quarta-feira, 30 de junho de 2010

GRAMÁTICA E PODER

Por: Monteiro Lobato, 1922.


- Pilhei a senhora num erro! - gritou Narizinho. A senhora disse: "deixe estar que já te curo!" Começou com Você e acabou com o Tu, coisa que os gramáticos não admitem. O "te" é do "Tu", não é do "Você"...

- E como queria que eu dissesse, minha filha?

- Para estar bem com a gramática, a senhora devia dizer: "Deixa estar que eu já te curo."

- Muito bem. Gramaticalmente é assim, mas na prática não é. Quando falamos naturalmente, o que nos sai da boca é ora o você, ora o tu - e as frases ficam muito mais jeitozinhas quando há essa combinação do você e do tu. Não acha?

- Acho, sim, vovó, e é como falo. Mas a gramática...

- A gramática, minha filha, é uma criada da língua e não uma dona. O dono da língua somos nós, o povo - e a gramática o que tem a fazer é, humildemente, ir registrando o nosso modo de falar. Quem manda é o uso geral e não a gramática. Se todos nós começarmos a usar o tu e o você misturados, a gramática só tem uma coisa a fazer...

- Eu sei o que é que ela tem a fazer, vovó! - gritou Pedrinho. É pôr o rabo entre as pernas e murchar as orelhas...

Dona Benta aprovou.


Mais sobre o assunto aqui.

2 comentários:

MayBlog disse...

que DELÍCIA! esses livros têm sabor de "minha infância". lembro-me que ganhei do meu pai essa coleção do 'Síto do Pica-pau Amarelo', com seus 15 livros, aos meus 8 anos de idade. será que é por isso que sou meio chata com Português? hahaha!

Jozafá Batista disse...

Então compartilhamos também isso, tia May! Ler 'Emília no País da Gramática' é a forma mais divertida e simples de dominar a norma culta da língua sem matar a criatividade infantil.
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Lobato não se preocupa em utilizar a gramática como norma porque compreendeu que a norma linguística, como de resto qualquer norma humana, é historicamente construída.
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Por isso ele não utilizava a língua (idioma) como instrumento de poder.
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Até nisso Lobato foi genial. E veja que é o livro é de 1934!