domingo, 9 de junho de 2013

ENREDO ENFADONHO


1982. Nabor Junior (PMDB) vencia as eleições em um frêmito popular por mudança, ordem, progresso. A democracia vencera a ditadura, os homens maus ficaram no passado. A ordem republicana exigia repelir o partido que representou o regime de exceção, o PDS, e nessa nobilíssima causa uniram-se jornalistas, movimentos sociais, partidos. A opinião pública. Os homens de bem. Viva a democracia. Viva.

Os jornais se mancomunam. Intelectuais, de esquina ou de gabinete, são uníssonos. Estamos no rumo certo.

1990. O PMDB, tão inescrupulosamente corrupto quanto qualquer general de óculos escuros da idade média brazuca, é apeado do poder. Lacaios mudam de lado, gritos indignados por renovação lotam as páginas dos jornais. Intelectuais intelectualizam. Notícias alardeiam "caos social", a "onda de violência" oriunda, supostamente, "da fraqueza das instituições". Contra isso, precisamos nos desenvolver, nos civilizar. Onde estão os homens bons? E agora, quem poderá nos defender?

Fora Nabor, é o grito dos indignados. A marcha dos homens de bem. A opinião pública. Os intelectuais.

Dá-se o milagre em 91: o PDS volta, triunfante, conduzido pelo destemido e jovial Edmundo Pinto de Almeida Neto. Hay gobierno, finalmente! Não guardamos mágoa de 64. Somos democráticos! Sejamos, também, civilizados. Conquistemos o nosso lugar na grande pátria brasileira.

1998. Edmundo posto, Edmundo morto. Romildo. Orleir. Oh, ilusão! Oh, mentirosos, canalhas, vigaristas! Não nos merecem. São maus. Como O-U-S-A-M nos negar o direito sagrado ao desenvolvimento? Por que nos roubam, se precisamos sair do atraso, das sombras da civilização? Precisamos de obras e seus milhares de empregos. De avenidas largas e seus engarrafamentos. De shoppings e sua teatralidade consumista.

Intelectuais.

A corrupção não nos representa porque é má. Não nos representa porque não pode nos tirar do atraso.

Precisamos ser outros, pois, não suportamos ser nós mesmos. Queremos "causar", mas, para isso, precisamos crescer, nos desenvolver. Pois não se vive na Amazônia sem progresso. Sem progresso somos seres sombrios, acocorados, sem auto-estima. Sem história.

Queremos ser, ao custo de varrer do mapa a última floresta do planeta, europeus nos trópicos. Não é para isso que nos preparam as escolas?

Multiplicam-se as ladainhas nos jornais, os panfletos nas ruas. Quem vencerá o dragão do atraso amazônico e nos civilizará? Quem nos transformará?

1999. Salve, Jorge! Rufam novamente os tambores. Desenvolvimento sustentável, florestania, resgate da auto-estima acreana. Palavras doces. Estamos salvos. Agora é diferente. Agora há uma frente "democrático-progressista" no poder.

Marx se revira no túmulo: "Ué, que porra é essa?", mas ninguém ouve.

Preferem escrever. E como escrevem! Rios de tinta, quilômetros de fotografias. Jorge almoçando, Jorge no aeroporto, Jorge com FHC, Jorge no seringal, Jorge com os índios, Jorge em campanha... e surgem os blogs: Jorge não é honesto, cuidado com o Jorge, Jorge não licitou, Jorge descumpriu dois incisos da constituição... e a crítica da eficiência, a busca pela qualidade total, dá ao homem o segundo mandato e também  um terceiro, que ele transfere para o amigo Binho Marques.

Mas, oh, será que o povo foi traído novamente? Denúncias se proliferam, boatos se propagam, postagens se multiplicam: fulano viu desembargador recebendo sacola de dinheiro na garagem do empresário, sicrano jura que não sei que assessor ecologista virou pecuarista milionário...

Descendentes direitos de Jean-Paul Marat, defensores da verdadeira política, da honestidade, dos valores cristãos, da produção e distribuição de riquezas, da força das instituições, revigoram-se. Não toleram corruptos se passando por santos. Querem os santos verdadeiros.

Salvem-nos de Jorge! Salvem-nos de Sebastião!

2013. Abrem-se as portas do inferno. Dele, virão novos heróis. Todos, orando, clamam por um novo general. Um novo pai. Um novo líder. Qualquer um, desde que finalmente nos insira na ordem mundial antes do próprio bolso. Que nos mude para sempre. Amém.

Que enredo enfadonho...

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