terça-feira, 30 de dezembro de 2008

O BOMBARDEIO DE GAZA

O bombardeio continuou por cerca de 10 minutos. Era como um terremoto sobre a cabeça. As janelas sacudiam e rangiam. Meu filho de 10 anos, aterrorizado, corria de um lugar a outro para tentar se esconder.

Segurei-o firmemente junto ao peito e tentei dar-lhe alguma segurança e conforto. Minha filha de 12 anos estava em pânico e começou a rir histericamente, o que não é normal. Segurei a sua mão e acalmei-a dizendo-lhe que estava segura. Minha esposa estava em pânico. Corria pelo apartamento à procura de algum lugar para se esconder.


Vivemos no térreo, de modo que nos dirigimos para o porão.

Não muito longe da nossa casa está a sede da polícia e havia um bombardeamento maciço. O chefe de polícia foi morto. Duas ruas mais adiante outra bomba explodiu e mais pessoas foram mortas. O gabinete do presidente está a cerca de um quilômetro da nossa casa e também foi bombardeado.

Descemos para o porão e tentamos nos esconder dos estilhaços. A filha de um dos nossos parentes, que vive em nosso edifício, finalmente voltou da escola. Antes a procuramos, mas não conseguimos encontrá-la. Todas as redes telefônicas estavam congestionadas. Ela voltou e estava em um estado de choque muito sério. Estava pálida e tremia ao descrever os corpos mortos nas ruas. No seu caminho para casa ela passara por gente do Hamas com uniforme. Estavam mortos.

Fiquei muito apreensivo ao acordar nesta manhã. Tenho algum pão, queijo e um copo de chá. Como todos em Gaza, senti que alguma coisa estava em andamento, algo muito sério. Quando Israel permitiu a entrega de alimentos e combustíveis [quando terminou o bloqueio a Gaza, ontem] eu disse a mim mesmo e a meus amigos que Israel estava planejando um ataque maciço. Eles não querem ser culpabilizados por matar o povo de fome.

Eu estava sentado na sala de visitas quando a minha família tentava imaginar o que fazer para o almoço de hoje, nossa refeição principal. O que cozinhar e como cozinhar, se tínhamos o suficiente para comer. Não tinha arroz, de modo que sugeri uma sopa de lentilhas e minha esposa disse: "Não, não há lentilhas no mercado". Perguntei: "Que outra coisa podemos fazer?". Ela disse "Comprei algumas latas de comida". Estávamos a discutir isso quando subitamente tudo explodiu. Uma grande explosão.

Nesse momento sinto-me ansioso ao pensar sobre o que virá pela frente. Estou preocupado sobre quantas pessoas ainda vão morrer.


O relato acima é de Eyad Al Serraj, psicólogo clínico na cidade de Gaza. O texto foi originalmente publicado na excelente revista norte-americana Counter Punch, em inglês. A ilustração é da agência Resistir, onde o leitor encontrará mais textos sobre esse novo ataque israelense ao povo palestino.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

DO GADO DA RESERVA EXTRATIVISTA AO GADO DO RODEIO

Por sua natureza, o Estado precisa inventar heróis. No Acre, seria diferente? Entre árvores copadas, em plena Floresta Amazônica, surge um herói com farda e patente para militarizar a virtude. Outro herói emerge entre árvores depois que os gringos o projetaram para o mundo. Plácido de Castro, idealizado pela propaganda de Estado, e Chico Mendes, modelado pela comunicação de massa, não só se opõem como também deformam o que Mário de Andrade e Oswald de Andrade pensaram sobre a identidade de um povo, sobre a imagem de uma cultura.

Por meio de seus heróis, o Estado quer convencer, educar, disciplinar, ordenar e, por outro lado, tende a propagar uma ideologia que pode aborrecer ou irritar. A cultura do Estado é forçada, quer adaptar o público à sua cultura. Se tais heróis aborrecem, se eles irritam, é porque não foram germinados no solo fértil da cultura popular.

Zumbi dos Palmares, degolado em 20 de novembro de 1695. O negro jamais colocou seu herói em uma procissão cristã e nunca precisou do Estado ao longo da história para patrocinar sua lembrança. O passado do negro permanece intensamente vivo porque sua cultura, encarnada em seu corpo, dança, musicaliza, canta, veste-se e exporta moda, ou seja, sua cultura cicatrizou-se no modo ser, de existir, de falar.


Continue lendo no blog Língua, de Aldo Nascimento.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

DO AVIAMENTO ÀS COOPERATIVAS DE TRABALHADORES

O imperialismo na Amazônia revela como - através da sua política de ecologismo - imprime o caráter semifeudal nas relações de produção e de trabalho


Ao final do século XIX, a economia da Amazônia atendia aos interesses do capital monopolista internacional como fornecedora da borracha, matéria-prima de fundamental importância para o desenvolvimento do capitalismo em sua fase monopolista. Essa economia foi caracterizada como sistema de aviamento, que consistia na manutenção da dependência do seringueiro ao patrão seringalista através do endividamento. Com a falência dos seringais e a expansão da frente agropecuária na Amazônia, nos anos 70 do século XX ocorre o acirramento da luta pela terra nesta região.

No Acre, a luta pela terra é descaracterizada quando o imperialismo alicia antigos ativistas para os movimentos de "defesa do meio ambiente”. Aqui, o exemplo mais famoso é o de Chico Mendes, transformado mais tarde em agente ambientalista.

No final dos anos 80 são criadas na Amazônia as Reservas Extrativistas (Resexs), que passam a cumprir vários papéis: garantir a preservação de recursos naturais para uso futuro dos monopólios; produzir, no lugar de alimentos para as populações camponesas, produtos exóticos para os mercados dos países imperialistas; criar no campo uma população não identificada com os camponeses de outras regiões, mas atendendo interesses mediatos dos imperialistas. Em meados dos 80, instituições vinculadas ao imperialismo, como Ongs ianques e inglesas, atuavam com um conjunto de indivíduos da pequena burguesia, alguns vinculados ao PCdoB, outros ao PT/Igreja Católica, desenvolvendo cooperativas de produção no atendimento das demandas dos seringueiros nas áreas de saúde e instrução pública.

As cooperativas visavam enfrentar os atravessadores (marreteiros) na comercialização da borracha, momento em que a maioria dos seringalistas (proprietários dos seringais), falidos, já transferiam suas propriedade para grandes pecuaristas. Em 1988 é fundada a Cooperativa Agroextrativista de Xapuri (Caex), e em 1993 a Cooperativa Agroextrativista de Brasiléa (Capeb), ambas com usinas de beneficiamento de castanha, agregando-lhes os nomes de duas personalidades assassinadas, Chico Mendes e Wilson Pinheiro, respectivamente.

A Caex recebeu apoio e financiamento de Ongs e Fundações de governos imperialistas como a Cultural Survival Enterprise; Fundação Ford; Fundação Inter-Americana (organismo do Estado ianque); World Wildlife Fund (WWF); Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID); instituições dos EUA; a Ong Novib, da Holanda; do governo da Áustria e também de instituições brasileiras como o BNDES e Ibama.

O montante de recursos recebidos pela Caex, no período entre dezembro de 1988 e julho de 1989, alcançou a cifra de US$ 1,8 milhões.


Continua no jornal A Nova Democracia.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

ESTES NATAIS SINISTROS

Gabriel García Márquez

Já ninguém se recorda de Deus no Natal. Há tanto estrondo de corneta e fogos de artifício, tantas guirlandas de focos de cores, tantos perus inocentes degolados e tantas angústias de dinheiro que ultrapassam nossos recursos reais que podemos nos perguntar se a alguém resta um instante para perceber que semelhante alvoroço é para celebrar o aniversário de uma criança que nasceu há 2000 anos numa estrebaria de miséria, a pouca distância de onde havia nascido, uns mil anos antes, o rei David.

