quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

A XENOFOBIA NOSSA DE CADA DIA

Deixem-me entender.

Em 11 de setembro passado houve uma tentativa de golpe civil na Bolívia, perpetrada pelos dirigentes de vários departamentos - equivalentes aos "estados" no Brasil - opositores ao presidente Evo Morales.

Em Pando, departamento fronteiriço com o Brasil pelo Acre, cerca de 18 pessoas foram assassinadas e o número de desaparecidos ainda hoje é incerto. Por isso ainda em setembro a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) enviou ao local uma comissão de investigação composta por advogados, antropólogos, peritos criminais, jornalistas e outros profissionais de várias áreas e de vários países.

A comissão visitou Cobija, Brasiléia e Epitaciolândia, conversou com os refugiados, com as famílias das vítimas e sobreviventes, visitou os locais de confronto, coletou provas materiais e depoimentos. Conclusão: houve mesmo uma tentativa de golpe (clique aqui para baixar o relatório final da Unasul).

Estupros, torturas, assassinatos a sangue frio, racismo, houve de tudo um pouco no terrível 11 de setembro boliviano, data que certamente ficará nas memórias de milhares de famílias camponesas e indígenas.

Mesmo assim - é o que estou tentando entender - por que os jornais acreanos excluem antecipadamente qualquer possibilidade de crime passional nos recentes ataques a refugiados pandinos em Brasiléia?

Qual é a base concreta da investigação jornalística que atribui a autoria dos ataques a "sicários financiados pelo governo Evo Morales", e descarta precipitadamente toda a probabilidade de meras tentativas de vingança por parte de famílias destroçadas?

Ou de auto-atentados (o que não seria novidade)? Ou de "queima de arquivo"?

Base nenhuma.

A única base concreta dessa argumentação é abstrata: a desconfiança do jornalista Alexandre Lima, cuja empresa jornalística tinha um contrato de mídia superfaturado com o governador Leopoldo Fernández (clique aqui e aqui para saber mais). É bom lembrar que a Justiça boliviana decretou a prisão preventiva de Amín Alejandro Farah Ferreira, que Alexandre diz ter sido o seu "procurador" na transação (cujo superfaturamento o jornalista nega). Estranhamente, Alexandre fez publicar várias matérias em jornais locais alegando que a ordem de prisão seria contra ele...

Como se vê, não é a primeira vez que os jornais locais caem nessa esparrela de achismos. Também não é a primeira vez que reproduzem textos mal apurados como se fossem jornalismo de primeira "catiguría", o que evidencia o jornalismo capenga que temos. Basta dizer, por exemplo, que o mesmo texto publicado no Alto Acre foi reproduzido no AC 24 Horas, na Agência Amazônia, no Notícias da Hora, no Folha do Acre, no Xapuri Agora, no jornal A Gazeta e outros.

O mesmo texto, o mesmo autor.

Investigação? Apuração? Desconfiômetro? Jornalismo? Dane-se! Viva o Ctrl + C, Ctrl + V...

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Em tempo: os presidentes dos 13 países-membros da Unasul vão se reunir no próximo dia 16 em Salvador (BA) para analisar o relatório sobre o massacre em Pando. Como desta vez o grande cliente dos jornais - o governo - será o anfitrião, e como interessa a este "sair bem na foto", vamos ver o que os jornais locais e nacionais dirão sobre os "sicários de Evo Morales"...

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