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NESSE MOMENTO SOLENE...

Tenho a infelicidade ser vizinho de uma igreja evangélica: a Igreja Quadrangular da Seis de Agosto.

Minha audição é violentada quase todos os dias por uma bizarra polifonia de berros, urros, assobios e outras formas de expressão pouco comuns em humanos, exceto nos casos avançados de esquizofrenia.

Plantada numa área residencial sem qualquer infra-estrutura acústica, a gaiola reverbera altissonantemente os lamentos dos seus fiéis. No entanto, são lamentos que - ainda que entre espasmos - balbuciam frases desconexas sobre liberdade, amor, felicidade, vencer o mal etc.
Isso faz pensar...

Pensar sobre quais seriam as conclusões de alguém que se dispusesse a contextualizar tais catarses como conseqüências, e não como causas, como se pensa no senso comum. Como manifestações de um desespero mental reprimido por uma realidade que se alimenta da miséria, da separação entre o trabalho e o salário no fim do mês; entre o poder de transformar a realidade em bens utilizáveis e o roubo sistemático dos mesmos para viabilizar o enriquecimento alheio.

Desse ângulo, tanto desespero concentrado - sublimado, como prefere Freud - não seria de todo estranho. Afinal, o misticismo é a arma milenar, em todas as sociedades, para combater medos e inimigos simbólicos de toda ordem.

Mais tarde, outro dia talvez, pensarei melhor nisso. Por enquanto, com os decibéis do desespero estuprando os meus tímpanos, me limito a parar de escrever. E imaginar que seria uma boa idéia denunciar a igreja, pela terceira vez, por poluição sonora.

Se o fizer, perco o meu objeto de análise... mas mantenho a sanidade mental. Se não o fizer, corro o risco de me flagrar omisso em um crime cometido contra toda a rua.
Que dilema!

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