Novecentos e cinquenta e quatro milhões de cristãos crêem que essa criança era Deus encarnado, mas muitos celebram-no se na realidade não o acreditassem. Celembram-no além disso muitos milhões que nunca o acreditaram, mas agrada-lhes a pândega, e muitos outros estariam dispostos a virar o mundo do avesso para que ninguém continuasse a acreditar.

Seria interessante averiguar quantos deles crêem também, no fundo da sua alma, que o Natal de agora é uma festa abominável, e não se atrevem a dizê-lo por um preconceito que já não é religioso e sim social.


Leia mais na
Agência Resistir.info

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

ODE AOS SERINGUEIROS!

De George Pereira Santos, capitão do Corpo de Bombeiros e chefe da Divisão de Defesa Civil da Prefeitura de Rio Branco, em entrevista ao Jornal do Meio-Dia, da TV estatal Aldeia, nesta antevéspera de Natal (23.12):

"Nós sabemos que toda a cidade de Rio Branco foi ocupada nas proximidades do rio, que também era a fonte do transporte na nossa região. É um problema social, cultural, político e econômico. Muitas pessoas já dependem dessas áreas alagadiças para a sua sobrevivência e mudar isso poderia ser comparado, pela magnitude que tem, a desfavelizar o Rio [de Janeiro], pois a ocupação daqueles morros é um problema socioeconômico também. Então, diante disso, o que fazemos é atuar informando aos moradores como lidar com os problemas na medida em que estes aparecerem".

O oficial parte de uma compreensão arrevesada do processo de ocupação das chamadas "partes baixas" de Rio Branco, invadidas anualmente, em maior ou menor escala, pelas águas do rio Acre. Essa compreensão é também a justificativa psicológica para manchetes do tipo "Rio sobe" ou "Rio desce", que o leitor verá em toda a imprensa local até meados de abril de 2009 e no mesmo período dos anos seguintes.

A ocupação dessas áreas não foi espontânea. Ela remonta à política de "preenchimento do vazio demográfico do Oeste", implementada pelos generais durante a Ditadura Militar e que gerou conflitos nos seringais acreanos em quantidade suficiente para iniciar o conhecido fenômeno do êxodo rural. É bem verdade que a migração interna já ocorria desde o fim do segundo ciclo da borracha, após a 2ª Guerra Mundial, mas a política de estímulo à pecuária pelo governo - federal e estadual - só reforçou e acelerou o processo.

É por isso que nesses dois períodos as migrações consistiam basicamente de seringueiros expulsos de suas terras. Muitos perderam tudo, tiveram as casas incendiadas e outros, com a falência do extrativismo e sob as ameaças dos pecuaristas, venderam as colocações a preços de banana. Ninguém se mudava "em busca de melhores condições de sobrevivência", como costuma dizer a propaganda oficial, mas simplesmente em busca de sobrevivência.

Essa é a origem real de bairros como Taquari, Santa Terezinha, Triângulo, Santa Inês, Mauri Sérgio, Areal e outros. Nada a ver com "a navegabilidade" do rio Acre.

Por que os bairros nasceram em regiões alagadiças? Porque terras desvalorizadas são mais baratas e grande parte era ainda desocupada. O seringueiro que migrava para a cidade ocupava o terreno e construía, devagar, a sua casa de paxiúba e palha (as casas de madeira vieram com a "democracia", isto é, com as "doações" dos candidatos nas campanhas eleitorais em troca de votos).

A ocupação das regiões baixas de Rio Branco foi uma necessidade, não uma ação espontânea de alguém que vende uma casa em outro lugar e escolhe, por irresponsabilidade ou equívoco, um terreno alagadiço para habitar. Pensar assim é não só evidenciar total ignorância sobre a nossa história recente como manifestar um asqueroso preconceito de classe social.

Se esse tipo de preconceito é intolerável no senso comum, inclusive na auto-imagem dos descendentes dos seringueiros expulsos para as "periferias", o que dizer quando o localizamos em alguém investido do poder público?

Poderia esse indivíduo desenvolver alguma política pública democrática (uma vez que é justamente nas periferias que vive hoje a maior parte da população rio-branquense)?

Poderiam as autoridades pensar em "combate ao crime" e ao mesmo tempo ignorar os crimes que os seus antecessores cometeram?

E nossa imprensa, por que não vai além do rio-sobe, rio-desce?



A foto é do site da Prefeitura de Rio Branco e mostra a pinguela do bairro Ayrton Sena, um dos primeiros atingidos nas enchentes do rio Acre. Clique na imagem para ampliar.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

CHICO MENDES PRA CÁ, CHICO MENDES PRA LÁ...

... e disso, alguém lembra (clique na imagem)?

Lembra disso também?

E disso aqui?


Não lembra? Claro, não saiu nos jornais. Não é oba-oba oficial...

GEAB: PERCEPÇÃO REAL DA CRISE VIRÁ EM MARÇO




O Laboratório Europeu de Antecipação Política/Europa 2020 (LEAP) acaba de publicar mais um boletim sobre a crise mundial.

O 30º Global Europe Anticipation Bulletin (GEAB), nome dos prognósticos elaborados pela instituição, estabelece que a devida relevância dessa crise será percebida publicamente em março de 2009, apesar de todos os alertas (veja aqui) aos líderes do G20 ao longo desse ano.

O texto prevê crescimento do desemprego no mundo inteiro e o risco de um colapso nos sistemas de previdência social.

O site Resistir.info traduziu e publicou o boletim em português. Para acessá-lo clique aqui.



O infográfico é do Leap/Europe 2020.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

CÚPULA DA UNASUL APROVA RELATÓRIO SOBRE MASSACRE EM PANDO

Os presidentes dos países-membros da União das Nações Sul-Americanas (Unasul) aprovaram por consenso o relatório da comissão destacada para investigar o genocídio de 11 de setembro no Departamento de Pando, na Bolívia.

O documento será encaminhado à ONU e à Organização dos Estados Americanos (OEA).

A cúpula sul-americana ocorreu ontem e hoje na Costa do Sauípe, na Bahia, e pela primeira vez dispensou a presença de representantes dos EUA ou de algum dos seus antigos colonizadores europeus.

O esforço dos governos para mostrar independência foi eclipsado pela imprensa brasileira, que acostumada a reproduzir textos encomendados pelas assessorias de "celebridades" do BBB preocupou-se mais com os trajes de banho de Michelle Bachelet, do Chile, ou de Fernando Lugo, do Paraguai - e olha que além da Unasul reuniram-se representantes dos grupos América Latina e Caribe, Mercosul e Grupo do Rio, com diferentes pautas e conclusões.

Não houve cobertura das conclusões sobre o relatório do massacre pandino, um dos mais sangrentos episódios da política boliviana. A Folha de São Paulo limitou-se a divulgar, dois dias antes da cúpula (veja aqui), um pedido de nova investigação feito pelo presidente do Senado boliviano e oposicionista Óscar Ortiz, que acusava a comissão de ter feito um relatório "parcial" e até mesmo forjado.

O G1 fez o mesmo (veja aqui), mas na última terça-feira, primeiro dia das cúpulas, publicou um novo texto sobre o envio do relatório da Unasul à Organização das Nações Unidas (ONU) e à Organização dos Estados Americanos (OEA) após a aprovação consensual dos países-membros. Detalhe: os dois textos do G1 são da agência espanhola EFE.

