quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

A TRAGÉDIA COMO HISTÓRIA

Finalmente começo a compreender a concepção da esquerda local sobre a política de conciliação de classes e os pesados investimentos em propaganda e marketing para criar uma identidade acreana (esforço curioso, considerando a nossa tradição caudilhista, coronelista e elitista).

Percebi, ao deixar esse blog propositalmente sem atualização no artigo sobre o socialismo - e aguardar os comentários -, que o que se busca no Acre é tão-somente o desenvolvimento das instituições. É a profissionalização da política no marco de uma democracia representativa.

Em que isso vai implicar?

Implicará na legitimação popular de uma classe de dirigentes partidariamente hegemônica, cuja fonte de autoridade será um conjunto de valores individuais: compromisso, capacidade, eficácia, ética, carisma etc. Entre o povo se tentará criar, por decreto, um "civismo acreano” com tradições, exotismos, folclores... uma identidade cultural.

Não sei qual é a intenção desse experimento (vamos chamar assim), mas aos poucos começo a ter medo dele. Historicamente tais atitudes só foram tomadas em contextos de extrema direita. O nazismo fez isso. O fascismo também. No Brasil o integralismo e a ditadura utilizaram essa estética dual (poder institucional X base social) como mecanismo para amortizar a luta de classes no inconsciente coletivo.

Todos esses regimes tiveram uma característica fundamental: um imenso respaldo popular.

Talvez o transcurso dessa trajetória seja inconsciente. Talvez seja a única possível, dada a necessária correlação de forças para derrotar a velha direitona corrupta e criar um ambiente político hegemônico com um partido proletário, revolucionário e de massas. Conversando com amigos do PT eu tive realmente a impressão de que essa tática é mesmo inescapável, a despeito de todos os seus riscos.

Mas não consigo deixar de assombrar-me com ela...

O PT, ou as alas à esquerda dentro do PT, precisam lidar com a possibilidade da sua experiência institucional estar criando um frankenstein político, mesmo que a correlação de forças exija uma estratégia parecida.

As autoridades petistas precisam entender que o campo da política é o campo da construção coletiva, da discussão ampla, e não o espaço do “político especialista” ou do “gestor profissional” competente, como alguns se gabam e babam nas entrevistas à nossa imprensa. A razão é óbvia: a Política não pertence a uma casta de iluminados salvadores da pátria, descobridores da roda, gênios da lâmpada. É um bem coletivo. É o espaço onde o povo deve deliberar e decidir como um todo orgânico, pois os temas tratados atingem a vida de todos.

Não se trata de um capricho teórico. Sendo a política o espaço coletivo e da deliberação, das decisões tomadas de forma orgânica, cria-se uma estética oposta ao espaço da especialização política, da vida privada, da representatividade democrática. Isso impede que o poder deliberativo da sociedade seja confinado nas ações de meia dúzia de representantes iluminados - os especialistas em conduzir rebanhos...

É por isso que, quando se trata de política, o espaço da contestação deve ser não só tolerável, mas principalmente recomendável, necessário. A idéia é que não se contestam pessoas; contesta-se um sistema, sua forma, seu funcionamento, sua condução, pois afinal todos vivem nele. Sem essa percepção a res publica inexiste.

Se a democracia representativa, justamente por ser representativa, já fere de morte esse conceito, a objeção que afirma que não se deve contestar os "especialistas" da política é por si só antidemocrática e totalitária, além de revelar toda a sua coerência com a nossa herança histórica: fazer isso corresponde a tentar calar na marra as dissidências em nome de um purismo institucional que não existe - e que mesmo assim vem sendo sistematicamente apregoado e aplicado como norma desde Luis Galvez, passando por Plácido de Castro, pelas burguesias seringalista e pecuária, além dos velhos caciques do PDS e MDB até o moderno "desenvolvimento sustentável".

Diferente das premissas da igrejinha pós-modernista tão em voga atualmente, a governabilidade coletiva nada tem a ver com a “virtude dos pobres” de que fala Bertrand Russell, mas com a construção de um novo “espírito político” socialmente amplo e complexo: uma nova estética política para os tempos bicudos que se aproximam. A governabilidade coletiva é a única que, por ser realmente democrática e não ser representativa (antidemocrática), pode dar respostas satisfatórias aos novos desafios. É com ela que se pode viver e semear a justiça, não com experiências institucionais potencialmente nazistas.


A foto mostra o comparecimento popular a um comício de Hitler na cidade alemã de Nuremberg, em 1934.

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