sexta-feira, 15 de abril de 2011

ALAGA-SHOW II

Tenho que admitir: merece algum daqueles prêmios de cidadania o atendimento do governo do Estado e da prefeitura da Capital aos desabrigados - 410 famílias de 11 bairros, totalizando 1.715 pessoas nesta quinta-feira (14), segundo o Altino. No Parque de Exposições, onde ficam os abrigos temporários, há médicos, assistentes sociais, cursos profissionalizantes, teatro, palestras sobre direitos trabalhistas e civis, cidadania básica, atividades e brinquedos para as crianças com acompanhamento especializado e até - muito legal isso - um cinema! Além, claro, do básico: água potável e comida.

É evidente que nada disso resolve o problema maior, já que este originou-se no mesmo movimento histórico que deu origem ao PT no Acre: a expulsão dos seringueiros e índios de suas terras pelos "paulistas" em meados dos anos 70, sob proteção e incentivo da Ditadura Militar.

Só para lembrar: enquanto o PT nascia da resistência organizada dos movimentos sociais rurais com o apoio das maiores categorias do funcionalismo público urbano, o agronegócio patrocinava um maciço êxodo rural que duraria até o fim dos anos 90 e que seria responsável, entre outros fenômenos, pela formação do que hoje chamamos atabalhoadamente de "periferias" ou "bolsões de miséria". Sem dinheiro para comprar casas ou terrenos nas regiões altas, as famílias ocuparam imensas regiões próximas ao rio Acre. Regiões repletas de matagais, sem energia elétrica, rede de água e esgoto. Regiões alagadiças.

É por isso que políticas públicas efetivas para o problema das enchentes em Rio Branco vão muito além da exposição midiática das ações humanitárias - e louváveis - da prefeitura, do governo do Estado, da rede de solidariedade cristã, laica ou seja lá de quem for. Até a distribuição de donativos ou bolsas tem limites estruturais: em 1988, em meio a uma campanha internacional para arrecadar alimentos e colchões para os desabrigados, caçambas do governo do Estado foram flagradas pela imprensa despejando milhares de donativos no final da antiga Estrada do Amapá. Por vários meses após a enchente, pequenas mercearias de Rio Branco continuavam lotadas de requeijão suíço, carne enlatada inglesa, damascos em calda israelenses e outras iguarias. Alguns postos da hoje extinta Companhia Brasileira de Alimentos (Cobal) - que tinha a função de gerenciar e fiscalizar a distribuição dos donativos - começaram a vendê-los. Anos depois vários desses postos foram ocupados e viraram moradia de espertalhões disfarçados de "solidários". E continuam assim ainda hoje, sem que nenhum governo tome uma providência para reaver o patrimônio público.

Isso ocorreu porque a assistência social aos desabrigados é dever de qualquer governo, mas a marca de um governo assistencialista é transformá-la no núcleo das suas ações. Não por razões de ordem filantrópica, mas porque o assistencialismo, em qualquer situação, é uma porta escancarada para a corrupção. É por isso que todo governo centralmente assistencialista é também visceralmente corrupto.

Só se foge disso quando se compreende o drama das atuais alagações no Acre como resultante de um processo histórico. Porque é essa compreensão que permite elaborar políticas públicas com a intensidade e alcance que o fenômeno exige (a propósito, em comparação com a sua extensão territorial integral, o perímetro urbano de Rio Branco é minúsculo como uma moeda numa piscina). O PT, por ser resultado do mesmo processo histórico, deveria melhor que ninguém ter desenvolvido essa habilidade e "ver além da superfície", mas parece resistir e investe em medidas paliativas dignas do velho PMDB.

Qual será o resultado disso?

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