Um papelão ridículo coube ao Estadão. No último sábado o diário paulistano chegou a afirmar (veja aqui) que quatro países - Colômbia, Peru, Uruguai e Paraguai - rejeitaram o relatório final, considerando-o "apressado e inconsistente", e que por isso esses países deveriam "contestá-lo na reunião de cúpula da Unasul". Algo parecido escreveu o Correio Braziliense na sexta-feira (veja aqui). A profecia não se realizou, mas Estadão e Correio simplesmente ignoraram isso e nada mais publicaram, nem contra, nem a favor.

Já na Bolívia, onde alguns jornais publicaram o natural questionamento da oposição, a aprovação do relatório na cúpula também foi divulgada.

O jornal La Razón, por exemplo, destaca (veja aqui) a aprovação e também mostra que há uma investigação paralela em curso na Promotoria de La Paz que em breve convocará 25 suspeitos de participação nos atentados. Alguns deles podem estar em Brasiléia ou em Epitaciolândia.

A Agencia Boliviana de Información (ABI), de La Paz, traz algo que a imprensa brasileira ignorou completamente: a declaração integral da cúpula dos países-membros sobre o relatório. Para acessá-lo, clique aqui.

E a imprensa acreana? Vai à brasileira ou à boliviana?







A foto é da ABI e mostra dois sobreviventes do massacre de 11 de setembro.

- Para ouvir relatos de outros sobreviventes, clique aqui.

- Para ver um vídeo do massacre, clique aqui.

- Para baixar o relatório da Unasul, clique aqui.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

A CRISE




Não sou, nunca fui, de calar diante da injustiça. Nem de esconder informação, mesmo quando a veiculação era proibida por censura interna - dos donos dos jornais em que trabalhei - ou externa - do governo ou dos "amigos" dos patrões. A maioria das matérias que escrevi tem mensagens internas, algumas subliminares, outras irônicas; são fórmulas que fui criando ao longo dos anos para driblar a cadeia de podres poderes que subjugam a imprensa acreana, tornando-a mera
office-girl dos chiquérrimos papangus da nossa elite seringalista.

Seguirei o meu padrão para escrever sobre a atual crise financista-econômica internacional, que não só já chegou ao Brasil como afetou até a Cooperativa Agroextrativista de Castanhas de Xapuri (Caex), segundo matéria recente da TV estatal Aldeia.

Antes quero dizer aos que andam me chamando de radical, xiita e sei lá o que mais: sou radical, sim; o que não sou é dogmático. O radical, como justamente o oposto do dogmático, vê o mundo como ele é e busca respostas, soluções. O dogmatismo é a atitude de usar um par de viseiras para esconder a realidade, ou esconder-se dela.

Mas é compreensível que pensem assim. Todo o receituário (obituário) do modo de viver contemporâneo é repleto de dogmas: o dogma do lead, o dogma da imparcialidade jornalística, o dogma do equilíbrio das leis, o dogma do estado de direito, o dogma da independência dos Poderes etc. São as viseiras do dogmatismo nosso de cada dia que nos mantêm cegos para a realidade.

Nessa realidade pessoas são assassinadas, estupradas, violadas, marginalizadas, invadidas, despejadas, ofendidas, desrespeitadas etc. Esses crimes acontecem todos os dias, em todos os lugares, inclusive sob as nossas ventas.

Exemplifiquemos com a crise financeira internacional. Desde que ela eclodiu em meados de 2007 com os chamados créditos suprime, nos EUA, governos e instituições de vários países, inclusive os brasileiros, apressaram-se a dizer que tratava-se de um problema localizado e que o alcance do mesmo seria tão curto quanto a sua duração.

Eram viseiras. No mundo real a crise alastrou-se, saindo dos escritórios milionários de especulação financeira profissional para a economia real, fechando empresas, criando uma onda de desemprego em centenas de países e forçando os governos a usar bilhões de dólares - dinheiro público - para saldar dívidas especulativas.

A crise é radical.

O que nos resta, senão uma resposta radical?

Explico. De acordo com Gerald Celente, diretor do nova-iorquino
Trends Research Institute e um dos mais respeitados analistas econômicos dos EUA, o que nos aguarda é uma depressão global tão poderosa que tornará os EUA uma nação subdesenvolvida. A depressão global, diz ele, será ainda pior que a de 1929 e criará uma imensa onda de desemprego com ocupação de imóveis e conflitos nas ruas por... comida!

Clique aqui para saber mais. Se souber inglês clique também aqui (contém vídeos e mais entrevistas afins).

As declarações de Celente batem com as do Laboratoire Européen d'Anticipation Politique (LEAP), instituição de pesquisa econômica com sede na França e formada por economistas e outros cientistas de países da chamada "zona euro". Clique aqui para ver o último boletim e aqui para navegar, em espanhol, no site da instituição. No cenário do LEAP a depressão ficará tão grave que esses e outros cientistas, prevendo o colapso da economia global ainda em 2009, enviaram uma carta aberta aos presidentes do G-20 que reuniram-se nos Estados Unidos no início de novembro. Veja o conteúdo da missiva aqui.

Há duas alternativas, caro leitor: enfiar dogmaticamente a cara na areia, como fazem os avestruzes, ou partir para uma solução que garanta a distribuição da renda e a democratização das riquezas do nosso país.

Eu já fiz a minha escolha.

Quem preferir uma análise mais acadêmica e abrangente sobre o que raios está acontecendo e principalmente sobre "por-que-ninguém-fez-nada-antes" deve clicar
aqui.

Boa leitura e até breve!


A foto acima é de uma família desempregada vivendo em condições miseráveis em Elm Grove, Califórnia, Estados Unidos, na depressão de 1929. Fonte: Wikipedia.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

CIDADES MAIS POPULOSAS REGISTRAM MAIOR NÚMERO DE FAVELAS




Um terço dos municípios do país declararam ter favelas em seu território. Loteamentos irregulares são mais comuns nas regiões Sul e Sudeste.


A Pesquisa de Informações Municipais 2008, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nesta sexta-feira (12), revela que a incidência de favelas é maior em municípios mais populosos. Um terço das 5.564 cidades do país declararam a presença de favelas ou assemelhados em seu território. As Regiões Norte e Sul (com 41% dos municípios) apresentam as proporções mais elevadas, seguidas pelo Nordeste (32,7%), Sudeste (29,7%) e Centro-Oeste (19,5%).

Com relação à população, 27,7% dos municípios com até 50 mil habitantes declararam a existência de favelas em seu território, e esse índice passa a 70,8% dos municípios que têm entre 50 mil e 100 mil habitantes. Já entre os municípios de 100 mil a 500 mil habitantes, 84,7% têm favelas. Das 37 cidades com mais de 500 mil habitantes, apenas Cuiabá informou a inexistência de favelas.

Ainda de acordo com a pesquisa, o problema dos loteamentos irregulares ou clandestinos, que estão presentes em mais da metade dos municípios do país (53,2%), é mais incidente nas regiões Sul (62,4%) e Sudeste (59%), seguidas pelas regiões Norte (57,9%), Centro-Oeste (47,9%) e Nordeste (41,9%).

O levantamento constatou um crescimento no número de municípios com famílias cadastradas em programas habitacionais. Em 2001, 56,2% dos municípios declararam ter cadastros dessa demanda. Em 2008, esse índice subiu para mais de 80%.


Fonte: Portal G1

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Nota minha: O modelo de desenvolvimento econômico importado pelo Brasil dos EUA não só produz favelas, como precisa delas como mão-de-obra barata para as fábricas, supermercados e indústrias. Reduzidos à condição de coisa, desprovidos de sua autonomia, os trabalhadores lutam freneticamente por sub-salários, não importando a jornada de trabalho, o acúmulo de funções, o assédio moral e outras coisas que muitos acreanos já conhecem muito bem...

