Perú

Brasil de Fato - Brasil

Bloque Popular de Honduras

Campaña por la Recuperación de la Soberanía Hidroelétrica del Paraguay - Paraguai

Centro de Educação e Assessoria Popular (CEAP) – Brasil

CENSAT Agua Viva - Amigos de la Tierra Colombia - Colômbia

Central Única dos Trabalhadores (CUT) - Brasil

Centro Latino Americano de Ecologia Social (CLAES) - Uruguai

Colectivo de Estudios Aplicados al Desarrollo Social (CEADES) - Bolívia

Comisión Nacional em Defesa del Agua y la Vida – Uruguai

Cone Sul Sustentável

Confederación de Nacionalidades Indígenas de la Amazonia Ecuatoriana (CONFENAIE) - Equador

Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) - Brasil

Coordenação Nacional de Quilombos - CONAQ

Coordinadora Campesina de Mujeres del Tropico de Cochabamba (COCAMTROP) - Bolívia

Coordinadora de las Organizaciones Indigenas de la Cuenca Amazônia (COICA)

Coordenadora de Centrais Sindicais do Cone Sul - Brasil

Coordinadora Nacional de Defensa del Agua, los Servicios Básico, el Medio Ambiente y la Vida – Bolivia

Diálogo 2000 – Argentina

ESP - Brasil

ESPLAR – Centro de Pesquisa e Assessoria - Brasil

Federação Nacional dos Agricultores Familiares (FETRAF) - Brasil

Federação Única dos Petroleiros (FUP) - Brasil

Foro Boliviano sobre Medio Ambiente y Desarrollo (FOBOMADE) - Bolívia

Fórum Brasileiro de Organizações e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (FBOMS) - Brasil

Fórum da Amazônia Oriental (FAOR) - Brasil

Grupo de Trabajo Racismos de Ungurahui – Peru

Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Economicas (IBASE) - Brasil

Instituto de Estudos Socioeconomicos (INESC) - Brasil

Instituto del Tercer Mundo (IteM) – Monitor de IFIs en América Latina – Uruguai

Instituto Latinoamericano de Servicios Legales Alternativos (ILSA) - Colômbia

Instituto Polis - Brasil

Instituto de Políticas Alternativas (PACS) - Brasil

International Rivers Network (IRN) - Brasil

Jubileu/Sul Américas

Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) - Brasil

Movimiento de Desocupados – Frente Darío Santillán – Argentina

Movimento dos Atingidos por barragens (MAB) - Brasil

Núcleo Amigos da Terra/Brasil

Plate-forme haïtienne de Plaidoyer pour un Développement Alternatif (PAPDA) – Haiti

PNCSA/Universidade Federal do Amazonas - Brasil

Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais - Brasil

Rede Brasileira pela Integração dos Povos (REBRIP) - Brasil

Rede Brasileira de Justiça Ambiental - Brasil

Rede Manglar Internacional

Redes/Amigos de la Tierra – Uruguai

Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – PT - Brasil

Sobrevivencia - Paraguay

Sociedad de Amigos em Defensa de la Gran Sabana – Venezuela

SOS Corpo – Brasil

Telesur - Brasil

União Nacional de Estudantes (UNE) - Brasil