A desigualdade produz pobreza que produz favela que produz violência que produz insegurança que produz medo que produz neurose que produz desigualdade que produz pobreza que produz favela... e não é a polícia nem a distribuição de donativos que vai impedir esse ciclo vicioso (muito pelo contrário!).


A foto é do site da Prefeitura de Rio Branco e mostra uma enchente no bairro Taquari, uma das primeiras favelas de Rio Branco.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

A XENOFOBIA NOSSA DE CADA DIA

Deixem-me entender.

Em 11 de setembro passado houve uma tentativa de golpe civil na Bolívia, perpetrada pelos dirigentes de vários departamentos - equivalentes aos "estados" no Brasil - opositores ao presidente Evo Morales.

Em Pando, departamento fronteiriço com o Brasil pelo Acre, cerca de 18 pessoas foram assassinadas e o número de desaparecidos ainda hoje é incerto. Por isso ainda em setembro a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) enviou ao local uma comissão de investigação composta por advogados, antropólogos, peritos criminais, jornalistas e outros profissionais de várias áreas e de vários países.

A comissão visitou Cobija, Brasiléia e Epitaciolândia, conversou com os refugiados, com as famílias das vítimas e sobreviventes, visitou os locais de confronto, coletou provas materiais e depoimentos. Conclusão: houve mesmo uma tentativa de golpe (clique aqui para baixar o relatório final da Unasul).

Estupros, torturas, assassinatos a sangue frio, racismo, houve de tudo um pouco no terrível 11 de setembro boliviano, data que certamente ficará nas memórias de milhares de famílias camponesas e indígenas.

Mesmo assim - é o que estou tentando entender - por que os jornais acreanos excluem antecipadamente qualquer possibilidade de crime passional nos recentes ataques a refugiados pandinos em Brasiléia?

Qual é a base concreta da investigação jornalística que atribui a autoria dos ataques a "sicários financiados pelo governo Evo Morales", e descarta precipitadamente toda a probabilidade de meras tentativas de vingança por parte de famílias destroçadas?

Ou de auto-atentados (o que não seria novidade)? Ou de "queima de arquivo"?

Base nenhuma.

A única base concreta dessa argumentação é abstrata: a desconfiança do jornalista Alexandre Lima, cuja empresa jornalística tinha um contrato de mídia superfaturado com o governador Leopoldo Fernández (clique aqui e aqui para saber mais). É bom lembrar que a Justiça boliviana decretou a prisão preventiva de Amín Alejandro Farah Ferreira, que Alexandre diz ter sido o seu "procurador" na transação (cujo superfaturamento o jornalista nega). Estranhamente, Alexandre fez publicar várias matérias em jornais locais alegando que a ordem de prisão seria contra ele...

Como se vê, não é a primeira vez que os jornais locais caem nessa esparrela de achismos. Também não é a primeira vez que reproduzem textos mal apurados como se fossem jornalismo de primeira "catiguría", o que evidencia o jornalismo capenga que temos. Basta dizer, por exemplo, que o mesmo texto publicado no Alto Acre foi reproduzido no AC 24 Horas, na Agência Amazônia, no Notícias da Hora, no Folha do Acre, no Xapuri Agora, no jornal A Gazeta e outros.

O mesmo texto, o mesmo autor.

Investigação? Apuração? Desconfiômetro? Jornalismo? Dane-se! Viva o Ctrl + C, Ctrl + V...

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Em tempo: os presidentes dos 13 países-membros da Unasul vão se reunir no próximo dia 16 em Salvador (BA) para analisar o relatório sobre o massacre em Pando. Como desta vez o grande cliente dos jornais - o governo - será o anfitrião, e como interessa a este "sair bem na foto", vamos ver o que os jornais locais e nacionais dirão sobre os "sicários de Evo Morales"...

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

UNASUL: MASSACRE EM PANDO FOI ORDENADO E PATROCINADO PELO GOVERNO

O massacre em Pando, em 11 de setembro, foi organizado por uma rede de comando do governo departamental. Os crimes devem ser tratados como delitos comuns e ser processados na justiça ordinária, conclui o relatório final da Comissão Especial da União de Nações Sul-Americanas (Unasul).

“À luz dos fatos, a Comissão conclui que não se trata de delitos de função, conforme também a jurisprudência do Tribunal Constitucional da Bolívia. Com efeito, a função pública não consiste em atentar contra a vida e a integridade pessoal dos cidadãos. Os delitos dessa natureza não podem ser nunca delitos de função. Trata-se de delitos comuns que devem ser julgados pela justiça ordinária”, assinala a oitava conclusão do relatório.

Estas são algumas das 10 conclusões do relatório da Comissão Especial liderada pelo jurista argentino Rodolfo Mattarollo, encarregado de fazer a entrega na quarta-feira deste documento ao presidente Evo Morales no hall do Palácio Quemado.

Participaram da solenidade os membros da Comissão investigadora formada pelos países-membros da Unasul, autoridades nacionais, familiares de vítimas do massacre de Porvenir, setores da imprensa e outros.

O relatório também analisou os fatos sangrentos no último dia 11 de setembro no departamento boliviano de Pando. Concluiu que o massacre de camponeses foi premeditado e constitui, em suas palavras, um crime contra a humanidade.

Mattarollo esclareceu que o relatório foi assinado unanimemente, isto é, por todos os delegados que trabalharam nas investigações. Não houve divergências.

A Comissão Especial foi criada pela Declaración de La Moneda, de 15 de setembro passado, para investigar a tragédia ocorrida Pando, onde pelo menos 20 pessoas foram mortas e dezenas foram feridas e desaparecidas pelas mãos de de pistoleiros presumivelmente vinculados ao ex-prefeito departamental Leopoldo Fernández, preso na prisão de San Pedro de La Paz.

Depois de várias semanas de trabalho, que incluiu visitas ao lugar dos fatos, testemunhos e o parecer de peritos, a Comissão elaborou um relatório final com contém conclusões e recomendações ao presidente boliviano Evo Morales.

A Comissão Especial foi liderada pelo jurista Rodolfo Mattarollo e assessorada por Juan Gabriel Valdés e Luciano Fouillioux (Chile), Fermino Fechio (Brasil), Francisco Borja (Equador), Guido Toro (Peru), Carlos Pita (Uruguai), Freddy Gutiérrez (Venezuela), Fulvia Benavides (Colômbia) e Nicolás Gutman, Eduardo Zuain e Ciro Annichiarico (Argentina).


Fonte: Anncol/Brasil.


Para ler o relatório da Unasul na íntegra (em espanhol, formato PDF) clique aqui.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

COMO DESCUMPRIR A LEI E POSAR DE BONZINHO?

Basta morar no Acre, ser empresário e acionar o Forum de Desenvolvimento Sustentável do Acre (leia-se: Sua Majestade, Jorge Viana das Neves) quando seus intere$$es forem contrariados.

Confira aqui.

Nessas horas eu me pergunto: qual é a do PT? É compreensível que um governo popular crie alianças estratégicas para o desenvolvimento econômico, tecnológico e cultural de uma região. É próprio da estratégia programática desta sigla e até Lênin, nos primórdios da URSS, lançou mão de algo parecido na vigência da Nova Política Econômica (NEP).

No entanto, em nome disso tentar enquadrar um órgão público e a imprensa só porque ambos tiveram a audácia de localizar trabalhadores em situação análoga à de escravidão no "centro comercial" de Rio Branco (alguns com jornada de 14 horas diárias, sem intervalo para almoço), é no mínimo indecente!

É indecente que a DRT seja chamada às pressas para uma reunião com empresários para explicar por que os fiscais andam com escolta quando sabe-se muito bem da onipotência e da truculência de muitos que se dizem "empresários" no Acre - aliás, não é curioso esse medo da Polícia Federal por parte de alguns "líderes do setor produtivo acreano"? Por que será?

É indecente a tentativa de impedir a sociedade de tomar conhecimento da exploração dos seus filhos e filhas nesses pardieiros que os "líderes do setor produtivo" criam para sugar a última gota do sangue de quem precisa de algum salário pra sobreviver.

É indecente determinar que a comunicação de crimes cometidos por empresas sanguessugas por meio da imprensa corresponde a "ver os empresários como vilões", conforme as palavras do presidente da FIEAC, Francisco Salomão, numa clara tentativa de desviar o assunto e atribuir a irregularidade, elipticamente, à imprensa que nada fez senão jornalismo caseiro ao denunciar um crime contra a legislação trabalhista. Nem mais, nem menos.

Por fim, é mais indecente que tudo isso usar prestígio, influência e poder político contra a classe dos trabalhadores e a favor da classe de "empresários" cujo percentual de lucro se deve ao trabalho do povo. Um povo que, em troca de um salário mirrado e nem sempre em dia, detona incessantemente a sua saúde em empresas que vivem à margem da lei.

Esta é a verdadeira indecência, especialmente se considerarmos que a origem de toda a riqueza, todo o dinheiro, toda a renda, todos os lucros que tem qualquer empresa no Acre, no Brasil e no resto do mundo têm como origem o esforço diário dos trabalhadores - não dos patrões.


Os verdadeiros empresários são os trabalhadores, algo que está cientificamente provado: os trabalhadores não só produzem a riqueza de uma empresa, mas produzem - e mantêm - as próprias empresas! É por isso que, para se manter na confortável posição de parasitas do trabalho alheio, alguns empresários tentam enquadrar os trabalhadores, o governo, a lei e até os aplicadores da lei (vide postagem anterior)...

Isso pode mudar? Depende de nós - de quem quer mudanças.


A foto é da Assessoria de Imprensa da FIEAC.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

FAÇAM SUAS APOSTAS!

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Acostumado a conquistar favores de autoridades públicas por meio de matérias melosas de página inteira no jornal que montou às custas de dinheiro público (meu e seu), o empresário Eli Assem de Carvalho faz nova investida, agora desesperada, para tentar livrar-se de forma não-republicana do processo trabalhista que movi contra ele. Mas desta vez pode dar com os burros n'água. Duvido muito que a juíza Maria Cesarineide de Souza Lima, uma cientista da área jurídica, caia nessa.

Clique nas imagens. Para visualizar o teor completo da primeira imagem (um relatório de fiscalização da Delegacia Regional do Ministério do Trabalho e Emprego (DR-MTE), realizado em outubro do ano passado) clique aqui. Note que o meu nome sequer consta no relatório, embora eu trabalhasse lá desde 2003...

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

SINJAC DENUNCIA TV GAZETA

O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Acre (Sinjac) registrou manhã de hoje (27) uma denúncia no Ministério do Trabalho contra a TV Gazeta por descumprimento de acordo coletivo firmado há quatro anos.

O acordo referente ao auxílio universitário, no qual todas as emissoras de televisão e jornais impressos devem garantir o auxílio universitário de 50% do valor da mensalidade do curso de Jornalismo, deixou de ser cumprido pela TV Gazeta desde julho deste ano.

Segundo a cláusula 32ª do acordo, o descumprimento de qualquer das cláusulas constante na convenção coletiva implicará em multa de 17 salários mínimos. Com base na documentação, o sindicato busca por meios legais defender os direitos de todos os jornalistas que sejam contratados das empresas que participaram da assinatura do pacto.


Fonte: Sinjac

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Todos os anos, em abril e maio, a diretoria do Sinjac inicia uma série de reuniões com os donos das empresas de comunicação locais. O objetivo é aprovar a convenção coletiva anual, um documento que regulamenta vários direitos aprovados nas assembléias sindicais.

Isso, em tese.

Na prática as reuniões são invariavelmente conduzidas unicamente pelo presidente do sindicato, Marcão, e pelos proprietários que também invariavelmente relutam em subscrever o documento. Alguns nem mesmo subscrevem, como é o caso de Eli Assem de Carvalho, dono do jornal A Tribuna e da Rádio Alvorada, deixando os funcionários dessas empresas sem a cobertura de vários direitos.

Pode não parecer, mas a ausência dos demais jornalistas nessas reuniões deliberativas e a atitude infantil de alguns patrões estão ligadas: ambas são subprodutos da hiper-exploração dos profissionais de imprensa. Além de acumular vários cargos, a maioria tem uma jornada muito maior que a máxima legalmente permitida - hoje de 7 horas diárias - e de quebra ainda faz "bicos" em outras empresas.

Com essa jornada não é de espantar que ninguém compareça às assembléias. É óbvio. Se todas as necessidades individuais, inclusive a realização profissional, são satisfeitas sem a intermediação do sindicato, pra que participar de assembléias maçantes e nem sempre conclusivas?

Para ganhar efetividade, incluindo a participação nas reuniões de abril e maio, o Sinjac precisará reformular o exercício da profissão. Nesse sentido, uma questão histórica merece ser considerada.

Nos corredores e salas das empresas jornalísticas ainda ouve-se o velho paradigma de que "repórter é repórter 24 horas ao dia", como se o mesmo não se aplicasse a professores, médicos, sociólogos, enfim, a qualquer profissão, com o importante detalhe de que estes não usam tal argumento para justificar a sua própria exploração.

O mito do "repórter 24 horas", por si só, evidencia o fundamento histórico não só do jornalismo, mas de toda a economia acreana: o tradicional coronelismo de barranco, que usa a voz da própria autoridade como estratégia para manter escravizados seringueiros dentro de um modo de produção que em tudo beneficia apenas aos patrões.

O modo de produção dos nossos jornais é a reprodução histórica do modo de produção dos nossos seringais.

O jornalista acreano é um seringueiro pós-moderno.

Portanto, para ter efetividade na categoria o Sinjac precisará primeiro insurgir-se contra ela, no sentido de extingüir a herança cultural da hiper-exploração, que hoje é autojustificada, já que muitos jornalistas a defendem. Estes, porém, esquecem que seu dever e sua pavoneada "competência" não são apenas para a sua própria realização pessoal ou financeira. São primeiro para a vida social, a voz dos que não têm voz: o Contra-Poder.

Por isso, uma mudança real dessa situação não dependerá apenas de ações sindicais. É preciso que cada jornalista substitua pessoalmente o paradigma da hiper-exploração pelo de Quarto Poder, isto é, a consciência de que o jornalismo tem um dever prioritariamente social. Isso faz todo o sentido em um Estado cujo povo sempre foi excluído, manobrado e tão hiper-explorado quanto o próprio profissional de imprensa - que, aliás, exerce sua função em empresas construídas e mantidas às custas do dinheiro do contribuinte!

Assim, que tipo de jornalismo pode ser o mais responsável senão aquele que denuncia os crimes e exige a reparação de injustiças históricas? E, por outro lado, como exercer esse jornalismo socialmente engajado - uma vez que, como sabemos, a imparcialidade jornalística é um mito historicamente datado - se cada profissional estiver correndo atrás da sua "realização" isolado, divorciado do seu sindicato?

A luta de cada jornalista precisa se tornar a luta da sua categoria. Para isso, porém, cada jornalista terá que inverter a sua herança histórica e começar a cobiçar a liberdade coletiva.

E isso não se faz fora do sindicato.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

CORTADOR DE CANA APRESENTA SINTOMAS DE EXAUSTÃO E OUTRAS DOENÇAS

Por dia, trabalhador flexiona a coluna 3.994 vezes e faz o movimento para cortar outras 3.792, em pé ou curvado. Ministério Público do Trabalho de Campinas suspeita de morte causada pelo trabalho no canavial.


Estudo brasileiro apresentado durante o 30º Congresso Mundial de Medicina do Esporte observou que um cortador de cana, ao longo das 8h de sua jornada de trabalho, flexiona a coluna 3.994 vezes e faz o movimento de corte da cana outras 3.792. Além disso, na maior parte do tempo, o trabalhador permanece em pé (45%) ou curvado (43%).

“Observou-se que o cortador de cana de açúcar apresenta sintomas de exaustão e outras enfermidades causadas pela dificuldade de execução do seu trabalho”, destaca o pôster da pesquisa conduzida por Erivelton Fontana de Laat, da Universidade Estadual do Centro-Oeste (Irati, Paraná), e Rodolfo Andrade de Gouveia Vilela, da Universidade Metodista de Piracicaba (São Paulo).

De acordo com o texto, desde 2004, o Ministério Público do Trabalho da cidade de Campinas (SP) suspeita que o falecimento de 13 trabalhadores naquele ano tem relação com as condições de trabalho. “Além do fato de que podem ter levado à morte por exaustão, tais condições são baseadas em um sistema de pagamento por produção, sem descanso, o que pode agravar o risco de acidente e de fadiga prematura”, dizem os pesquisadores.

O estudo foi realizado com base na gravação em vídeo com uma câmera digital da jornada de trabalho de um cortador de cana. Feito isso, os pesquisadores registraram e calcularam todos os movimentos feitos por ele ao longo desse período, utilizando categorias como: “abraçar”, “corte”, “jogar”, “andar”, “balançar”, “parar”, “em pé”, entre outros.

Os autores pontuam que, no Brasil, o corte da cana de açúcar é feito manualmente e realizado sob altas temperaturas, com roupa pesada e uma jornada de 8 horas diárias.

"Estes resultados servem de alerta aos responsáveis pela organização do trabalho e da produção, principalmente levando-se em consideração os efeitos que tais atividades intensificadas pelo pagamento por produção têm causado à saúde dos trabalhadores”" concluem Erivelton Laat e Rodolfo Vilela, lembrando que os trabalhadores das plantações de cana, muitas vezes, recebem por quantidade de cana cortada.


Fonte: Agência Notisa de Jornalismo Científico


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Enquanto isso, no Acre, o partido "dos trabalhadores" jacta-se de aplicar dinheiro público - R$ 2,7 milhões, para ser mais exato - para que empresas privadas explorem o "mercado potencial do etanol brasileiro". É esse o "desenvolvimento sustentável" que vamos ter?

Se for, vale lembrar que isso nada tem de "desenvolvimento" e muito menos de "sustentável". Trata-se do velho modelo de concentração de renda às custas do esforço e da saúde de uma massa de trabalhadores sub-assalariados, agora com um verniz pseudo-ambiental (no caso da Alcoolverde, nem isso!)

Nesse modelo a geração de riquezas é social, mas a apropriação é privada, destinada à especulação financeira ou ao bem-estar pessoal de uma casta minúscula de proprietários. A esperada qualidade de vida que deveria garantir a cada trabalhador um trabalho prazeroso e produtivo simplesmente não ocorre, pois o produto do trabalho é destinado ao enriquecimento de terceiros!

Esse modelo é excludente, pois concentra renda na medida em que explora os trabalhadores que a produzem. Não é por outro motivo que todas - TODAS - as capitais brasileiras, e também estrangeiras, têm enormes bolsões de miséria em torno de seus centros comerciais. Trata-se de uma relação de dependência e exclusão, na qual o penalizado é o trabalhador e sua família!

Esse modelo de desenvolvimento é desnecessário. É uma sustentabilidade que não se sustenta nos próprios pés...

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

OS DEMÔNIOS DESCEM DO NORTE

Os movimentos autônomos de cunho religioso, notadamente os de cunho pentecostal e neopentecostal surgidos nos EUA desde meados do século XIX até a atualidade, são subprodutos de um capitalismo que necessitava de uma base ideológica para se sustentar em seus desatinos de exploração e criação de subsistemas para alimentar os mecanismos de dominação ideológica e manutenção de poderes da matriz do grande capital - os Estados Unidos.

Na década de 70 praticamente todos os paises da América Latina estavam sob o domínio de sanguinárias ditaduras militares, cuja ideologia de cunho fascista era a resposta política à ameaça da Revolução Cubana que pretendia se expandir para outros países do subcontinente.

Era o tempo da Teologia da Libertação, que, com seu viés ideológico de matriz marxista, contribuiu de forma efetiva para a organização dos trabalhadores e dos camponeses em sindicatos e movimentos agrários que restaram depois na criação do PT e do Movimento dos Sem-Terra (MST).

A ação dessas alas da Igreja Católica era uma ameaça aos planos dos militares voltados para a manutenção dos interesses americanos no Brasil, seguindo a ideologia do capitalismo americano, intervencionista e excludente, que pretendia manter o subcontinente longe das ameaças de Fidel Castro e de sua luta de comunização da América Latina.

Entra em cena a CIA e a facilitação da implantação das seitas eletrônicas americanas em terras latino americanas como uma reação ao “perigo” que representava a Teologia da Libertação e a organização popular que os padres e bispos que seguiam esse movimento teológico promoviam, por meio das CEBs, do sindicalismo e da organização dos trabalhadores rurais.

A resposta americana foi a facilitação e mesmo o financiamento das seitas evangélicas copiadas do modelo americano, forjados pelos pastores eletrônicos que além de manterem multidões alienadas propagavam a ideologia do ocidente cristão contra o demônio do comunismo soviético.

Isso caiu como uma luva nos interesses dos generais brasileiros e vemos aí a expansão das seitas como Igreja Universal do Reino de Deus, Igreja Quadrangular, Renascer em Cristo e outras seitas, nitidamente cópias das similares americanas que buscavam o enriquecimento de seus líderes e a desarticulação de toda a organização popular trazida pela Teologia da Libertação.

Porém, da Teologia da Libertação nasceram o PT (o antigo, ideológico, não-fisiologista), os movimentos camponeses de luta pela terra, as pastorais como a da Criança e várias outras organizações populares que acabaram por derrotar os generais e implantar o Estado de Direito no Brasil. Enquanto as seitas, livres da “missão” de ser freio à expansão “comunista”, enveredaram pelo caminho da corrupção de suas lideranças e pelo enriquecimento ilícito e estelionatário de seus lideres mais famosos.

Portanto, é fácil entender a expansão dessas e de outras seitas evangélicas neopentecostais no Brasil, é fácil perceber que de Deus isso tem muito pouco e tem muito de reprodução do pior do capitalismo, aquele que só sobrevive da exploração financeira das pessoas em detrimento do enriquecimento de uma classe dominante que aqui podemos chamar a Burguesia dos Pastores Eletrônicos às custas da classe operária evangélica, tão ironicamente chamada nessas mesmas igrejas de “obreiros” e “fiéis”.

Você se percebe nesta trama?

Para quem quiser saber mais sobre essa análise conjuntural eu recomendo um livro muito interessante com o título: "Os demônios descem do norte" (foto), adaptação da Tese de Doutorado em Sociologia de Delcio Monteiro de Lima.


Fonte: Blog Papo Cabeça/Santarém

Para baixar o livro (em formato .doc) clique aqui.

Para comprar o livro clique aqui, aqui ou aqui.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

LIBERDADE DE IMPRENSA

A imprensa livre que é má não corresponde à essência do seu caráter. A imprensa censurada, com sua hipocrisia, sua falta de caráter, sua linguagem de eunuco, seu rabo de cachorro constantemente em movimento, personifica somente as íntimas condições da sua existência.
(...)
A imprensa censurada é que produz um efeito desmoralizador. O vício da hipocrisia é inseparável dela e, além disso, é desse vício que surgem todos os seus outros defeitos, pois inclusive sua capacidade de virtude básica perde-se através do revoltante vício da passividade, mesmo se visto esteticamente. O governo ouve somente sua própria voz; sabe que ouve somente a sua voz; entretanto, tenta convencer-se de que ouve a voz do povo, e exige a mesma coisa do povo. O povo, portanto, cai parcialmente numa superstição política, parcialmente na heregia política, ou isola-se totalmente da vida política, tornando-se uma multidão privada.

Na medida em que a imprensa elogia diariamente as criações da vontade do governo, na medida em que o próprio Deus manifestou-se da seguinte forma sobre a sua criação, no sexto dia: "Verdadeiramente, foi muito bom", na medida em que um dia necessariamente contradiz o outro, a imprensa mente constantemente e deve rejeitar a consciência de que mente, escondendo assim sua própria vergonha.

Na medida em que as pessoas são obrigadas a considerar ilegais os artigos livres, acostumam-se a considerar o ilegal como livre, a liberdade como ilegal, e o legal como o não-livre. Por isso, a censura mata o espírito político. - MARX, Karl. Debates sobre a liberdade de imprensa e comunicação. In: Liberdade de Imprensa, L&PM, 2006.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

INCOMPREENSÍVEL VIOLÊNCIA...

Não gosto de usar esse espaço para atacar colegas de profissão, pois sei dos interesses que se coadunam por trás das atitudes, declarações, omissões e merchandisings dos colegas jornalistas. Interesses que têm a salvaguarda de um imenso aparato jurídico-político e que para atingir os seus objetivos instrumentalizam um irresistível poder de coerção, exclusão e opressão.

Entretanto, não consigo entender o motivo dessa conjuntura - claramente violenta para a nossa categoria - não criar em muitos jornalistas uma atitude empática, ou pelo menos crítica, no trato com o tema da violência no restante da sociedade.

Todos os dias nossas TVs, jornais e rádios noticiam roubos, furtos, estupros, assassinatos e outros crimes, mas o tom adotado nessas narrativas é sempre o mesmo: o de uma incompreensível nuvem de violência que está a nublar o céu da felicidade acreana.

Desde Durkheim sabe-se que o crime é um fato social, isto é, um fenômeno que se organiza em determinada correlação de forças dentro da sociedade. Trata-se de uma conseqüência, não de uma causa. Trata-se também de uma questão lógica: se vivemos em sociedade e temos direitos e deveres, o que acontece quando os deveres exigem a perda de direitos?

A resposta é: o crime. No exemplo da violência para com o jornalista, exercida dentro das redações pela impostura de linhas editoriais, manuais normativos e todo tipo de censura prévia ou póstuma contribuem para a transição do jornalismo do papel de Contra-Poder (o poder do povo) para o papel de mero papagaio dos demais poderes.

Isso é um crime? Sim, é um duplo crime: contra a ética jornalística e contra a ética humana.

É crime contra a ética jornalística porque substitui o conteúdo pela forma, a essência pela aparência, a crítica pela narrativa e a própria ética pela estética! E crime contra a ética humana porque, longe de abstrair de si todos os valores de crítica engajada, socialmente referendada, utiliza esses princípios para comercializar prestígio político e interesses financeiros - estranhos ao profissional jornalista!

A imprensa acreana, portanto, reproduz em sua existência íntima os princípios elementares da violência e do crime de cuja profusão tanto se espanta nas esquinas, bares, lares e bairros de Rio Branco. Pior: a imprensa ignora não só a sua existência enquanto resultado de uma tradição política e empresarial corrupta, como a existência social enquanto resultado de ondas sucessivas de exploração, exclusão e produção da miséria ao longo de décadas.

Se a exploração íntima da imprensa está ligada aos poderes que a alimentam, a exploração social, de onde brota o crime que vira notícia, é a ação histórica e viva desses poderes.

Assim, para iniciar o exame da violência que reproduz diariamente a imprensa teria que produzir inicialmente o exame da sua própria origem. A origem da imprensa e a origem da violência são a mesma coisa, pois estão ligadas pela história da mesma forma que o crime se manifesta na sociedade em que se desenvolve.

Ou podemos esquecer que a miséria e a carnificina deram origem ao Acre?

Como esquecer o violento processo de formação e "independência" do que hoje se chama povo acreano? Como esquecer que o governo transladou para a floresta, sem direito a retorno, 75 mil nordestinos para abastecer de borracha a máquina bélica dos EUA na 2ª Grande Guerra? Como esquecer os empates, genocídios e fugas de famílias que deram origem a 99% dos bairros de Rio Branco?

A violência é o que nos designa como sociedade. Está em nossa gênese. O crime nunca foi exceção, foi a regra que formulou todas as fortunas acreanas ao custo de uma miséria minuciosa e sistematicamente amordaçada, silenciada e marginalizada pelos mesmos esquemas de poderes dos quais a imprensa é porta-voz!

Para que alguns empresários pudessem arrotar caviar nos hotéis de seis estrelas de Dubai, nos Emirados Árabes, foi necessário que a maior parte da sociedade sangrasse.

Assim, como não compreender a explosão da violência em nosso Acre?

E finalmente, meus amigos, por que não lutar contra ela?

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

DIAGNÓSTICO INÚTIL, O PACIENTE ESTÁ MORTO

Clinicamente morto. Nosso paciente é a mídia (conjunto de meios de comunicação), a intermediária entre sociedade e realidade.

Enquanto a realidade muda com velocidade cada vez maior, a sociedade brasileira oferece claros indícios de entorpecimento. Não se surpreende, não enxerga o insólito, não se importa, não se indigna nem se deixa convocar para coisa alguma. Só se mexe movida por lances passionais, condicionada há décadas pela estrutura narrativa dos folhetins televisivos.

Nossa mídia não discute a mídia e, com isto, descumpre sua obrigação maior de servir à sociedade porque a discussão sobre a mídia é essencial para definir os seus padrões de discernimento.


Texto de Alberto Dines. Continue lendo no Observatório da Imprensa.

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Postei esse texto em homenagem ao excelente repórter fotográfico e meu amigo Marcos Vicentti, presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Acre (Sinjac), que em entrevista ao também repórter Jorge Henrique, exibida ontem pela TV Aldeia, afirmou não saber o motivo do jornalismo acreano não ter um "diferencial".

Marcão, a imprensa não tem diferencial porque também perdeu o eixo... e não foi só no Acre!

terça-feira, 18 de novembro de 2008

DINHEIRO É DÍVIDA



Quem cria o dinheiro? A resposta está acima, no ótimo filme Diñero es Deuda, de Paul Grignon. Com 47 minutos, o filme está dublado e legendado em espanhol.


Quem preferir pode fazer o download (no formato .mp4) e assistir depois no computador. Basta clicar aqui e, no painel à direita da janela que se abrirá, clicar em Download video - iPod/PSP.

Acreditem, a explicação academicamente correta está muito, mas muito distante, das pérolas que os "comentaristas econômicos" muito bem-pagos soltam nos canais de TV (também muito bem-pagos, diga-se de passagem...).

Quem quiser se aprofundar no tema - a origem do dinheiro - pode ler também:

- O banco central dos EUA: O templo e os seus segredos sujos

- Custos, malfeitorias e perigos do dólar

- Segredos do dinheiro, dos juros e da inflação

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

UMA PROPOSTA PARA O SINJAC

Martim Martiniano, um dos acusados de envolvimento no assassinato do médico Abib Cury, concedeu uma entrevista coletiva aos jornalistas de Rio Branco. Novamente nem os repórteres nem o próprio acusado usaram a expressão "Estado Maior" para designar o grupo de empresários que teria encomendado o assassinato.

Entretanto, de acordo com o Ministério Público Estadual (MPE) e segundo o que o próprio Martiniano deu a entender, há mais empresários envolvidos e que devem ser presos. Por isso dou aqui uma sugestão ao Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Acre (Sinjac): a ocupação, pelos funcionários, das empresas jornalísticas cujos proprietários estejam envolvidos no crime.

Se é um crime contra o cidadão e a democracia a criação de uma empresa privada com dinheiro do contribuinte, o que podemos dizer da sua manutenção às custas de execuções sumárias?

Tomar as empresas envolvidas é o mínimo que os trabalhadores podem e devem fazer, dada a origem de praticamente todos os jornais acreanos. Além disso, não é preciso lembrar que todos os jornais, indistintamente, se mantêm também com dinheiro público!


Ocupar as empresas e administrá-las coletivamente, como categoria, é a única forma de devolver ao povo acreano ao menos parte do investimento público milionário que legal ou ilegalmente é feito há vários governos. É dever do Sinjac legalizar esse investimento público, mantendo-o e prestando contas para a sociedade. Isso é o mínimo que profissionais de imprensa podem fazer pela combalida ética - política e profissional.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

IGNACY SACHS PROPÕE "OUTRA AMAZÔNIA"

O pesquisador fará conferência aberta ao público segunda-feira (17/11), em São Paulo. Para ele, floresta pode ser um grande laboratório da civilização pós-petróleo; mas para impedir a devastação é preciso passar da denúncia às alternativas.

A banca de debatedores inclui MST, Greenpeace, Ladislau Dowbor e empresários.



Leia mais no Diplô Brasil.

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Fico imaginando o que Sachs, um dos primeiros a utilizar a expressão "desenvolvimento sustentável" como novo paradigma de civilização - ou bio-civilização, como afirma o texto do Diplô -, pensaria da prospecção de petróleo e do cultivo de cana-de-açúcar na "terra-de-galvez-e-chico-mendes".

Não por acaso, movimentos sociais camponeses e vários trabalhos acadêmicos vêm denunciando esse "desenvolvimento" como um redondíssimo equívoco de cientistas bem-intencionados e instituições multilaterais de financiamento profundamente - digamos - tensionadas pelos governos e empresários que as mantêm.

Também não por acaso, o Programa de Desenvolvimento Sustentável (PDS) do Acre, em curso desde 1999, é financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). O mesmo banco que na Ditadura Militar emprestou dinheiro aos generais para estimular a ocupação do "vazio demográfico" da Amazônia. O resultado foi o modelo de desenvolvimento que gerou os empates, o assassinato de camponeses e indígenas e a criação de bolsões de miséria nas cidades.


Clique
aqui para conferir uma dissertação de Mestrado sobre o afamado PDS/AC. O texto é de João Veras de Souza e foi apresentado ao Mestrado em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), sob orientação do Prof. Dr. Rogério Portanova, neste ano.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

QUEM É O "ESTADO-MAIOR"?



A prisão de Martini Martiniano está repercutindo no Acre não exatamente pelo que revela, mas pelo que omite. A existência de um grupo de extermínio incrustado nas altas esferas da sociedade acreana, criado e mantido para eliminar fisicamente qualquer resistência ao seu processo de acumulação primitiva, contraria integralmente o discurso pseudo-civilizatório adotado pelo petismo acreano.

Quem não lembra dos arroubos jorge-vianistas sobre o fim do Esquadrão da Morte e do crime organizado no Acre? Quem não lembra das reportagens imensas, melosas, que trombeteavam o encarceramento do crime organizado e com ele do "passado recente do Acre", esse alegado espinho na carne cuja simples menção a tantos desagrada?

Talvez por isso, mas não somente, a existência de um grupo de empresários com o mesmo modus operandi do antigo Esquadrão da Morte tenha sumido da imprensa local.

A expressão Estado-Maior, nome da suposta organização criminosa montada por empresários - e que seria a verdadeira interessada no assassinato do médico Abib Cury - desapareceu misteriosamente de todos os jornais, agências de notícias e blogs acreanos logo após ter sido mencionada com a prisão do empresário Luiz Figueiredo, ex-presidente da influente Associação Comercial do Acre (Acisa).

Medo? Rabo preso? Mau jornalismo?

Não há como responder. O jornalismo acreano atual é um baú de segredos inconfessáveis. Segredos de alcova, a ponto de levar alguns jornalistas, pressionados entre o dever de informar e o risco de morte, a optar pelo silêncio. É o caso de Roberto Vaz, por exemplo, e vários outros que preferem as brumas do anonimato de assessorias de imprensa.

Já escrevi uma vez aqui e vou repetir: essas relações de produção inviabilizam o trabalho jornalístico. A origem obscura de praticamente todas as empresas de comunicação do Acre, que criaram e determinam essas relações (das quais também se alimentam) só será denunciada, esclarecida e superada quando todos os repórteres e demais trabalhadores de imprensa resolverem superá-la como categoria.

São os profissionais de jornalismo que movimentam as empresas. É o trabalho deles que se submete a péssimas condições de existência, por um lado, e por outro mantém inamovível o atual estado de bovinização do leitor, telespectador e ouvinte em benefício do status quo dos patrões (o que faz todo o sentido diante do silêncio abrupto em torno do "Estado Maior").

Não é à toa que a maioria das empresas de comunicação do Acre conviva com sérias - ainda que surdas e mudas - denúncias de assédio moral ou sexual. Uma vez que a indignidade e a passividade com a própria exploração se estabelecem como normas aparentemente inescapáveis, escancara-se a porta para todos os demais abusos.

A imprensa acreana precisa ser livre, mas essa liberdade não virá como um presente. Ela terá que ser conquistada, exatamente como foram todas as liberdades ao longo da História, inclusive a liberdade de imprensa.

Toda a infra-estrutura das empresas de comunicação, seus equipamentos, seu status, seu patrimônio líquido e bruto, seus investimentos, sua folha de pagamento, seu prestígio, sua influência política, sua "linha editorial" e tudo o mais que lhes possa designar, só é possível pela venda da força de trabalho do jornalista. É pelo esforço diário do repórter e demais trabalhadores em comunicação que todas as empresas se mantêm funcionais.

Os patrões são pouco mais que parasitas: seres que se apropriam dessa força de trabalho para, dizem, "investir": em casas, carros, chácaras, iates, bebedeiras e coisas que o valham.

Portanto, nada mais justo que os profissionais associados expulsem os parasitas e ocupem as fábricas de notícias que mantêm e enriquecem com o seu suor diário. Esta será, em suma, a independência do jornalismo e dos jornalistas do Acre.

Somente uma imprensa livre, formada por trabalhadores de imprensa associados e sem patrões, trataria de investigar a fundo e denunciar quem é o tal Estado Maior - este ser bizarro que desapareceu tão rapidamente quando apareceu nas páginas dos nossos jornais.

Somente uma imprensa livre voltaria a ser, na acepção mais clara e limpa do termo, um Contra-Poder.


O infográfico é da agência virtual ac24horas. Clique aqui e aqui para conferir as matérias que abordam, timidamente, o envolvimento do grupo de empresários no assassinato de Abib Cury.